Alexandre Petillo
O homem perfeitamente infeliz acredita que a vida é um eterno recomeço e tem direito de desistir de tudo a qualquer tempo; coleciona despedidas como arquivos de mp3; só se alimenta de produtos orgânicos; leva uma garrafa de água por onde anda como se fosse o elixir da juventude; seus males físicos são apenas dois: dor de cabeça (mas não toma comprimidos para não alimentar a indústria farmacêutica) e indignação (dispensa ansiolíticos, mas desabafa no Facebook enquanto consome cerveja gourmet).
O pai e o avô do homem infeliz morreram quase aos noventa anos – e ele o diz frequentemente, sempre lembrando que nossa geração não vai chegar lá. Banho frio por princípio, mesmo no inverno – é um defensor ferrenho do meio-ambiente –, e uma hora e meia de ginástica diária, alterna entre caminhadas, “bike” e alguma ginástica moderna.
O homem perfeitamente infeliz julga-se ameaçado: ao norte, pela queda de cabelo; ao sul, pelo partidos de direita que espalham mentiras (ou pelos partidos de esquerda, que querem fazer daqui uma nova Venezuela, existem homens perfeitamente infelizes dos dois lados); a leste, pelo 3G que não funciona.
O homem perfeitamente infeliz é contra o casamento formal. Toma conhecimento de todas as revoluções artísticas e literárias modernas: gênio é o Marcelo Camelo; brasileiro é o Marcelo Camelo; saber português é o Marcelo Camelo.
Em sua sala, o puzzle de um desenho do Romero Britto emoldurado, que ele mesmo montou, quase 10 mil peças.
A força de vontade do homem perfeitamente infeliz é tremenda: ele parou de tomar refrigerante e ver TV há cinco anos, três meses, doze dias, dezoito horas. Se não parou, vai parar a qualquer momento.
Sua simpatia política é de esquerda, está sempre do lado das minorias e dos menos favorecidos, escreve textos gigantes em defesa dos excluídos direto do seu jardim de inverno. As redes sociais são o seu recreio mental mais importante; ver séries americanas de TV enriquece seus argumentos nas rodas de bares que vendem chope a 10 reais.
Sua psicologia: o mundo ainda vai descobrir minha genialidade. Sociologia: crack é uma doença, mas aqueles viciados me atrapalham quando quero estacionar no centro. Filosofia: sou sempre melhor do que o que me oferecem.
Considera-se dono de um excelente bom humor; cita ditos históricos e provérbios edificantes; sua glória é poder afirmar, diante de alguém em desgraça: “Bem que eu te avisei!”.
O mal profundo do homem perfeitamente infeliz é julgar-se um homem perfeitamente feliz.
( Crônica publicada no jornal O Vale, de 08/02/2015 )
Nota: Este texto é uma versão moderna do homem perfeitamente infeliz descrito por Paulo Mendes Campos em 1960.
Amigos perfeitamente infelizes… quem não tem vários?
Bom dia, Adauto! Saudades dos seus textos!
De fato faz tempo que não tenho escrito nada de “meu”… Fora o trabalho de sempre que me consome, andei concentrado em uma minuciosa revisão no meu livro! Mas me aguarde: as férias estão chegando e, logo, logo, teremos um ou dois textos pra compartilhar por aqui! Um bom dia procê! 🙂
Acompanho teus textos perfeitamente construídos por uma amizade comum: Edna Medici.
Quero te parabenizar por um lado e te criticar por outro.
Parabenizar pela visão de mundo expressa em textos como esse.
E te criticar por me ver retratado nesse homem perfeitamente infeliz. Mas, afinal, como diz Caetano: “Narciso acha feio o que não é espelho”
Grande abraço!!
João, agradeço pelos elogios, mas só pra constar: esse texto em particular não é meu, é do Alexandre Petillo… Se bem que essa brincadeira que ele fez, de “atualizar” um texto de outro escritor, volta e meia eu também costumo fazer!
O original no qual ele se baseou, do Paulo Mendes Campos, pode ser encontrado neste link:
http://www.vouchsafe.blogspot.com.br/2005/02/arte-de-ser-infeliz.html
No mais, nem adianta me criticar, pois também conheço MUITA gente assim… 🙂
Abração!