Internet e as eleições municipais

Ontem à noite acompanhei, pela TV Cultura, um debate (ao vivo) pra lá de acalorado no programa Opinião Nacional. O tema: “uso das ferramentas da Internet nas eleições municipais”. Tudo isso em função de um malfadado parecer da assessoria técnica do TSE – Tribunal Superior Eleitoral, mas já, já, voltaremos a falar sobre isso.

Eram seis os debatedores. Sérgio Amadeu e Marcelo Tas dispensam apresentações. Ana Flora França e Silva, Diretora Geral do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, José Américo, Vereador do PT em São Paulo, Julio Someghini, Deputado Federal do PSDB por São Paulo, e Manuela D’Ávila, Deputada Federal do PC do B pelo Rio Grande do Sul – simpaticíssima, 27 aninhos e uma gracinha (não necessariamente nessa ordem).

O grande perrengue da coisa toda é que recentemente a assessoria técnica do Tribunal Superior Eleitoral emitiu um parecer através do qual procuram regular e limitar o acesso e uso da Internet por parte dos candidatos a cargos políticos. Segundo informado pela Ana Flora – que também é doutora advogada de direito jurídico – esse parecer não estaria inovando em absolutamente nada, pois já existiria a Resolução nº 22.718 do TSE, que teria sido, inclusive, elaborada após consulta e apoio de representantes dos partidos políticos, bem como também há a própria legislação eleitoral, Lei nº 9.504/97, a qual sofreu importantes alterações através da Lei nº 11.300/06.

Nem preciso dizer que depois dessas afirmações, a casa caiu

Os políticos presentes, indignados, ressaltaram que o TSE não consulta os partidos coisíssima nenhuma. Simplesmente comunica o que pretende fazer e efetivamente faz o que lhe der na telha.

Aliás, falando nos políticos, aí vai uma sinopse (mais um feeling) de cada um deles. A Ana Flora (coitada) estava lá apenas marcando presença, pois limitou-se tão-somente a passar a posição oficial da Justiça Eleitoral. O tal do Julio Someghini (PSDB) estava, na verdade, usando o debate como um belo dum palanque para tentar apresentar as discussões que estão rolando na Câmara – em especial no que diz respeito à Internet. O José Américo (PT) fazia parte da turma do “deixa disso”, pois no decorrer do debate vivia tentando arregimentar simpatizantes para que houvesse uma reunião e discutir os mais variados temas. Já a Manuela D’Ávila (ah, Falbalá…) demonstrou uma lucidez ímpar, destacando que obteve quase 300 mil votos com uma campanha baseada mais em blogs, Orkut, Youtube, etc, que na propaganda tradicional propriamente dita.

O Sérgio Amadeu (caboclinho arretado!) foi bastante enfático em todas suas colocações. Seu maior temor é que ocorram os costumeiros exageros que usualmente impedem a democracia. Destacou que a Internet como um todo, os blogs de maneira especial, são visitados por quem quiser. Diferentemente das campanhas políticas tradicionais, os usuários não são massacrados com a propaganda eleitoral, uma vez que o computador nada faz sozinho. É preciso teclar, é preciso interagir – e isso é que faz toda a diferença. Ao contrário do que dizem a Internet não é a chamada Terra de Ninguém, na realidade é a Terra da Reputação. Quem tem reputação, quem tem competência, se estabelece. Simples assim. É uma ferramenta que permite aos eleitores uma verdadeira pesquisa a fundo acerca de seus candidatos, não tendo que se contentar com os “santinhos” distribuídos nas ruas.

Marcelo Tas, na mesma linha, literalmente bradou que tentar controlar a Internet é o maior dos absurdos, pois, por essência, a Internet é incontrolável. A Internet não é uma rede de computadores, é uma rede de gente. E quanto aos candidatos, ao contrário da máscara vestida nos programas de TV, o candidato que resolver se mostrar, que aguentar o tranco, que souber ouvir as críticas, que verdadeiramente debater com seus possíveis eleitores, pois bem, esse candidato só vai crescer. O político inteligente não vai tratar seu público como imbecil. A Internet é uma ferramenta extremamente benéfica nesse sentido.

Mas o mote principal do debate – e que foi bastante martelado pelos presentes – é que em toda eleição, sem exceção, a legislação muda. Ana Flora tentou uma saída pela direita, a la Leão da Montanha, dizendo que a legislação é a mesma, que não mudou. Ora, mera tecnicidade, pois ainda que a lei seja a mesma o TSE vem reiteradamente mudando suas resoluções, ou seja, está legislando através de resoluções. Que eu saiba esse papel seria do Legislativo, não do Judiciário. Acuada, Ana Flora limitou-se a explicar que os cartórios pelo Brasil inteiro estariam conectados via intranet, não necessariamente dispondo de Internet, de modo que o Tribunal simplesmente não tem capacidade para fiscalizar a obediência ou não de suas imposições. Esse papel acaba ficando relegado aos próprios partidos políticos…

Enfim, pela polêmica toda da coisa ainda há a possibilidade de o TSE rever seu posicionamento. Mas, particularmente, acho difícil. O grande problema é que, conforme foi dito no debate (acho que foi o Sérgio Amadeu, mas não tenho certeza), “mentes antigas acham que o melhor meio de tratar o novo é reprimir o novo”.

Que fique bem claro: na minha opinião resolução não é lei, parecer não é lei. Simples assim. Os candidatos ainda não fazem parte da máquina administrativa – são meros aspirantes a políticos. Não estão adstritos ao Princípio da Legalidade – “se a lei não prevê, é proibido”. Desse modo devem seguir a regra geral, ou seja, “se a lei não proíbe, é permitido”.

A atitude do TSE de tentar limitar o acesso dos candidatos às ferramentas da Internet, ainda mais com uma falta de tecnicidade ímpar, através de resoluções, é tentar matar uma mosca com uma pá. Está fadada ao fracasso. Como muito bem colocado no debate, a Internet é incontrolável. E é benéfica. Penso que é o melhor conceito de Anarquia jamais visto. Entenda-se: anarquia “enquanto ideal comum a todos aqueles que advogam a liberdade”. Pela Internet todo e qualquer candidato tem meios de chegar diretamente ao seu eleitorado. E vice-versa. Não dependem de campanhas milionárias (que, muitas vezes, só enchem o saco), nem tampouco estão limitados aos parcos recursos financeiros disponíveis – quando muito uns “santinhos” e olhe lá.

Pela Internet o eleitor pode buscar, segundo seu próprio livre arbítrio, o candidato que tem mais condições de atender seus anseios, suas expectativas. É como consultar um livro: a pessoa vai na página que quer. Não importa a quantidade de informações que vá ser disponibilizada. O eleitor é inteligente. Sabe diferenciar o joio do trigo. Velhas técnicas de difamação, calúnia ou injúria (sempre tive problemas em distinguir esses conceitos) simplesmente não funcionam na Internet, pois, como definido com primor, a reputação é que vale.

Enfim, há que se ter em mente que a Internet é uma terra de oportunidades digitalmente virtual mas constituída de gente de carne e osso. É um admirável mundo novo, com inúmeros recursos de utilização para o bem, mas que vem tentando ser tolhido e regulamentado por dinossauros fadados à extinção.

E que não se esqueçam: toda regra já nasce pronta para ser quebrada…

Até mesmo a regra acima.

Os hackers que o digam!

😀

5 thoughts on “Internet e as eleições municipais

  1. Relembrando: *a desobediência da lei muitas vezes é uma opção mais próxima da lei do que a própria lei* (Nilton Bonder, *A Alma Imoral*).
    Gratíssimo por compartilhar mais essa, copoanheiro. =^)

  2. Agradeça ao meu filhote mais velho, que me fez ficar acordado até mais tarde…

    Aliás, ainda vou querer esse livro emprestado, hein?

    Juro que dentro em breve devolverei os outros que estão comigo… :b

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