Ainda ontem – não sei mais o porquê – estava eu cá a me lembrar de antigos causos de família… Mas somente os recentes, dos quais se não participei eu mesmo, limitam-se a uma, quando muito duas gerações.
Mas existem os mais antigos. O dos antepassados, parentes ainda que longínquos. E nessa seara está esse causo que segue, contado e recontado pelas bandas do Sul de Minas em diversas versões…
Autor: Afonso Schmidt
Baseado em Cássio Costa: Achegas ao Folclore Mineiro.
“Jornal do Comércio”, 17-4-55 – Rio de Janeiro
Há anos íamos de automóvel com mais alguns companheiros, de Três Corações para Lavras, no Sul de Minas quando, próximo do lugarejo que se chamava São Bento, hoje Eremita, cortando belíssimo trecho à borda de uma pirambeira, ou desbarrancado, alguém apontou para modesta casa de fazenda que via a cerca de 400 metros de distância, ao lado de majestoso pau de óleo, vermelho, redondo como enorme guarda-chuva e falou:
– Lá está a casa da fazenda do “Tira-Couro”, de tenebrosa memória!
Vagamente já ouvíramos falar dessa propriedade e de um pavoroso crime ali cometido. então, o amigo, diante da nossa curiosidade, contou o que sabia:
– Isso faz muito tempo. Era dono destas terras de criação certo ricaço, pai de quatro filhos varões e uma filha. A menina, apesar do isolamento em que vivia, acabou gostando de um rapaz da sua condição, forte e trabalhador, filho de outro fazendeiro da vizinhança. Não se sabe por quê, o casamento deixou de ser do agrado da família da moça, que resolveu impedi-lo a todo custo. Isso porém, não foi obstáculo para que os dois namorados vivessem o seu romance simples e natural, cujos sinais apareceram com toda evidência pouco tempo depois.
Quando o fato chegou ao conhecimento do pai e dos irmãos da jovem, houve grande indignação, planos de exemplar vingança. Um dia, agarraram o rapaz e o amarraram pelos pés a um galho baixo daquele pau de óleo e, com afiadíssima faca, o castraram e começaram a esfolá-lo como se faz a um suíno. Quase no fim da bárbara tarefa, apareceu de repente um irmão da vítima, o qual pensavam estar longe dali, cabra valente e decidido, bom na pontaria, que apenas com sua aparição, fez todo mundo correr.
Chamava-se Januário Garcia. Cortou a corda em que estava pendurado o irmão e, vendo que este morria em seus braços, jurou matar um a um toda a família dos assassinos. E foi dando cumprimento à promessa. Cortava a orelha esquerda de cada cadáver, para com elas fazer um colar que trazia no pescoço. Por fim, já havia matado seis e andava à cata da sétima e derradeira orelha cujo dono, na época do crime, era um menino.
Certa tarde, extenuado de tanto caminhar, tinindo de fome, o matador topou com um rapazola que tratava de acender o fogo para aquecer a matula. Puseram-se a conversar. Palavra vai, palavra vem, acabou o meninote por dizer que andava escondido pelo mato porque tinha a vida jurada. Há anos fugia do homem que já havia matado seu pai, sua irmã e três irmãos.
– De onde és tu, menino? – perguntou Januário.
– De Três Corações, filho de…
– Pois sou eu o Januário Garcia, que matou tua gente e que te procura há muito tempo, para te matar também!
Diante da expressão de terror do rapaz e do fato de haver participado da sua parca comida, o bandido ficou em apuros com a própria consciência. Por outro lado, achava que não podia dar por perdidos os anos que passara à procura da última de suas vítimas, nem faltar ao solene juramento que fizera diante do cadáver ainda quente do irmão querido. Depois de hesitar um pouco, resolveu ser generoso, generoso a seu modo, oferecendo uma oportunidade ao espavorido mocinho, que tremia diante dele, esperando a sentença.
– Como você parece bonzinho e repartiu comigo a sua matula, vamos fazer uma coisa: você sai correndo, eu conto até dez e depois faço fogo. E só dou um tiro. Se não acertar, você continua correndo e vai-se embora.
Assim se fez. Mas aconteceu que Januário ainda não tinha esquecido a pontaria e a carga acertou mesmo na nuca do rapaz que afocinhou morto no chão, vindo logo a sua orelha a completar as contas do sinistro rosário e dar ao seu portador a famosa alcunha de “Sete Orelhas”.
Em Três Corações e cidades próximas, essa estória está na boca do povo, quase com as mesmas palavras. No entanto, há quem conte que Januário Garcia morreu num jogo de búzio onde, sem dinheiro, quis pagar a parada com o seu famoso colar de orelhas ressequidas. Teria havido grande tumulto, morrendo o herói, de uma facada. Outros afirmam que ele morreu de morte natural em idade avançada.
Conto publicado em:
Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro – Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro
Seleção de Mary Apocalyse / Supervisão Literária de Afonso Schmidt
Livraria Literart Editora – SP
1962
conheço uma historia parecida, o homem era parente do meu avô paterno (mineiro), a causa de sua vingança, foi a morte de um irmao seu que fora enterrado ate o pescoço e morreu, porem o ultimo desta familia jurada ( o menino), o matou. Dizia-se que ele falou para o menino, “eu matei tanta gente e fui morrer pela mao de um menino”.
Edna, como os “causos” se proliferam através dos tempos e, segundo o ditado, “quem conta um conto aumenta um ponto” (ou diminui, altera, muda, etc), pela similaridade pode até ser que estejamos falando da mesma história…
Sr. Adauto,
foi publicado em julho do corrente ano a obra O Sete Orelhas ou a História das Perseguições aos Descendentes dos Colonos de Origem Flamenga no Brasil.
Contando com 392 páginas, essa obra explica o fenômeno Sete Orelhas desde o seu surgimento.
Trata-se de uma oportunidade única de se conhecer melhor a história do Brasil.
Caso queira, o livro está sendo comercializado pela editora que o publicou, a Editora Mormannese Eireli. Para conversar com a editora envie e-mail para editora.mormannese@gmail.com
Você não vai se arrepender!
abs.,
Luciano
FALECIMENTO: Mensagem: 1
Data: Sun, 5 Mar 2006 14:07:40 -0300
De: “Tania Arruda Kotchergenko”
Assunto: Capitão Januário Garcia Leal. Inventário por morte e Lages, SC
FALECIMENTO: Comunico aos colegas a localização, no Museu Histórico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, do Inventário por morte do Capitão Januário Garcia Leal, que faleceu em 16/08/1808 no termo da Villa de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens, por acidente.
FALECIMENTO: O processo contém Auto de Corpo Delito que descreve o acidente, os pertences que o Capitão trazia consigo, relação dos negócios que realizava aqui no Sul, e diversos documentos que se encontravam de posse do capitão, dentre eles o documento original da Carta Patente de Capitão da “Companhia de Ordenança do Districto de São José de Nossa Senhora das Dores da Freguezia de Cabo Verde” atendendo a representação do capitão Mor (João Manoel Pinto Coelho Couto?) e officiais da “Villa da Campanha da Princeza da Comarca do Rio das Mortes”, expedida por Bernardo José de Lorena em 27/01/1802 em “Villa Rica de Nossa Senhora do Pillar de Ouro Preto” (este último documento está em bom estado de conservação, inclusive com assinatura e selo de armas em alto relevo de Bernardo José de Lorena).
Adauto,
Se me lembro bem, segundo o Auto do Corpo Delito do Capitão Januário, ele estava num curral, sobre um cavalo e apartando outros animais, com uma vara nas mãos e quando esta vara bateu na porteira dando uma espécie de coice atingindo-o justamente na altura da sua orelha, vindo a falecer em decorrência da pancada recebida.
Este incidente aconteceu na região de Lages, Santa Catarina.
Abração e parabéns pelo blog.