Intolerante a intolerâncias

Nestes “tempos interessantes” que temos vivido nas últimas semanas, com todo esse clima político beirando quase uma guerra civil, já há muito cheguei à conclusão que tenho baixa tolerância a discussões idiotas. Você tem sua preferência política? Não é a mesma que a minha? Tudo bem! Mas vamos combinar que, nessa situação, eu não tento te convencer a mudar sua opinião e você não tenta me convencer a mudar minha opinião. Façamos assim e continuaremos sendo amigos. Oi? Você, mesmo tendo opinião diferente da minha quer entabular uma conversa e mostrar o seu projeto político? Beleza – adoro discussões inteligentes – mas saiba que você também terá que ter a mesma capacidade de me ouvir, combinado?

Se fosse assim, nosso dia a dia seria bem mais palatável…

Mas, infelizmente, ressalvadas raras exceções, não é o que temos visto nas ruas.

Paciência.

Não vou deixar de expressar minhas opiniões e nem quero que outros assim o façam.

Curiosamente, e ciente de que o Universo tem maneiras às vezes nada sutis de nos mandar recados, justamente hoje pela manhãzinha me deparei com esse texto abaixo, do Rubem Alves, num livro que estou lendo. Não tinha como não compartilhar isso aqui no blog. Leiam e vejam se não é bem isso mesmo…

Futebol e política

Alguns amigos se juntaram e resolveram fazer algo pela pequena cidade do interior em que moravam. Pensaram que seria possível colocar um pouco de razão nessa coisa tão movida a paixões que é a política. Nada partidário. Não levantaram bandeiras. Não defenderam candidatos. Não gritaram slogans. Propuseram aos dois candidatos a prefeito que respondessem a uma série de perguntas sobre os seus planos, as mesmas peguntas para os dois. As perguntas foram feitas por escrito e eles tiveram dez dias para escrever suas respostas. As perguntas e as respostas, com a concordância de ambos, foram transformadas num tabloide e distribuídas pela população. Num dia previamente marcado, os dois candidatos deveriam ler suas respostas e assiná-las, como um documento público.

Assim aconteceu.

Os dois candidatos compareceram ao local designado junto com seus partidários, que se assentaram em dois blocos de cadeiras separadas. Mas o que sucedeu nada teve de racional. Era mais como o confronto entre torcidas de dois times de futebol, cada torcida odiando a outra. Vaias, gritos, apupos, xingamentos. Ninguém estava interessado em ouvir e compreender o outro. O clima foi ficando tenso e havia a possibilidade de que, terminado o evento, houvesse um confronto físico entre os dois grupos, tal como frequentemente acontece com torcidas de futebol. Ao final, a palavra foi aberta aos presentes.

Uma amiga, uma mansa mulher, se levantou trêmula e disse algo mais ou menos assim: “Eu e meu marido nos mudamos para cá por opção. Cansados da brutalidade de São Paulo, escolhemos esta cidade porque ela nos pareceu habitada por pessoas cordiais e pacíficas. Mas agora estou triste. Perdemos nossas ilusões…”.

Disseram alguns participantes que foi essa fala mansa que envergonhou as torcidas já preparadas para a briga.

Que pena que aconteça assim! Usando a metáfora do futebol: as eleições não são um confronto entre dois times que se odeiam. Não há dois times. O time é um só. Todos jogamos nele. Nosso time é a cidade. O que acontecer na cidade acontecerá a todos nós. O que acontece nas eleições é a escolha do técnico do time no qual todos nós jogamos. Dizem as Sagradas Escrituras que uma cidade dividida contra si mesma não pode sobreviver. Será esse o nosso destino, viver batalhas de ódio que só produzem divisões? As pessoas, por terem ideias diferentes, têm de se tornar inimigas? Alguns acham que sim. Elas se tornam inimigas daqueles que têm ideias diferentes das suas. Eu mesmo ganhei muitos inimigos… Isso acontece porque há aqueles que se julgam possuidores da verdade. Mas ninguém é dono da verdade. Por isso existe a democracia: porque ninguém tem a verdade. Só temos opiniões precárias. Quem se julga dono da verdade tem de ser intolerante.