Como montar uma Árvore Genealógica ( II )

Muito bem. Os conceitos básicos acerca do que é a genealogia você já tem. A importância das fontes, também. E acredito que a esta altura do campeonato você já deva ter escolhido a melhor maneira de fazer seus registros, quer seja através de algum site na Internet, quer seja através de algum programa que tenha baixado em seu computador.

Ah, uma dica fora de hora acerca da documentação que vai fundamentar suas pesquisas: sempre tenha uma cópia da fonte utilizada. Sempre. Neste mundo digital em que vivemos é muito fácil, ainda que a partir de um simples celular, obter imagens de alta qualidade para arquivar. É lógico que um scanner seria muito melhor, mas devemos trabalhar com o que tivermos à mão. E não se iluda, uma boa resolução faz toda a diferença – principalmente para aqueles documentos manuscritos cuja letra, num primeiro momento, parece impossível de ser lida (nesses casos aplicamos técnicas específicas de leitura para a transcrição de caligrafia antiga – saiba um pouco mais neste artigo aqui no blog sobre Paleografia Portuguesa).

Então vamos começar nossa árvore genealógica da mesma maneira como qualquer outra pessoa começaria: consigo mesmo.

A Certidão de Nascimento

No Brasil a primeira e mais óbvia fonte documental a ser explorada são os documentos expedidos pelos cartórios de Registro Civil (dentre inúmeros outros, basicamente as certidões de nascimento, de casamento e de óbito). Porém tratam-se de documentos somente de 1888 em diante, quando esse tipo de registro passou a ser obrigatório – saiba mais aqui no blog, neste artigo sobre a Cronologia do Registro Civil no Brasil.

Os cartórios são responsáveis pelo registro do assento de nascimento de um indivíduo, lavrado em um livro próprio, de modo que uma Certidão de Nascimento nada mais é que a transcrição desse assento arquivado no cartório, usualmente contendo, além do nome do próprio indivíduo, os nomes dos pais e avós, local de nascimento, local de registro do nascimento, bem como eventuais averbações e anotações.

Para ficar mais fácil a construção desta nossa árvore vou utilizar a título de exemplo a Certidão de Nascimento de meu tio Geraldo de Andrade, que faleceu solteiro há cerca de alguns anos. Eu tenho certeza de que você já deve saber tudo sobre si mesmo, mas para garantir a fidelidade de seus registros tenha paciência, busque lá sua certidão de nascimento e vamos começar a montar essa bagaça.

Clique na imagem para ampliar!

Comecemos listando e identificando os nomes de cada um dos indivíduos constantes nesta certidão:

. Geraldo de Andrade – o indivíduo do registro;

. Antonio de Andrade – pai;

. Sebastiana dos Santos Andrade – mãe;

. João Aguinelo de Andrade – avô paterno (pai do pai);

. Iria Rita do Bem – avó paterna (mãe do pai);

. Alcindo de Paula Maia – avô materno (pai da mãe);

. Laura Casaes Santos – avó materna (mãe da mãe);

. Oriosle Orestes da Silva – testemunha;

. Sebastião Orestes da Silva – testemunha.

Os nomes que dizem respeito às relações familiares são obviamente relevantes, mas o porquê de anotar o nome das testemunhas? Porque muitas vezes tratam-se de parentes (que virão a integrar a árvore genealógica) ou de amigos próximos da família (que poderão servir como fonte de consulta auxiliar).

Quanto ao indivíduo em si, temos que é do sexo masculino, de cor branca, nascido aos 2 de fevereiro de 1956, às 14:00h.

Apesar da data de nascimento, o registro propriamente dito somente foi efetuado em 5 de março de 1956 (mais de um mês depois), tendo sido declarante o próprio pai. Neste caso específico, como era até mesmo comum à época, esse lapso temporal entre o nascimento e o registro diz respeito ao fato de que as crianças nasciam em casa, normalmente com o auxílio de parteiras. Essa afirmação pode ser comprovada pela própria certidão, onde consta que ele nasceu “neste município, bairro do Sobrado”. Ora, se tivesse nascido em algum hospital ou maternidade, isso faria parte do registro – porém ao simplesmente especificar que nasceu em determinado bairro, obviamente não o foi por intermédio do serviço de saúde local.

Cabe aqui um pequeno adendo: em genealogia muitas vezes é preciso analisar a fundo todas as informações contidas em um documento, pois muitas vezes é necessário fazer algum tipo de construção lógica para  poder deduzir o que deveria ser óbvio. Portanto em genealogia além de se basear em fontes documentadas é igualmente importante seguir sua própria intuição…

Voltando ao local de nascimento, neste caso temos uma curiosidade: ele nasceu no Estado de São Paulo, no Município de Igaratá, que faz parte da Comarca de Santa Isabel. Mas o que difere uma coisa da outra? Vejamos por partes (tendo por base este artigo publicado no canal de notícias Migalhas).

Cidade pode ser conceituada como uma aglomeração humana localizada em uma área geográfica circunscrita, com casas próximas entre si, destinadas à moradia e/ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras e a outras não relacionadas com a exploração direta do solo, de modo que refere-se à zona urbana e não à zona rural.

Município é um espaço territorial político dentro de um estado ou unidade federativa que detém personalidade jurídica própria e abrange tanto a zona urbana quanto a zona rural.

Comarca é a extensão territorial em que um juiz de direito de primeira instância exerce sua jurisdição.

Com base nessas premissas podemos afirmar que: a) cidade diz respeito à natureza urbanística, enquanto que no município a relevância está no aspecto político e administrativo e já na comarca reside o ponto de vista judiciário; b) a cidade tem zona urbana, o município apresenta zona urbana e zona rural e a comarca não se preocupa com esse critério de consideração; c) um município detém personalidade jurídica, mas não a cidade e nem a comarca; d) a cidade é a sede do município e pode ser a sede de uma comarca; e) uma comarca pode abranger mais de uma cidade e mais de um município; f) um município pode abranger mais de uma cidade, mas não mais de uma comarca; g) uma cidade não abrange mais de um município nem mais de uma comarca; h) uma cidade pode não ser limítrofe de outra, mas todos os municípios fazem fronteira uns com os outros; i) todas as comarcas fazem fronteira umas com as outras, muito embora seus limites não coincidam com os dos municípios.

Sei que num primeiro momento esses conceitos podem parecer meio confusos, mas ter noção dessas definições é importante para se determinar qual seria o local onde estão arquivados os registros de determinado indivíduo.

E neste nosso caso em particular temos que a genealogia se mistura com a geografia e até mesmo com um pouco da história. É certo que Geraldo nasceu no Bairro do Sobrado no ano de 1956. Esse “bairro” era uma extensão da zona rural que fazia parte tanto do município de São José dos Campos quanto de Igaratá (tanto é que até hoje ainda existe a chamada “Estrada do Sobrado”). Assim, quem nascia ali “na roça” tanto poderia ir para a cidade (Centro) de São José dos Campos ou para a cidade de Igaratá para registrar seu rebento, dependendo unicamente da distância e da facilidade do meio de transporte – lembre-se que estamos falando da década de cinquenta, lá no meiudumatu…

Então temos que Antonio, pai de Geraldo, optou por registrá-lo na cidade de Igaratá, eis que mais próxima da localidade onde morava, sendo que esse município fazia parte integrante da Comarca de Santa Isabel. Entretanto, e agora diretamente entrelaçando nossa pesquisa com a história,  o curioso é que essa cidade não existe mais!

Ao menos não a “original”

Conforme consta lá no site da Prefeitura de Igaratá,  no início dos anos sessenta surgiu o projeto de construção de uma represa no Rio Jaguari de modo que pudesse ser produzida energia para satisfazer as necessidades de desenvolvimento do Vale do Paraíba. Porém a construção dessa barragem teria como consequência que toda a cidade de Igaratá ficaria submersa, pelo que, por volta de 1969, teve início a construção de um novo núcleo urbano – que por um bom tempo seria chamada de “Nova Igaratá” – distante cerca de três quilômetros da “Igaratá Velha”.

Mas voltemos à análise de nossa certidão.

Aparentemente já extraímos todos os dados necessários dessa certidão, certo? Errado. Ainda faltou o principal: o registro propriamente dito.  Como já disse anteriormente, o assento de nascimento de um indivíduo é lavrado em livro próprio no Cartório de Registro Civil. Uma vez que a Certidão de Nascimento nada mais é que uma transcrição desse assento, então deve conter a informação necessária para facilmente localizar onde estaria arquivado esse registro, pelo que podemos obter as seguintes informações:

. Termo nº 5593;

. Folha 49-verso;

. Livro de Registro de Nascimentos nº 20;

. Cartório de Registro Civil de Igaratá, SP, Comarca de Santa Isabel, SP.

Um detalhe importante: a partir do ano de 2010, por força do Decreto nº 7.231, de 14 de julho de 2010, foi introduzido um novo e obrigatório modelo de certidão (para nascimento, casamento e óbito) com numeração única no formato “999999.99.99.9999.9.99999.999.9999999.99”, onde:

1. 999999: os 6 primeiros dígitos identificam o cartório de registro;
2. 99: composto por 2 dígitos, identifica o acervo;
3. 99: composto por mais 2 dígitos, identifica o número do serviço de registro civil;
4. 9999: com 4 dígitos, refere-se ao ano;
5. 9: traz apenas 1 dígito, indicando o tipo de certidão;
6. 99999: com 5 dígitos, refere-se ao número do livro;
7. 999: são 3 dígitos, refere-se ao número da folha;
8. 9999999: composto de 7 dígitos, este é o número do termo;
9. 99: por fim, com 2 números, este é o dígito verificador.

Mas, independentemente do modelo e da data de emissão da certidão, uma vez que você tenha alguma das informações acima, poderá facilmente solicitar uma segunda via dessa documento, sendo que, particularmente, costumo utilizar os serviços do Portal Oficial do Registro Civil, o qual propicia a emissão de certidões de qualquer lugar do país.

Agora que extraímos todas as informações possíveis dessa Certidão de Nascimento, vejamos como ficaria nosso registro genealógico:

Geraldo de Andrade. Nascido em 02/02/1956, às 14:00h, em casa, no Bairro do Sobrado, Igaratá, SP. Filho de Antonio de Andrade c.c. (casado com) Sebastiana dos Santos Andrade; n.p. (neto paterno) de João Aguinelo de Andrade c.c. Iria Rita do Bem; n.m. (neto materno) de Alcindo de Paula Maia c.c. Laura Casaes Santos. Testemunhas: Oriosle Orestes da Silva e Sebastião Orestes da Silva. Por ter nascido em casa, seu pai somente efetuou o registro  cerca de um mês depois, em 05/03/1956, junto ao Cartório de Registro Civil da chamada “Igaratá Velha”, Comarca de Santa Isabel, cidade hoje submersa nas águas da Represa do Jaguari.

Fonte 1: Certidão de Nascimento de Geraldo de Andrade, Termo nº 5593, fls. 49-V, Livro nº 20 de Registro de Nascimentos do Cartório de Registro Civil de Igaratá, SP, Comarca de Santa Isabel, SP.

Fonte 2: Site da Prefeitura Municipal de Igaratá. Disponível em: <http://igarata.sp.gov.br/pagina/historia-do-municipio>.

Agora vejamos esse mesmo registro lançado no programa GenoPro:

Já o genograma decorrente dessas informações ficaria assim:

Clique na imagem para ampliar!

Uma última curiosidade: caso você não tenha os dados acerca de uma certidão de nascimento mas tenha o RG do indivíduo, basta checar no verso, pois lá estarão lançados o termo, a folha e o livro – mas ainda assim você terá que dar um jeito de descobrir qual foi o cartório do registro


No próximo artigo teremos algumas dicas sobre como avançar nas pesquisas – e não só baseado em fontes documentais – bem como vamos incrementar um bocadinho mais nossa árvore com as informações que serão extraídas da Certidão de Óbito do pai de Geraldo.

(Parte I)                                           (Início)                                           (Parte III)

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