Vocês sabiam que Graciliano Ramos – escritor conhecido por suas grandes obras, tais como Caetés, Vidas secas, Memórias do cárcere, dentre outras – também já foi prefeito?
Pois é!
Antes mesmo de lançar seu primeiro livro, em 1933, ele foi eleito prefeito da pequenina cidade de Palmeira dos Índios, no agreste alagoano, em 7 de outrubro de 1927, com portentosos 433 votos.
Como prefeito foi um sujeito que, literalmente, arregaçou as mangas e pôs-se a trabalhar, construiu escolas, cuidou da limpeza pública, instituiu um código de posturas, criou o primeiro serviço de higiene pública no interior de Alagoas, abriu estradas, enfim, trouxe modernidade, dinamismo, austeridade e honestidade a uma região geralmente assolada por coronéis e sua política feudal baseada em currais eleitorais.
Apesar de seu desejo sincero de melhorar as condições da cidade, bem como de sua extrema coragem para se contrapor aos grupos que, à época, se beneficiavam do desgoverno e carreavam para si os benefícios decorrentes dos pouquíssimos recursos destinados ao município, no curto período em que permaneceu no cargo Graciliano escreveu dois relatórios anuais (em 1929 e 1930) com balanços de sua gestão ao governo estadual, nos quais descrevia a situação econômica e social da população e a precária situação financeira da prefeitura.
E esses relatórios, longe de serem meros textos burocráticos, até hoje ainda podem ser considerados verdadeiras pérolas da literatura! Confiram:
“Havia em Palmeiras inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do município tinha a sua administração particular, com prefeitos coronéis e prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam”, registrou o prefeito, ao descrever ao governador de Alagoas a situação em que encontrou a administração municipal.
“Dos funcionários que encontrei no ano passado, restam poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contras. Devo muito a eles”, completa o zeloso chefe do Executivo.
A partir daí, ia prestando contas das mais diverssas partes da cidade, sempre de maneira magistral: “No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.”
O cemitério volta a ser alvo de um novo comentário, já no segundo relatório: “Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão por mais algum tempo. São os municípes que não reclamam.”
No parágrafo seguinte, o prefeito se queixa ao governador da despesa com iluminação pública e, sutilmente, coloca em dúvida a lisura de um contrato de fornecimento de energia elétrica. “A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apear de ser um negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá.
Esses relatórios abriram portas tanto ao profissional quanto ao escritor. Após seu período como Prefeito, assumiu, a convite do governador, a Imprensa Oficial do Estado. Em seguida, passou por vários outros cargos na administração, todos ligados à área da educação. E, apesar dessa carreira política na década que se seguiu, foram também esses mesmos relatórios que despertaram a curiosidade do editor Augusto Frederico Schmidt, no Rio de Janeiro, pois, ao ler aquelas pérolas de ironia e graça verbal em meio a despachos burocráticos o editor imaginou que o zeloso administrador público poderia ter algum livro que merecesse ser publicado. E, de fato, tinha: Caetés, o primeiro livro de Graciliano Ramos que foi publicado pelo próprio Schmidt em 1933.
( C&P de trechos do texto “O escritor gestor”, de Marcus Lopes. )