Como montar uma Árvore Genealógica ( I )

Se você já é um pesquisador, quer seja profissional ou amador, sinto muito, mas este texto não é para você. Resolvi escrever uma série de posts com esclarecimentos e dicas para aqueles que pretendem montar sua própria árvore genealógica mas não têm nem ideia por onde começar. Sempre costumo dizer que é mais fácil aprender com os erros dos outros, pois não teremos tempo suficiente para cometê-los todos. Portanto, eu, que já errei – e bastante – desde os primeiros esboços de minha genealogia, apresento-lhes estas orientações para que possam dar seus primeiros passos de uma maneira correta e eficiente, evitando “armadilhas” e eventuais erros que possam vir a comprometer a fidelidade das informações de sua árvore genealógica – principalmente quanto ela estiver mais robusta.

Genealogia

Afinal de contas, o que é genealogia? Mais do que uma palavra que vive a dar lugar a trocadilhos infames, genealogia é, sobretudo, uma devoção… Ainda assim, é lógico que há que se ter uma definição formal – mas primeiramente vamos procurar entender um pouquinho a cabeça desses maravilhosos lunáticos que têm a genealogia tanto por hobbie quanto por missão.

O estudo genealógico, a meu ver, nasce como uma curiosidade, transforma-se em um hábito, vira uma mania, e transfigura-se numa verdadeira obsessão!

Muitos começam esse estudo para obtenção de outra cidadania, outros procuram vínculos com a nobreza, e existem mesmo aqueles que estão atrás de alguma herança pendente. Mas, a grande maioria, creio eu, o faz pelo simples prazer de pesquisar.

Não há como definir esse tipo de atitude. Como se explica a compulsão que leva os colecionadores a procurar e guardar os objetos mais extraordinários? Coleções e colecionadores de figurinhas, bonecas, discos, livros, revistas e tantas outras, são encontradas aos montes por aí. Isso sem falar no que eu chamo de “colecionadores disfarçados”, mas tão obstinados quanto aqueles que assumem formalmente o título. Nesse grupo temos pessoas que em seu íntimo são, sim, colecionadores, mas não admitem, pois o objeto de sua satisfação é outro, que consideram comum, tal como sapatos, gravatas, ferramentas, esmaltes, e sabe-se mais lá o quê…

O genealogista, nesse sentido, nada mais é que um “colecionador”.

Estamos falando de pessoas cuja “mania” é obter toda e qualquer informação acerca dos membros de uma mesma família, numa incansável busca de detalhes que, na maioria das vezes, não importa quase que a mais ninguém. Assim, traz brilho aos olhos a descoberta do nome de seu enésimo avô; fotografias antigas, amareladas, rasgadas e até mesmo apagadas, são descobertas que fazem valer todo o cansaço da busca; é de fazer ficar febril encontrar um documento escrito de próprio punho por seu antepassado de séculos atrás (ainda que mal lhe seja possível traduzir a caligrafia). É o resgate de uma história que, por vezes, diz respeito tão-somente ao autor, arduamente reconstruída, beirando o delicado limiar que separa um gênio de um louco…

É apaixonante.

É viciante.

É extraordinário.

É Genealogia.

Portanto, agora sim, com essa compreensão em mente, creio que já possamos verificar qual seria sua definição formal.

A palavra “genealogia” é composta pelas raízes gregas genea (origem, nascimento) e logos (estudo), sendo uma disciplina auxiliar da História que estuda a origem, evolução e dispersão das famílias, assim como seus respectivos nomes, sobrenomes ou apelidos e as suas estirpes (linhagens), de modo que, com base na própria construção da palavra, poderíamos afirmar que genealogia seria o “estudo das gerações”. Mas que gerações seriam essas? Nada mais óbvio: as diversas gerações existentes nas famílias observadas através da linha do tempo – o que, em última análise, pode nos levar à afirmação de que genealogia é o Estudo das Famílias.

Se observarmos com atenção veremos que uma das primeiras obras genealógicas existentes foi a própria Bíblia. Em diversos dos livros que a compõe, temos um verdadeiro estudo genealógico, começando no próprio Gênesis, e se estendendo por diversos outros.

Mas a preocupação da Igreja Católica com a genealogia não ficou adstrita apenas às suas antigas obras. O estudo das famílias, no decorrer dos séculos, passou a fazer parte até mesmo das exigências para que uma pessoa pudesse se ordenar padre.

Como exemplo temos que, antigamente, para que pudesse completar sua própria ordenação, o candidato deveria provar que seus ascendentes não tinham sido condenados a pena vil ou infame, que não haviam praticado crimes de lesa majestade divina ou humana, e que nunca tinham sido hereges ou apóstatas da fé católica. E qual a maneira de se provar isso? Através da elaboração da árvore genealógica, feita com base nas informações prestadas pelas paróquias onde residia o candidato, bem como sua família e ancestrais. Esses burocráticos processos que visavam obter essas informações eram denominados De Genere et De Moribus.

Graças a essa necessidade, e ante o fato de a genealogia ser uma matéria envolvente e apaixonante, muitos dos padres, mesmo após sua ordenação, continuaram esses estudos, imortalizando-os na forma de obras que chegaram até nossos dias. Como exemplo, segundo o estudo efetuado por Wilson Carrano Albuquerque, em seu texto Considerações sobre a Genealogia, temos, dentre outros: Cônego Raimundo Otávio da Trindade, Padre Pedro Maciel Vidigal, Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, Monsenhor José do Patrocínio Lefort, Padre Francisco Sadoc de Araújo, Cônego Roque Luís de Macedo Paes Leme da Câmara, Frei Adelar Primo Rigo, Padre Reynato Frazão de Sousa Breves Filho, Frei Gentil Costella, Padre José da Frota Gentil e Monsenhor Antônio Paes Cintra. Todos estes em algum momento de suas vidas deixaram escritos que vieram a até se tornar famosos no meio e que chegaram até nossos dias, facilitando sobremaneira as pesquisas daqueles que se decidem por tal empreitada.

Não podemos, também, nos esquecer dos mórmons, que possuem a mais organizada rede de pesquisa genealógica de todo o mundo. São os membros da religião fundada em 1830 por John Smith, em Salt Lake City, nos Estados Unidos, que ficou conhecida pelo nome de Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A justificativa para promover essa infindável pesquisa diz respeito aos próprios fundamentos dogmáticos dessa religião, pelo qual há necessidade de se levantar as árvores genealógicas visando a realização de ordenanças de salvação dos que morreram, com vistas à redenção de suas almas.

É importante ressaltar que a genealogia anda de braços dados com a história. São matérias afins e que se complementam. Os costumes de nossos antepassados, que muitas vezes chegaram até nós através de tradições familiares ou mesmo locais, bem como os lugares onde viveram, as migrações que efetuaram, as fortunas conquistadas e perdidas, tudo isso faz parte da própria história, refletindo a época em que viviam. É, sobretudo, uma maneira de manter viva em nossa memória uma nítida lembrança de nossos antepassados, não deixando que simplesmente desapareçam através do tempo, dando assim significado e propósito às suas vidas.

E, muitas vezes, é através dos documentos de época que se torna possível rastrear dados e informações sobre a família. Os livros, revistas, diários, testamentos, inventários, registros eclesiásticos, aliados ao próprio Registro Civil, são fontes primárias de busca genealógica.

Aliás, sobre o próprio Registro Civil, é importante esclarecer que seu alcance é limitado. Na prática a obrigatoriedade de se registrar os nascimentos, casamentos, óbitos e outras situações da vida civil dos cidadãos somente se deu após a Proclamação da República (olha a História aí novamente…). Assim, com relativa facilidade, é possível rastrear, através dos cartórios, os antepassados até o final do século XIX, sendo que, daí pra trás, a dificuldade se acentua.

Por vezes os próprios registros eclesiásticos são inacessíveis, seja pela sua simples inexistência (porque perderam-se no tempo), pela visão obtusa de alguns párocos que não permitem consultas a esses registros, ou por quaisquer outros motivos que dificultam ou impossibilitam o acesso de pesquisadores.

Assim, como já dito no início, a genealogia é uma devoção, muitas vezes inglória e com poucos resultados, mas que ainda assim persiste. Dentre o muito que já li, em diversos textos e obras, me identifiquei – e muito – com o posicionamento do Padre Reynato Breves, no artigo Novas Revelações da Genealogia, publicado no Jornal da Cidade, de Barra do Piraí, em sua edição de 12 de setembro de 1998. Dizia o seguinte:

“Há pessoas que não apreciam ‘Genealogia’, não se interessam por saber quem é seu avô, bisavô ou trisavô; não querem saber de onde vêm, quais são os seus ascendentes. Ora, a Genealogia é a Ciência da nossa racionalidade, da marca indelével das nossas origens; diz de onde viemos, diz quem somos, diz quais são as nossas raízes, mostra-nos a nossa importância. A Genealogia exige paciência, perseverança e intercâmbio, mostra a necessidade da comunicação com outros Genealogistas e causa grandes surpresas e grandes emoções. Enfrenta grandes obstáculos, terríveis barreiras, surpreendentes interrogações. A Genealogia é uma paixão e quem nela entra dela não sai mais. A Genealogia é amor; amor aos antepassados. A Genealogia é gratidão; gratidão aos que nos antecederam nesta vida. A Genealogia é memória imperecível. A Genealogia quase se confunde com a Heráldica. A Genealogia atesta a importância de uma Família. A Genealogia é como o Livro; conserva a memória das gerações passadas contra a tirania do tempo e contra o esquecimento dos homens, que ainda é a maior tirania, e enaltece as gerações hodiernas. A Genealogia move os ânimos e causa grandes efeitos.”

Fontes Genealógicas

Foram inúmeras as vezes que já me perguntaram: “mas como é que eu faço para começar a montar minha árvore genealógica?”… Ora, seguramente posso lhes afirmar que o segredo para montar uma árvore genealógica é simplesmente o fato de que não existe segredo! Mas há que se ter precisão.

Explico.

Eu mesmo já perdi as contas de quantas vezes reescrevi a árvore genealógica de minha própria família. Comecei, parei, reiniciei, comecei de novo, e outra vez e mais uma vez e assim por diante. Toda a questão se resume na confiabilidade das informações.

Quando do início, num primeiro afã, ficamos meio que embriagados e começamos a anotar tudo de qualquer jeito, de qualquer maneira, sem nos preocuparmos de onde veio determinada informação e quão confiável ela seria.

Mas na medida em que vamos ampliando nossos estudos e eventualmente temos que recorrer às anotações mais antigas, de quando em quando falta-nos a certeza acerca de determinada anotação pelo simples fato de não termos documentado corretamente a fonte genealógica de onde extraímos determinada informação.

E o que é uma fonte genealógica? Na prática é tudo aquilo que possa fornecer informações relevantes para construção de uma genealogia – quer seja documental ou não. Nessa seara incluem-se registros oficiais, documentos históricos, registros em órgãos públicos e particulares, livros, jornais, revistas, notícias de época, blogs, sites de genealogia, fotografias e até mesmo conversas ou entrevistas com membros da família. Vários outros exemplos de fontes podem ser encontrados neste blog, no artigo Genealogia: um guia para iniciantes.

relevância de uma fonte está  intimamente ligada ao grau de confiabilidade dessa fonte. Então é tão importante quanto necessário deixar registrado de onde foi extraída a informação que permitiu inserir determinado indivíduo na árvore genealógica. E mais: mesmo já tendo uma fonte para esse indivíduo, caso existam outras que confirmem a informação original, estas também devem fazer parte da ficha individual de cada integrante. Até porque muitas vezes existem fontes contraditórias, de modo que se faz necessário aprofundar as pesquisas até se obter a confirmação de qual delas corresponde à realidade.

Ou seja, é uma verdadeira investigação detetivesca, na qual é extremamente saudável abordar as fontes com uma certa dose de ceticismo, pois é melhor comparar duas ou mais fontes discrepantes do que aceitar a primeira que lhe vem à mão como efetivamente genuína.

Não existe uma regra específica acerca de “como citar uma fonte”, o que verdadeiramente importa é garantir que qualquer pessoa (inclusive você mesmo) saiba exatamente onde encontrar essa fonte. Basicamente existem dois tipos de fonte, qualquer que seja o suporte em que ela esteja contida:

Fonte Primária é aquela que você conseguiu pelos seus próprios esforços, que pode aferir com seus próprios olhos. Entrevistas com familiares, documentos oficiais, enfim, quaisquer tipos de registros a que você mesmo tenha conseguido acesso em primeira mão – ainda que já tenham sido consultados e utilizados por terceiros.

Fonte Secundária é resultante da pesquisa de terceiros e que você utilizou para incrementar suas  anotações. Livros, reportagens, genealogias publicadas na Internet, enfim, quaisquer tipos de registros resultante da pesquisa de terceiros (e daí a inserção desses registros em sua própria árvore genealógica vai depender do grau de confiabilidade que você tiver nas fontes pesquisadas por outrem).

Aliás o acesso a outras genealogias já construídas é extremamente enriquecedor, pois existe muita história por trás da história e quanto mais você retroagir no tempo em suas pesquisas, mais difíceis são as fontes de se consultar. Desse modo ligar  algum antepassado seu a um antepassado relacionado em outra árvore genealógica – desde que de maneira confiável – é essencial para reconstrução desse passado em comum.

O Registro Genealógico

Montar uma árvore genealógica requer paciência e disciplina. Ou melhor: MUITA PACIÊNCIA e RIGOROSA DISCIPLINA! Às vezes são necessários anos até que surja uma migalha de informação para que se consiga progredir em algum “beco sem saída” que sempre acaba surgindo quanto mais avançamos nas gerações de nossos antepassados. Então esqueça os fichários, as folhinhas de papel e mesmo planilhas no computador. O que você precisa é de um programa que lhe ajude a montar as árvores genealógicas, exportar arquivos e gerar relatórios.

Existem vários programas desse tipo no mercado – tanto pagos quanto gratuitos – e mesmo a possibilidade de montar sua árvore online. Não vou elencá-los aqui, basta fazer uma pesquisa básica na Internet que poderá encontrar diversos sites com programas para download ou para inserir as informações de sua família na nuvem.

Neste último caso alerto apenas para tomar cuidado com os sites que permitem a elaboração de uma árvore genealógica de forma “colaborativa”, pois muitas vezes as alterações propostas não são submetidas à sua concordância e daí todas aquelas informações que você tem como certas podem vir a ser substituídas por outras totalmente equivocadas, contaminando suas pesquisas e afetando até mesmo a confiabilidade de suas anotações perante terceiros.

Outra situação que também pode ser encontrada são sites que permitem a construção de forma “gratuita”, porém em determinado momento informam que você extrapolou a quantidade máxima de indivíduos permitida e para ampliar sua árvore precisaria assinar algum tipo de plano pago.

Particularmente já testei vários deles e prefiro os programas que ficam remotamente instalados em meu próprio computador a que somente eu tenho acesso (sim, sou egoísta e ciumento com minhas pesquisas, fazer o quê?). Daqueles a que tive acesso somente me apeguei mesmo a dois, ambos gratuitos: o GenoPro e o Personal Ancestral File (PAF).

Utilizo o GenoPro 1.60 – a mesma versão do programa desde a época do Windows 98. Ele te dá uma flexibilidade gigantesca para montar sua árvore e desenhar links impossíveis de conexão entre os parentes. Mas o que gosto mesmo é que ele permite visualizar a árvore como um todo, o que ajuda bastante para compreender os laços familiares. E os arquivos resultantes, mesmo com milhares de indivíduos, são ridiculamente pequenos. O único “senão” é que quando da instalação no meu sistema atual – Windows 10, de 64 bits – tive que ativar o modo de compatibilidade e sempre executá-lo como administrador. Roda normalmente.

E quando preciso de algum relatório – como o que fiz no meu livro aí do lado para gerar um texto com minha árvore de ascendentes (falaremos disso mais tarde) seguramente até a 20ª geração – basta utilizar o GenoPro para exportar o arquivo no formato .GED e depois importá-lo com o PAF 4.0 (em português), o qual permite gerar os mais diversos tipos de relatório. Esse programa era disponibilizado pela Igreja Mormon, mas foi descontinuado em sua versão 5.0 (em inglês) – que ainda pode ser encontrado aí pelos cantões da Internet. O único motivo de utilizar a versão 4.0 é porque possibilita a instalação em português. Não que eu tenha (muitos) problemas com a língua inglesa, mas simplesmente porque daí não preciso ficar editando e traduzindo os relatórios gerados.


Muito bem, agora você já está munido com as informações básicas para dar início às suas próprias pesquisas e anotações. No próximo post vamos começar, do zero, uma árvore genealógica.

(Início)                                                 (Parte II)

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