Quatro de outubro.
Véspera das eleições.
Pra quem ainda não sabe trabalho no departamento jurídico de uma prefeitura no município vizinho ao da minha cidade, no interior de São Paulo. A disputa eleitoral, segundo as “pesquisas oficiais”, está bem acirrada (já falei o que penso sobre essa história de pesquisas bem aqui e aqui). O candidato do atual prefeito (que tem meu apoio) estaria “tecnicamente empatado” com o seu maior rival na disputa, havendo um terceiro candidato posicionado bem lá atrás e, ainda, um quarto, que, segundo penso, não deve conseguir votos suficientes nem pra se eleger vereador.
Daí, como forma de apoio, ficou agendado uma carreata para este sábado, logo depois do almoço.
Na parte da manhã resolvi dar um giro pela cidade com o Titanic II, até porque tem um adesivo do candidato que ocupa completamente o vidro traseiro do carro – daí já dá pra imaginar seu impacto visual. Se o Opalão 76 por si só já chama a atenção, com um adesivo do tamanho de uma semana então, nem se diga! Isso fora que este contador de causos que vos escreve ainda tem por costume o constante uso de chapéu – o que já me rendeu ser chamado desde Almir Sater até mesmo Indiana Jones e por aí afora.
Com um trânsito atravancado e cheio de bandeiraços espalhados pela cidade fui que fui queimando embreagem durante todo o percurso, sendo que, apesar de todos os vidros abaixados, estava passando por um calor infernal sob um sol de rachar coquinho. Parei no boteco’s bar de uma amiga pra uma cervejinha de praxe (não, não precisa “olhar” o carro não que já, já que eu volto) e depois segui meu caminho. Fui em alguns outros lugares e depois resolvi parar numa padaria pra um lanche, pouco antes do horário marcado pra carreata.
O carro estava meio amarrado e achei aquilo estranho.
Quando finalmente consegui parar resolvi dar uma olhada no motor. Apesar da tampa do radiador estar em seu devido lugar, esguichava água fervente pelo respiro e frestas (que não deveriam existir). O motor numa quentura só. E a porra do marcador de temperatua sem sair do lugar!!!
O “triste” é que nesse mesmo dia, logo pela manhã, eu havia telefonado pro mecânico para elogiá-lo, pois tudo estava funcionando bem. Que merda!
Deixei o capô aberto (pra refrescar) e fui tomar meu lanche.
Mais tarde, com o motor já melhorzinho, completei o nível d’água e fui para o ponto de encontro da carreata.
Muita conversa, bastante alegria, não demorou muito e lá fomos nós. Sem brincadeira nenhuma, com certeza mais de cem carros! O pior é que outros dois candidatos a prefeito tiveram a mesma ideia para o mesmo horário! Olha, a cidade que já não é lá muito grande (uns 140 mil eleitores) ficou tomada com aquelas serpentes de carros transitando cada qual para um lado.
Depois de mais ou menos uma hora, vítima das cervejas que havia consumido, já ficando meio verde pelo aperto, fui obrigado a fazer uma, digamos, “parada hidráulica”. Estacionei num posto de gasolina (com o motor já bem quente de novo) e fui pra casinha. Alguns bons minutos depois, já aliviado, voltei para o carro enquanto via os últimos veículos da carreata passarem, enquanto que vários outros carros do outro candidato tinham também parado no mesmo posto. Antevendo um ambiente não muito salutar à minha integridade física, baixei o capô, entrei no carro, apertei o cinto e… CADÊ A PORRA DA CHAVE???
Parei pra pensar.
Refiz meus passos – não só mentalmente como fisicamente – procurei nos bolsos, olhei dentro do carro, debaixo do carro, sob os tapetes, fui no banheiro, saí do banheiro, olhei num gramado, e NADA!
Foi aí que percebi os putos dos caboclos da outra carreata olhando pra mim e rindo a valer. Daí caiu a ficha. Sem perceber eu devo ter derrubado a chave e eles devem ter escondido. E agora José?
Munido mais de persistência que de conhecimento ou bom senso, no melhor estilo McGyver, saquei de meu canivete e um bom tempo depois, a custo de um tambor de ignição, consegui fazer o carro pegar.
Imaginem meu estado de espírito naquele momento. Imaginem o quanto eu estava suando. Imaginem o quanto eu estava puto da vida. Imaginem por quanto tempo os pneus de um Opala seis canecos podem queimar no asfalto e quanto um carro pode rabear numa fenomenal decolagem daquele maldito posto de gasolina, passando a centímetros dos carros estacionados e vendo o sorriso da cara daqueles chifrudos murcharem enquanto pulavam fora de meu caminho.
Acho que só voltei a raciocinar umas dez quadras depois.
Liguei para saber onde o povo estava. Literalmente do outro lado da cidade. Busquei mentalmente um ponto de interceptação em uma das ruas onde eles ainda fossem passar e fui pra lá. Levou mais uma meia hora, mas chegaram e ficaram com uma interrogação enorme querendo saber como foi que eu passei à frente de todo mundo sem que percebessem…
Melhor deixar pra lá.
Um dia, quem sabe, eu explico.