Primo-de-quê?

Primeiro grau, segundo grau, terceiro grau… Afinal de contas, como é que funciona essa bagaça de parentesco?

Para aqueles que ainda não sabem, sou advogado. Minha especialidade é a área de licitações e contratos públicos, mas de quando em quando, mais por gentileza que por necessidade, costumo ajuizar outros tipos de ações para dar uma força para os amigos.

O caso em questão é que faleceu um grande amigo – não, meu melhor amigoPaulo Bicarato. Divorciado, sem filhos, pais já falecidos, restaram seus quatro irmãos. E nenhum bem. Ou quase. Acontece que quando do inventário de seu pai ele ficou sendo coproprietário de um automóvel, na realidade 1/5 do veículo.  E assim ficou registrado no documento do carro. Todos os irmãos combinaram que seria transferido para a irmã mais velha, mas o Bica faleceu antes de concretizar essa vontade e por isso me coloquei à disposição para entrar com a ação, pois, ainda que isso pudesse ser feito diretamente no cartório, o custo do registro da escritura seria alto e como cada um deles mora em uma cidade diferente em tempos de pandemia seria melhor resolver tudo pela Internet.

Para facilitar criamos um grupo no WhatsApp para trocar informações sobre a ação, juntar documentação, recolher guias, tirar dúvidas, etc. Assim, uma vez que toda a documentação foi reunida, mandei uma minuta da petição inicial para o grupo para que todos verificassem. Foi então que o Marcelo, irmão do meio, perguntou:

– Adauto, na página 2, final do 2º parágrafo do item “I-DO FALECIMENTO”, somos definidos como “irmãos de 2º grau”; é isso mesmo? Não seríamos “de 1º grau”?

Esse tipo de dúvida é mais comum do que se imagina, pois temos essa mania de chamar os primos diretos de primos de primeiro grau e quando mais afastados de primos de segundo grau. Aliás, nem sei de onde saiu isso.

Pois bem. Daí lhe expliquei:

– Pelo Código Civil você define o grau de parentesco subindo até o ascendente em comum e descendo até o indivíduo. Assim temos o Paulo, subindo até o “Seo Antonio” (pai – 1º grau), daí descemos até o indivíduo com o mesmo ascendente (irmão – 2º grau) e se fosse o caso de descer até o filho do irmão teríamos o sobrinho – 3º grau. Ou seja, fica tranquilo que é assim mesmo…

Essa regrinha tá lá no Código Civil, artigo 1594, que esclarece: “Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.”

Para esclarecer melhor: o parentesco em linha reta pode ser de  ascendentes, que são as gerações da família que antecederam a chegada no mundo do indivíduo (pais, avós, bisavós, trisavós, etc) e de descendentes, que são as gerações que vêm após o nascimento do indivíduo, diretamente ligados a ele (filhos, netos, bisnetos, trinetos, etc). Esse tipo de parentesco é ilimitado, não importando o número de gerações que separam os indivíduos.

Já o parentesco em linha colateral (ou transversal) diz respeito às pessoas que não ascendem ou descendem diretamente do indivíduo, mas fazem parte do mesmo tronco familiar, pois têm um ancestral em comum. De acordo com o Código Civil  (artigo 1592) na linha colateral somente é considerado parente aquele até o quarto grau.

E temos ainda o parentesco por afinidade, que é a ligação aos parentes do cônjuge (por casamento) ou do companheiro (por união estável), que é limitado aos ascendentes, descendentes e irmãos da outra parte. Aqui temos a figura dos sogros, enteados e do cunhados. Já o cônjuge ou o companheiro propriamente dito não é parente.

Voltando à nossa história,  o Cacá, irmão caçula, gaiato que é, me veio com essa:

– trivia: qual o grau do primo do irmão do sobrinho do pai do tio avô nesse caso, Adauto?

É óbvio que eu entendi que era uma brincadeira. Mesmo assim eu lhe disse que iria “calcular” e depois informava…

Passados alguns dias resolvidos tantos outros problemas, lembrei-me da pergunta estapafúrdia e resolvi que já era hora de respondê-la. Abri o GenoPro – um programa antigo, lá de 1999, mas que considero o melhor de todos para montar genogramas e árvores genealógicas – e fui destrinchando item a item o parentesco que ele inventou. Deu nisso aqui, ó:

E por fim, dei-lhe a seguinte resposta:

– Creio que sem que você percebesse acabou tendo uma “pegadinha” na sua pergunta… Por um lado temos que o próprio avô do indivíduo é que é o primo do irmão do sobrinho do pai do tio avô e nesse caso o grau parentesco seria em linha reta de 2º grau. Mas se o primo for outro, então o grau de parentesco seria em linha colateral de 6º grau. Por nada. Servimos bem para servir sempre…

2 comentários em “Primo-de-quê?”

  1. Bom dia Sr. Adauto, de antemão muito obrigado por compartilhar de suas experiências genealógicas. Há alguns meses fui contagiado pelo vírus da genealogia e aos poucos venho aprendendo um pouco sobre esse universo. Por acaso, procurando pelo Google por um exemplar das Três Ilhoas de José Guimarães, esbarrei com seu site sobre a família Andrade e como este é um dos ramos ainda pouco explorados da minha árvore por parte de minha bisavó, mãe do meu avô paterno, agucei a curiosidade por folhear um pouco pelos seus artigos e descobri que suas abordagens transcendem a pesquisa de um sobrenome, pois encontrei em seus artigos um poço de informações técnicas acerca de termos dedicados ao estudo genealógico (dos quais muitos ainda tento me familiarizar). Acredito ter descoberto um ótimo arquivo pelo qual pretendo dedicar bons momentos de leitura e aprendizado. Não obstante, como seu site é em formato de blog, permitindo essa interatividade entre escritor e leitor, creio que vez ou outra irei importuná-lo com algumas considerações e principalmente com muitas perguntas. Um dia, ainda criança, comecei a fase dos “por quês ?”, e para infortúnio das pessoas próximas com pouca paciência, continuo com minha metralhadora de perguntas disparada em 360º. Pois bem, para não fugir a regra e concluir o motivo dessa interlocução, gostaria que me ajudasse a entender melhor essa questão de grau de parentesco. No diagrama acima entendi a conta de 6º grau entre indivíduo e o “primo do irmão do sobrinho” pela linha colateral (1º = pai; 2º = avô; 3º = bisavô; 4º = trisavô, 5º = irmão do bisavô, 6º = primo do avô). Mas não entendi o 2º grau em linha reta, como funciona essa conta? Eu entendo que em linha reta não existe parentesco entre o indivíduo e o “primo do irmão do sobrinho”. Aonde está meu erro?

  2. Bom dia, Rafael! A ideia aqui é essa mesma: compartilhar conhecimento. Esteja sempre à vontade para disparar sua “metralhadora de perguntas” sempre que quiser… Quanto à sua pergunta (de hoje), como eu disse no texto o parentesco em linha reta é somente de ascendentes e descendentes. Ou seja, contando a partir do indivíduo poderíamos ter o filho (1º grau), o neto (2º grau) e o bisneto (3º grau). Também a partir do indivíduo teríamos o pai (1º grau), o avô (2º grau) e o trisavô (3º grau). No caso do genograma aí em cima (o primo do irmão do sobrinho do pai do tio avô) o foco é o “irmão do sobrinho”, pois a partir dele temos que qualquer filho de qualquer tio (irmão de seu pai) será um primo, e é justamente essa a situação do bisavô do indivíduo, que é filho do tio do “irmão do sobrinho”.

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