A versão faz o fato

( Publicado originalmente em 03/02/2009 no blog Legal. )

Esse “causo” eu copiei na íntegra lá de uma das listas de discussão sobre genealogia da qual participo – a Gen-Minas. Foi contado pela amiga virtual Silvia Buttros. Leiam até o fim e deleitem-se.

Judy Wallman é uma pesquisadora de genealogia e histórico de famílias no sul da Califórnia. Recentemente ela resolveu conduzir uma pesquisa em sua própria árvore genealógica e descobriu o seu tio-bisavô, Remus Reid era o ancestral comum entre ela e o atual Senador pelo Estado de Nevada, Harry Reid. Ela e o Senador Reid tinham em Remus um ancestral comum.

Ela descobriu também que seu tio-bisavô Remus Reid havia morrido enforcado, condenado por roubo de cavalos e roubo de trem no Estado de Montana, em 1889.

A única fotografia disponível de Remus Reid mostra seu enforcamento, no Território de Montana, em 1889.

No verso da fotografia de Remus Reid obtida por Judy durante sua pesquisa, estava a seguinte anotação: “Remus Reid, ladrão de cavalos, encarcerado na Prisão do Território de Montana em 1885, fugiu em 1887, roubou o trem Montana Flyer por seis vezes. Foi preso pelos detetives da Agência Pinkerton, foi condenado e enforcado em 1889”.

Judy então enviou um e-mail ao Senador Harry Reid solicitando informações sobre seu ancestral comum, Remus Reid, sem mencionar o que já sabia.

Os assessores de Harry Reid enviaram-lhe o seguinte resumo bibliográfico sobre Remus, para ser inserido em sua pesquisa genealógica:

“Remus Reid foi um famoso vaqueiro e cowboy no Território de Montana. Seu império comercial cresceu a ponto de incluir a aquisição de valiosos exemplares de cavalos de raça, bem como um íntimo e profícuo relacionamento com a Ferrovia de Montana. A partir de 1883 ele dedicou vários anos de sua vida ao serviço do governo estadual. Após isso ele licenciou-se para reiniciar seu relacionamento com a Ferrovia. Em 1887 ele foi o elemento fundamental em uma importante investigação conduzida pela famosa Agência de Detetives Pinkerton. Em 1889 ele veio a falecer durante uma importante cerimônia cívica realizada em sua homenagem, quando a plataforma sobre a qual ele estava cedeu logo após seu discurso.”

Isso é política.

Isso é saber apresentar os fatos sem mentir (muito).

O Bicarato que não era Bicarato

( Publicado originalmente em 07/01/2015 no blog Legal.adv.br. )

Quebra-cabeças.

Definitivamente, eu gosto desse tipo de desafio.

E, pior, aventureiro genealogista que sou, os quebra-cabeças que me atraem são aqueles que dizem respeito ao misterioso passado das famílias. De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Qual o porquê desse desgraçado calor insuportável?

Enfim, como já costuma dizer a amiga virtual Regina Cascão, sempre estou na busca dos “meus mortinhos”…

Mas minha curiosidade extrapola minha família! Basta eu ouvir um nome diferente e já fico pensando de onde é que veio, qual sua história, como se formou.

E com o amigo e copoanheiro Bicarato não foi diferente. Paulo Henrique de Almeida Bicarato. Sim, um nome de família com todo jeitão de ser italiano, mas de onde? Ninguém nunca descobriu. E resolvi assumir esse desafio já tem um bom tempo – mas as correrias do dia a dia sempre foram deixando essa pesquisa para trás. Até agora.

Tudo (re)começou quando o Bica me encaminhou a transcrição da certidão de nascimento de seu avô, Bento, nascido em 09/10/1913. Filho de Giovanni Bicarato e Colomba Muscini. A notícia é que esse Giovanni quem teria vindo da Itália para trabalhar no Brasil.

Mas o raio é que esse nome, “Bicarato”, teimava em se esconder em todas as pesquisas que fiz, pois jamais encontrei qualquer referência genealógica fora do contexto da própria família no Brasil. Daí resolvi ir atrás das ilações sobre a grafia errada do nome – coisa muito comum na virada do século, quando a grande maioria dos imigrantes aportou neste nosso país. Poderia ser Bicaratto, Biccarato, Bigarato, ou qualquer outra coisa do tipo. Mas a luz no fim do túnel começou a surgir quando, das pesquisas detetivescas de meu amigo, cogitou-se a possibilidade de, de repente, ter existido alguém cujo nome seria B. Carato e daí, da corruptela da escrita e da pronúncia, ter surgido o atual Bicarato. Idéia interessante a ser explorada, até porque existem vários núcleos de famílias Carato na Itália.

Resolvi tentar essa hipótese através de uma busca no acervo digital do Museu da Imigração. Lancei o nome Carato, apertei a tecla Enter e cruzei os dedos. De cara surgiram 37 ocorrências espalhadas por várias páginas e justamente num dia em que a conexão estava péssima! Paciência. A busca retornou a parte final do nome de várias famílias, além de Carato, tais como Boscarato, Macarato, Zacarato e por aí afora.

Fui pacientemente avançando, página por página, já sem esperanças mas ainda munido da minha habitual teimosia. Espera, carrega página, consulta nome a nome, nada; espera mais um pouco, carrega nova página, consulta, nada… E assim foi indo. Quando cheguei na última página, passando pelos nomes, justamente no penúltimo registro, lá estava ele: Giovanni! Seria ele mesmo? Fui conferir a cidade de destino: conferia. Fui conferir se, nos membros da família que vieram com ele, estaria o nome de sua mulher: também conferia! Só podia ser ele!

Mas o mais curioso e a revelação do dia foi outra: Ele não era um Bicarato, mas sim um RICARATO!

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Como esse negócio de escrita antiga é complicado, ainda fiquei com uma pulguinha atrás da orelha com a grafia utilizada. Aquilo seria mesmo um “R”? Poderia, na prática, se tratar de muitas outras letras… Mas a essa altura do campeonato, feliz com minha “descoberta”, mais que prontamente comuniquei a alvissareira notícia ao amigo e copoanheiro! Juntos, explorando um pouco mais, ele percebeu o nome do navio em que viajou seu antepassado: “Re Umberto”. Lembrei-me que poderia constar seu nome na lista de passageiros e lá fomos explorar. Sucesso!

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Apesar de ter sido ticado bem em cima da primeira letra, vendo a letra de baixo, nitidamente um “B”, não tem como confundir. Aquilo é um “R”!

Enfim, mais algumas peças foram encontradas nesse quebra-cabeças familiar que é o nome Bicarato. Dali teremos condições de explorar novas alternativas, audaciosamente indo onde nenhum Bicarato jamais esteve! Os becos sem saída continuam, pois o nome Ricarato, na Itália, parece ser tão misterioso quanto sua versão brasileira.

Mas tempo ao tempo, paciência e perseverança. Tenho certeza que ainda vou encontrar mais alguma coisa por aí afora.

Agora, a pergunta que não quer calar: devo notificar todos os atuais membros da família Bicarato para que providenciem a alteração de seus nomes para a correta forma Ricarato?…

Primo-de-quê?

Primeiro grau, segundo grau, terceiro grau… Afinal de contas, como é que funciona essa bagaça de parentesco?

Para aqueles que ainda não sabem, sou advogado. Minha especialidade é a área de licitações e contratos públicos, mas de quando em quando, mais por gentileza que por necessidade, costumo ajuizar outros tipos de ações para dar uma força para os amigos.

O caso em questão é que faleceu um grande amigo – não, meu melhor amigoPaulo Bicarato. Divorciado, sem filhos, pais já falecidos, restaram seus quatro irmãos. E nenhum bem. Ou quase. Acontece que quando do inventário de seu pai ele ficou sendo coproprietário de um automóvel, na realidade 1/5 do veículo.  E assim ficou registrado no documento do carro. Todos os irmãos combinaram que seria transferido para a irmã mais velha, mas o Bica faleceu antes de concretizar essa vontade e por isso me coloquei à disposição para entrar com a ação, pois, ainda que isso pudesse ser feito diretamente no cartório, o custo do registro da escritura seria alto e como cada um deles mora em uma cidade diferente em tempos de pandemia seria melhor resolver tudo pela Internet.

Para facilitar criamos um grupo no WhatsApp para trocar informações sobre a ação, juntar documentação, recolher guias, tirar dúvidas, etc. Assim, uma vez que toda a documentação foi reunida, mandei uma minuta da petição inicial para o grupo para que todos verificassem. Foi então que o Marcelo, irmão do meio, perguntou:

– Adauto, na página 2, final do 2º parágrafo do item “I-DO FALECIMENTO”, somos definidos como “irmãos de 2º grau”; é isso mesmo? Não seríamos “de 1º grau”?

Esse tipo de dúvida é mais comum do que se imagina, pois temos essa mania de chamar os primos diretos de primos de primeiro grau e quando mais afastados de primos de segundo grau. Aliás, nem sei de onde saiu isso.

Pois bem. Daí lhe expliquei:

– Pelo Código Civil você define o grau de parentesco subindo até o ascendente em comum e descendo até o indivíduo. Assim temos o Paulo, subindo até o “Seo Antonio” (pai – 1º grau), daí descemos até o indivíduo com o mesmo ascendente (irmão – 2º grau) e se fosse o caso de descer até o filho do irmão teríamos o sobrinho – 3º grau. Ou seja, fica tranquilo que é assim mesmo…

Essa regrinha tá lá no Código Civil, artigo 1594, que esclarece: “Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.”

Para esclarecer melhor: o parentesco em linha reta pode ser de  ascendentes, que são as gerações da família que antecederam a chegada no mundo do indivíduo (pais, avós, bisavós, trisavós, etc) e de descendentes, que são as gerações que vêm após o nascimento do indivíduo, diretamente ligados a ele (filhos, netos, bisnetos, trinetos, etc). Esse tipo de parentesco é ilimitado, não importando o número de gerações que separam os indivíduos.

Já o parentesco em linha colateral (ou transversal) diz respeito às pessoas que não ascendem ou descendem diretamente do indivíduo, mas fazem parte do mesmo tronco familiar, pois têm um ancestral em comum. De acordo com o Código Civil  (artigo 1592) na linha colateral somente é considerado parente aquele até o quarto grau.

E temos ainda o parentesco por afinidade, que é a ligação aos parentes do cônjuge (por casamento) ou do companheiro (por união estável), que é limitado aos ascendentes, descendentes e irmãos da outra parte. Aqui temos a figura dos sogros, enteados e do cunhados. Já o cônjuge ou o companheiro propriamente dito não é parente.

Voltando à nossa história,  o Cacá, irmão caçula, gaiato que é, me veio com essa:

– trivia: qual o grau do primo do irmão do sobrinho do pai do tio avô nesse caso, Adauto?

É óbvio que eu entendi que era uma brincadeira. Mesmo assim eu lhe disse que iria “calcular” e depois informava…

Passados alguns dias resolvidos tantos outros problemas, lembrei-me da pergunta estapafúrdia e resolvi que já era hora de respondê-la. Abri o GenoPro – um programa antigo, lá de 1999, mas que considero o melhor de todos para montar genogramas e árvores genealógicas – e fui destrinchando item a item o parentesco que ele inventou. Deu nisso aqui, ó:

E por fim, dei-lhe a seguinte resposta:

– Creio que sem que você percebesse acabou tendo uma “pegadinha” na sua pergunta… Por um lado temos que o próprio avô do indivíduo é que é o primo do irmão do sobrinho do pai do tio avô e nesse caso o grau parentesco seria em linha reta de 2º grau. Mas se o primo for outro, então o grau de parentesco seria em linha colateral de 6º grau. Por nada. Servimos bem para servir sempre…

Virus Genealogicus

E, pra quem não sabe, há anos venho montando a árvore genealógica de nossa família. Já consegui muito material e informação, não só relativo aos parentes atuais, como também dos antepassados. E olha que isso não é pouco, considerando que meu pai é o mais velho de doze irmãos, que meu avô materno se casou três vezes, assim como meu bisavô (também três vezes), sendo que só de um desses casamentos teve dezoito filhos.

Na linha direta dos “Andrade”, por enquanto, consegui rastrear até meados do século XVII, e nas linhas auxiliares já cheguei na Idade Média. Ainda preciso explorar mais o lado da Dona Patroa, pois ela é descendente legítima de verdadeiros samurais da época feudal do Japão – o que, na minha nada humilde opinião, deve explicar seu temperamento…

Sim, eu sei, isso é coisa de doido. É um hobbie que não tem fim. Mas não tem como explicar. A esse respeito, do muito que já li em diversos textos e obras me identifiquei com o posicionamento do Padre Reynato Breves, no artigo Novas Revelações da Genealogia, publicado no Jornal da Cidade, de Barra do Piraí, em sua edição de 12 de setembro de 1998. Diz o seguinte:

Há pessoas que não apreciam ‘Genealogia’, não se interessam por saber quem é seu avô, bisavô ou trisavô; não querem saber de onde vêm, quais são os seus ascendentes. Ora, a Genealogia é a Ciência da nossa racionalidade, da marca indelével das nossas origens; diz de onde viemos, diz quem somos, diz quais são as nossas raízes, mostra-nos a nossa importância. A Genealogia exige paciência, perseverança e intercâmbio, mostra a necessidade da comunicação com outros Genealogistas e causa grandes surpresas e grandes emoções. Enfrenta grandes obstáculos, terríveis barreiras, surpreendentes interrogações. A Genealogia é uma paixão e quem nela entra dela não sai mais. A Genealogia é amor; amor aos antepassados. A Genealogia é gratidão; gratidão aos que nos antecederam nesta vida. A Genealogia é memória imperecível. A Genealogia quase se confunde com a Heráldica. A Genealogia atesta a importância de uma Família. A Genealogia é como o Livro; conserva a memória das gerações passadas contra a tirania do tempo e contra o esquecimento dos homens, que ainda é a maior tirania, e enaltece as gerações hodiernas. A Genealogia move os ânimos e causa grandes efeitos.