A difícil arte de ser pai

E eis que o filhote caçulinha, o Vermelho 3, estava com uma crise de tosse.

Coisa que, sei lá, ainda não identificamos muito bem. Normalmente com a virada brusca do tempo é que ocorre. Mais à noite, antes de dormir, e logo pela manhã. Nada (creio eu) muito sério – mas, ainda assim, preocupante.

Então, num arroubo vindo sabe-se lá de onde, fui ajudar a Dona Patroa a preparar uma inalação e dosar o remédio (na verdade mesmo… “manda quem pode, obedece quem tem juízo”!).

Ok. Então era questão de pegar o remédio x-y-z e preparar a dose.

– Não tá aqui, não.

– Como não? É o de uma caixinha rosa.

– TODOS parecem que têm caixinha rosa…

E lá vem ela, bufando, e mostra o bendito remédio bem na minha frente, como se ele sempre tivesse estado ali.

– Vocês, homens… Nunca acham nada mesmo! Agora dá uma olhada na bula e vê quanto que tem que dar.

Bem, nesse momento eu acabei ativando meu modo Simpson/Silvassauro de ser e já comecei a ficar resmungando pelos cantos…

– O quê?

– Nada, amor…

Tá. Vamos ver a porra do remédio. Não tinha nada a ver com o nome que ela falou. “É genérico”, tinha me explicado. É lógico! Era minha obrigação saber que o tal do medicamento x-y-z tinha o óbvio nome de “Fosfato Sódico de Prednisolona”? Quem não sabe disso, afinal de contas? Tinha que castigar esse caboclos que inventam esses nomes…

Mas tá bom. Vejamos. Uso adulto… Informações ao paciente… Farmacocinética? Que raios vem a ser isso? Ah, tá. É onde falam das indicações e contra-indicações. Hein? “Infecções fúngicas sistêmicas”? “Lesão dos nervos ópticos”? “Elevação da pressão arterial”? “Aumento da excreção de potássio”? “Ativação de focos primários de tuberculose”?

– Amor?…

– Quié?

– Você tem certeza que a gente tem que dar esse troço aqui pro filhote? Tô vendo aqui as contra-indicações e tá parecendo mais um misto de cicuta com diabo verde ligeiramente temperado com ácido sulfúrico…

– (Suspiro) Tenho, amor. Esquece isso, senão você nunca mais vai tomar remédio nenhum na vida. Prepara essa dose logo, vai.

– Tá bom. Mas, vendo aqui os casos mais graves, você tem certeza que o filhote não tá com “insuficiência adrenocortical”, gravidez ou mesmo lactação?…

– PREPARA. LOGO. ESSE. REMÉDIO!!!!

– Tá bom, tá bom! Deixa eu ver aqui…

Melhor eu acelerar essa leitura. Vamos lá. Reações adversas… Melhor eu pular essa parte. Uso pediátrico… Ah, é por aqui! Posologia! Agora fica fácil!

“A dosagem inicial pode variar de 5 a 60 mg por dia, dependendo da doença específica que está sendo tratada.”

Ah. Tá bom. “5 a 60”. Que raio de faixa de atuação é essa? E como assim “mg”? O troço é líquido! Mas vejamos….

“A dose pediátrica inicial pode variar de 0,14 a 2 mg/kg de peso por dia…”

Assifudê! “0,14 a 2”? Tá. Calma. Respira. Inspira. Expira. Ainda que tratemos do limite máximo, que é 2, bem, se o filhote tem 19 kg, ele vai precisar de 38 mg… Acho que é isso. Deixa eu continuar a leitura.

“…ou de 4 a 60 mg por metro quadrado de superfície corporal por dia, administrados de 3 a 4 vezes por dia.”

Fudeu.

“Metro quadrado de superfície corporal”? Tão achando que meu filhote é o que? Um tapete? Isso me torna um carpete? Talvez, quando muito, um capacho… Mas – catzo! – como eu transformo essa droga de “mg” em uma coisa administrável? Tem que ter algum outro lugar que fale sobre isso.

“1 ml de solução equivale a 3 mg, sendo que cada mg equivale a 1,34 mg de fosfato sódico de prednisolona.”

(Silêncio, triste, meio boquiaberto e com cara de interrogação).

– E aí, amor?

– Tá quase, paixão… Péra um pouquinho!

Taquiôspa! Será que não tem nada mais direto aqui? Pior que eu nem posso procurar nas letras miúdas, pois TUDO tá com letras miúdas!

“Na síndrome nefrótica utiliza-se 60 mg/m²/dia em 3 vezes ao dia por 4 semanas, seguidas de 40 mg/m² em dias alternados por 4 semanas.”

Ah, tá! Por que é que não disseram isso antes? Agora ficou claro. Calma. CALMA. Vamos raciocinar. Você consegue.

Vejamos a matemágica da coisa: o filhote tem 19 kg (confere); a base é de 2 mg por kg por dia (confere); então ele precisa de 38 mg por dia (confere); mas cada ml que está no frasco corresponde a 3 mg (confere); então tenho que dividir os 38 por 3 para saber quantos ml deve dar (acho que é isso). Merda. Deu dízima. Arredondo para 13, então. Mas, EPA! Os 38 mg originais que se converteram em 13 ml são POR DIA! E o medicamento tem que ser administrado de 3 a 4 vezes por dia – então vou de 4, que é pra não arriscar. Isso significa que cada dose deve ser de 3,25 ml – arredondando, 3 ml!!!

– AMOR! A inalação tá quase acabando! Esse remédio sai ou não sai?

Depois desse hercúleo esforço em traduzir o que deveria ser óbvio numa situação de emergência, ficou fácil de resolver a questão!

– Só mais um segundinho, amor…

Não tive dúvidas.

Peguei o remédio na mão esquerda e, com o telefone na mão direita, fiz o que qualquer pai ajuizado deve fazer numa situação como essa:

LIGAR PARA O PEDIATRA!

8 thoughts on “A difícil arte de ser pai

  1. Ora, o que eu já não sabia, você ainda acha que existe a mínima chance de lembrar?…

    ( Mas, em verdade em verdade vos digo: no final era isso mesmo – 3 ml… )

    😀

  2. Seu desesperoo ajudou no meu acabei dar o rémedioo e fiquei com medoo
    ainda bem que sem calcular eu dei a quantidade certa
    Obrigada

  3. Maravilhosa cabeça a sua, estava eu aqui em plena 3 da manha querendo saber como administrar esse remédio e vc me abriu a mente, eu sou mãe e mesmo assim tava dificil saber……. obrigada

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