Problemas na partida

A aventura, ou, talvez, melhor dizendo, o enrosco de hoje diz respeito ao motor de arranque. Do Titanic II, é claro. Até porque o 79 continua inerte, lá na garagem…

Mas antes vamos a uma pequena aula teórica com as palavras simplistas deste leigo que vos escreve. O que é e para que serve, afinal de contas, esse tal de “motor de arranque”?

O motor de arranque, ou motor de partida, serve, é óbvio, para dar a partida no carro (dããã), ou seja, o “arranque” inicial para que o motor funcione. Trata-se de um sujeitinho que vai ali, do lado do motor de verdade e é a ele ligado através de um sistema de engrenagens. Quando você gira a chave no contato e dá uma carga elétrica no bichinho (que é forte como uma égua) ele consegue a façanha de girar o motor maior até a explosão inicial na câmara de combustão e daí por diante o motor (do carro) segue por si só.

Para que não fique girando junto com o motor do carro existe nele uma espécie de “roda livre” que entra em ação quando você volta um pouco a chave do contato. Serve para que nem ele fique segurando o motor do carro e nem o motor do carro fique arrastando ele. Uma situação como essa certamente levaria a quebra de um dos dois – ou ambos!

Na ponta do motor de partida há uma engrenagem, gentilmente chamada pelos mecânicos de “focinho”, que é conectado ao volante (não, não a direção) do motor – conhecido simplesmente como “cremalheira”. A figura aí em baixo dá uma ligeira noção do motor de partida em si, bem como de seu focinho…

Então, aquela engrenagenzinha ali em cima à direita, aquele pinhão, possui força suficiente para girar o motor do carro (se sua bateria estiver em dia, é lógico) e isso se dá através do volante do motor, algo parecido com essa engrenagem aí do lado, que gira toda a árvore de manivelas (biela).

Uma vez explicado o funcionamento básico da coisa, vamos ao caso em si. Acontece que, apesar de o motor do Titanic II estar funcionando como um relógio, toda vez que ia dar a partida em determinado momento fazia um barulho de arranhar, um tranco de metal com metal, que – claro – não é nem um pouco natural.

Combinei com um japonês de uma autoelétrica próxima de casa que passaria por lá bem cedinho para ele dar uma olhada no motor de partida. Como estou de férias, não haverá problema algum de até esperar ficar tudo pronto – se ele não encrespar. É que tem gente que simplesmente não suporta que os proprietários fiquem por ali cheirando tudo o que eles fazem enquanto consertam um motor…

Mas posso garantir que o japonês é gente boa e não tivemos nenhum problema nesse sentido. Só pra se ter uma ideia do grau de confiabilidade de seus serviços, ele é daqueles que tem sua oficina, não tem uma placa sequer pendurada, não faz nenhuma propaganda e está sempre cheio de clientes. O tempo todo. Com um único ajudante para auxiliá-lo, boa parte dos consertos são feitos na rua mesmo, em plena avenida. Só do momento em que cheguei, lá pelas oito horas, até às oito e meia já tinham sete pessoas na fila – alguns com problemas mais sérios que outros, mas todos querendo a “bênção” dele.

Só que o japonês levou um baile completo do meu carro. Tirou o motor de arranque, checou, verificou, trocou algumas arruelas, arranjou outros calços, colocou… e nada. As duas ou três primeiras voltas até que iam macias, mas depois já encrespava de novo. Depois da terceira vez que ele tirou o motor de arranque parei de contar.

Apesar de ele ter notado que a cremalheira estava “bem judiada”, em tese tudo deveria funcionar. Com muito custo e à base de muita observação, apareceu o “defeito”: a capa do motor de arranque estava trincada. A mesma capa que serve para fixá-lo e ajustá-lo no motor principal. E a trinca praticamente não aparecia quando o motor estava fora, mas bastava dar a partida e os dentes da cremalheira surrada se sobrepunham com o pinhãozinho do motor de arranque, abrindo mais a trinca e tirando o bichinho da posição.

Seria só trocar a capa, certo?

Errado.

Isso ele fez – e, adivinhem?

Trincou a capa nova também…

A essa altura já era umas quatro da tarde (eu estava lá desde as oito, lembram?) e ele – que consegue ser mais teimoso que eu – já com dor de cabeça. Decidimos pegar o motor de arranque do meu 79 que estava parado mesmo só enquanto ele tenta dar uma geral completa no motor de arranque original.

Detalhe: significa que pegamos um motor de arranque de um quatro cilindros e colocamos num seis cilindros. Até que funcionou bem – melhor que o outro que foi para UTI – mas ainda assim de vez em quando também dava uma “engastalhada”.

E o japonês ficou tão cansado dessa história – e tão puto também, pois, em tese, perdeu uma capa novinha – que mandou eu rodar com o carro daquele jeito mesmo. Depois que ele tivesse tudo funcionando me chamaria para gente recolocar os motores de arranque em seus locais de origem. Não quis nem cobrar!

Bão, independentemente disso, creio que o correto nesse caso é mesmo trocar a mardita da cremalheira. Já vi que vou ter que fazer nova busca pelos desmanches da vida…

Mas, cá entre nós (e não contem pra ninguém!), vou pagar o japonês pelas duas capas. Afinal de contas ele não tem culpa de a cremalheira do carro ser uma verdadeira assassina de motores de arranque…

Uma no cravo…

Mas é LÓGICO que alguma coisa tinha que dar errado.

Afinal de contas, como já é do conhecimento até do Reino Mineral, Murphy é meu melhor amigo…

O diferencial estava perfeito. Com uma revisada geral, limpeza, óleo, graxa e tinta (não necessariamente nessa ordem) o bichinho foi colocado no lugar e ficou ótimo.

ENTRETANTO, o cardan não.

Para quem não conhece esse danado, já pararam para se perguntar como é que o motor de um Opala, que fica lá na frente, tem tração traseira e faz a roda girar lá atrás? Então. TEM que haver alguma coisa que ligue um no outro. E essa alguma coisa se chama cardan, ou, “tecnicamente” falando, árvore longitudinal de transmissão (bonito isso, não?). Eis um esquema do bichinho, direto daquele livro que citei outro dia:

Sua descrição técnica é a seguinte: Árvore Longitudinal de Transmissão – A árvore longitudinal transmite o movimento da caixa de mudanças ao eixo traseiro e, no Chevrolet Opala, é do tipo tubular, descoberto e de uma só peça. Ambas as extremidades são providas de juntas universais de cruzeta e com mancais de roletes, permanentemente lubrificadas, daí não exigir nenhum cuidado de manutenção. Na ligação com a caixa de mudanças há um acoplamento com uma junta deslizante de estrias, cuja finalidade é permitir a pequena variação que se verifica no comprimento da árvore devido a oscilação do eixo traseiro.”

E foi exatamente essa “pequena variação” citada que deu todo o perrengue. Acontece que o diferencial Dana tem a ponta um pouco mais comprida que o diferencial Braseixos (que estava antes no carro). Sendo mais comprido, consequentemente o cardan tem que ser um pouco mais curto, certo?

E lá foi o marmitão rodar por desmanches de novo!

Entretanto dessa vez não consegui nada. Como costumam dizer nesses locais, isso aí seria uma mosca branca (peça muito difícil de se encontrar). Desse modo partimos para o Plano B.

Se o cardan tá bom mas é comprido, que fazer? Corta o bicho.

Mas também não é assim, de qualquer jeito. Há que se ter uma técnica específica para tal serviço. E quem teria essa técnica? O já conhecido na cidade “Zé Garrafa”, uai!

Na realidade esse caboclo já faleceu há muito. Meu pai mesmo, ao lhe contar essa história, disse-me que o conheceu e achava que já tinha morrido. Parece que quem hoje toca o negócio e faz os serviços do finado seria seu filho. E que serviços seriam esses? Colocar o cardan num torno e cortá-lo na medida correta para que se encaixe lá embaixo do carro. No meu caso específico essa medida foi de justos 4 centímetros. Pronto? Só isso? Não. E é aí que vem o verdadeiro trabalho técnico. Há que se balancear a peça, ou seja, verificar se a mesma não está empenada ou se o corte não ficou irregular de modo a evitar que ela chacoalhe em velocidades elevadas. Basicamente é como o balanceamento das rodas de um carro para que elas não trepidem em determinadas faixas de velocidade.

O curioso é que, conforme numa conversa que tive com o caboclo, esse tipo de verificação e correção (que, óbvio, tem um custo) não costuma ser feito nos cardans que vão em jipes, pois nesse caso não teria problema pois “lá já treme tudo mesmo”

Mas para um carro de passeio a conversa já é outra…

Pois bem, feito o serviço e entregue ao mecânico. Basta aguardar a montagem.

De quebra já pedi para ele tirar aquela folga da caixa de direção que lhes falei. Na prática não significou necessariamente trocar alguma peça, mas sim recondicionar a que já estava instalada (até porque dinheiro não dá em árvores e tudo NA VIDA tem limites – inclusive o cheque especial).

Complemento final a ser executado: consertar a boia do tanque de gasolina. Sim, consertar, pois mesmo usada não foi possível encontrar. E como qualquer Opaleiro que se preze pode atestar, para um veículo do tipo do Opala, o marcador de combustível é sim item de segurança imprescindível e que deve estar funcionando perfeitamente…

Caça ao tesouro

E agora, com o escapamento em ordem, seria somente questão de regularizar a documentação, certo? Talvez um ou outro tapinha aqui e ali, mas nada demais – até porque, como já cansei de dizer, o foco é a reforma do OUTRO Opala, e não deste.

Entretanto, “a vida é uma caixinha de surpresas”

Desde o momento em que peguei o carro estava “sentindo” algo meio estranho. Um quê de barulho de metal raspando que, na prática, não deveria existir. Se tem uma coisa que aprendi com o meu pai – com todos seus anos de experiência em oficina mecânica – é que barulho em uma máquina usualmente significa que tem alguma coisa fora do lugar, funcionando de maneira incorreta ou quebrada mesmo. Isso fora um “tec-tec” que invariavelmente eu percebia lá pros lados das rodas traseiras.

Voltei no mecânico. Diagnóstico: diferencial. O ideal seria substituir ou desmontar e tentar recuperar. Num primeiro momento fizemos uma busca via telefone pelos principais desmanches da cidade (Desmanche, sim, é lógico! Ou vocês acham que tenho dinheiro para ficar comprando peças novas a todo hora?) e não deu em nada. Ninguém, NO MUNDO, tinha um diferencial para um motor de seis cilindros. Ainda assim, enquanto ele desmontava o diferencial para ver o estado das peças, eu tentaria conseguir algo por aí.

Bom, para aqueles que não sabem, “O diferencial é um engenhoso dispositivo mecânico que permite independência de velocidade de rotação nas rodas traseiras, o que é necessário quando o carro realiza uma curva, já que, em tais circunstâncias, a velocidade de rotação da roda traseira do lado de dentro da curva é menor do que a do lado de fora, porquanto os arcos percorridos são diferentes. Se as rodas traseiras fossem montadas em um único eixo rígido, quando o carro realizasse uma curva, a roda do lado de dentro arrastar-se-ia no chão.” Gostaram da definição? Direto do Manual do Chevrolet Opala, de Jarbas Portella, livro de mais de 260 páginas devidamente guardado em formato PDF nas catacumbas de meu computador…

Eis aí o danado:

Mas, voltando à história, fui à busca de um Santo Graal diferencial, numa verdadeira via sacra, com um desmanche indicando outro, que por sua vez indicava outro, que por sua vez indicava uma loja, que por sua vez encaminhava para outro desmanche, e dali para uma oficina, e assim por diante. Nisso perdi a tarde inteira e – literalmente – atravessei a cidade de ponta a ponta mais de uma vez. Mas, no final das contas acabei conseguindo!

Numa das últimas tentativas, já praticamente tendo perdido as esperanças, encontrei uma oficina que tinha um diferencial Dana que, até onde sei, é bem melhor que o Braseixos que estava instalado (ou, como é carinhosamente chamado por outros opaleiros, Braslixo…)

Todo orgulhoso, coloquei o danado na traseira do carro (tadinha da Parati, arriou…) e voltei para o mecânico. Abri a tampa traseira e soltei:

– Um “Dana” tá bom pra você?

Ele quase não acreditou. Primeiro que eu tivesse conseguido um diferencial para motor de seis cilindros. Segundo, que fosse da marca Dana. E, terceiro, que ainda por cima estivesse em bom estado! E tudo isso veio na hora certa, pois ele já havia aberto e acabado de condenar o diferencial anterior…

Pois bem, agora é esperar a montagem.

Para aqueles que são da cidade de São José dos Campos, SP, ou das proximidades, e precisarem de fazer uma “busca e apreensão” de peças usadas, segue o caminho das pedras de alguns dos desmanches onde é possível encontrar algo:

  • O Compadre (Parque Martins Cererê) – (12)3921-6174 / 3922-4253
  • Sérgio Auto Peças (Santana) – (12)3941-4023
  • Canindú (Vila Cândida) – (12)3923-3614 / 3922-0522
  • Vila Auto Peças (Vila Tatetuba) – (12)3902-9370
  • Vale das Peças (Val Paraíba) – (12)3021-0988 / 3021-0899
  • Roque Auto Peças (Vila Ester) – (12)3431-4346 / 3019-0845

Essa lista não exaure as oportunidades, mas, basicamente, abrange quem está no círculo e que se “comunica um com o outro”, ou seja, todo mundo sabe quem está desmanchando o quê…

Reabertura

Ok, ok. Só eu mesmo. Quando não acaba a gasolina de um carro, ainda assim consigo trancá-lo PRA SEMPRE…

Bem, mas “pra sempre” sempre é relativo!

Então, municiado com todas as chaves que pude arregimentar do outro Opala (inclusive as da antiga ignição, que troquei), pude buscar uma que atendesse às minhas necessidades. E deu certo!

O detalhe: só posso destrancar a porta do passageiro, pois a fechadura do lado do motorista está total e completamente detonada. Ou seja, desço normalmente do carro, vou pelo lado do passageiro, entro, travo o pino da porta do motorista, saio, e, após, travo o pino da porta do passageiro. Operação inversa para entrar no carro.

Lindo, não?

Como eu já havia dito, os bancos estão com o estofamento pra lá de detonados, mas acabou me caindo a ficha dum detalhe: o outro Opala também estava assim – mas tinha capas! Fui fuçar no covil de peças do carro e lá estavam todas elas, tanto dos bancos dianteiros, quanto traseiro. Empoeiradas, sim, mas inteiras. Pelo menos economizei alguns trocados com isso.

De quebra também peguei os tapetes de borracha do 79, pois estão mais inteiros que os do 76…

Detalhe 1: já ia me esquecendo de contar, mas ontem, pleno sabadão, troquei (ou melhor, COLOQUEI) o escapamento do carro. De ponta a ponta. Não se preocupem, pois tudo isso ainda aproveitarei mais tarde, quando da necessária transfusão de peças.

Detalhe 2: como carro velho que se preze tem que ter lá suas podreiras, com o toró que caiu no último sábado descobri uma pequena catarata sobre a caixa de fusíveis do carro. Enquanto não chover, tá bom. Mas antes do próximo pé d’água quero ver se já conserto (ou gambiarreio) isso…

Saindo da oficina

Então exatamente no dia de hoje, depois de quinze longos dias, por volta da hora do almoço, o Titanic II (como “carinhosamente” a Dona Patroa resolveu chamá-lo) saiu da oficina.

O interessante é que meu passado me condena. Fui de carro até o mecânico (aquela Parati que continua à venda), acertei o que tinha que acertar ($$$), desci até em casa guardei o carro, almocei com a criançada, esperei a Dona Patroa chegar, e, aproveitando o embalo dela levar os petizes à escola, peguei uma carona até a oficina.

– Ué, mas onde a gente vai, mamãe? – perguntou o mais velho, do alto de seus oito anos de idade.

– Vamos levar o papai para buscar o carro dele.

– Ah… Acabou a gasolina de novo?

Depois do acesso de risos da Dona Patroa ela explicou que nós estávamos indo buscar o “Titanic II”…

Mas voltemos ao carro.

Não vou entrar em detalhes no que foi feito nesse Opala 76 – até porque o foco desse blog é a reforma do 79 – mas basta saber que foi dada uma geral na suspensão, freio, carburador e parte elétrica.

Lembram-se que eu disse que o escapamento estava “meio aberto”? Na realidade ele simplesmente não tem toda a parte final do escapamento! Acaba ali, logo debaixo do motorista. Apesar do barulho correspondente a um dragão trovejante, no fim de semana precisarei dar um jeito nisso.

Fui com o danado até o trabalho (coisa de uns quinze quilômetros). Uma delícia! O carro alinhado, freando corretamente, motor regulado… Até buzinar, buzina! Tudo bem que continua detonado por dentro, mas isso é outra história… Ah! Um detalhe importante: a caixa de direção tá meio que ruim, com uma folga de uns 20° na direção…

Aliás é curioso ver como opaleiros sentem o cheiro um do outro… Tendo parado no boteco’s bar de costume, descobri que o seu Adolfo, vulgo Português, dono do bar, também foi um aficionado e apaixonado por Opalas. Já teve, reformou e “construiu” vários…

Entim, com tudo praticamente resolvido no que tange à mecânica, como minha garagem já não tem mais espaço, deixei numa vaga que tenho num apartamento perto de casa. Depois de trancado, percebi que deixei as chaves de casa no console. E acabei por descobrir que chave nenhuma NO MUNDO abre aquelas fechaduras das portas…

Merda.

Amanhã verei isso.