Como um tufão protegeu o Japão da invasão dos mongóis, no século XIII
Alexandre Nuernberg
Adaptado do livro “Japão Antigo”,
da Biblioteca de História Universal Life.
Durante grande parte do século XIII o Japão mostrou-se relativamente próspero e tranquilo sob o forte domínio dos regentes Hojo, o que foi extraordinariamente benéfico para aqueles tempos. A população aumentou; as pequenas cidades cresceram; o comércio com a China foi incrementado, trazendo para o Japão riquezas e novas idéias. Igualmente, em meados do século, o código de honra dos samurai começara a evoluir de um simples conjunto de lealdades feudais para tornar-se um poderoso código de ética, que ainda exerce influência no Japão. E ainda, a maior parte dos implementos de guerra que iriam identificar os samurai durante séculos haviam tomado forma.
Embora o governo militar tivesse imposto ordem no interior do Japão, estavam começando a surgir dificuldades no além-mar, que iriam finalmente colocar a casta dos samurai diante da mais severa das provas. No começo do século XIII, os ferozes a agressivos mongóis irromperam da ásia Central numa campanha de conquistas que aterrorizou a maior parte dos países asiáticos, e por fim também boa parte da Europa Oriental. Os japoneses observavam com crescente apreensão os exércitos mongóis dominarem a China, sob a chefia de Gengis Khan e seus descendentes. Quando viram que também a Coréia caíra sob o poder dos conquistadores compreenderam que um ataque contra o Japão não poderia estar muito distante.
Em 1268, o Grão Khan dos mongóis, Kublai, neto de Gengis Khan, enviou um embaixador ao “Rei do Japão”, a quem se dirigiu como “o governante de um pequeno país”, e sugeriu um amistoso intercâmbio com a China, o que seria desejável. E observou, diplomaticamente, que a falta de tais relações poderia conduzir à guerra. O governo Hojo, de Kamakura, compreendeu que se tratava de uma velada ameaça, mas não se mostrou disposto a se render. Despachou de volta o embaixador mongol para a China, sem lhe dar qualquer resposta, e tratou da mesma maneira silenciosa e desafiadora os embaixadores que o sucederam. Esse desafio não poderia deixar de ser aceito e o regente Hojo percebeu que o primeiro ataque seria provavelmente desferido contra a ilha de Kyushu, base adequada para um assalto contra a ilha principal, Honshu. Ordenou que as defesas costeiras fossem melhor fortificadas, e advertiu aos guerreiros de Kyushu que permanecessem em estado de alerta. Entrementes, seus espiões ficaram observando a Coréia de perto, da qual mais provavelmente deveria partir uma força invasora.
Os mongóis eram cavaleiros da ásia Central, nada entendiam de navegação, mas obrigaram os coreanos a construir e equipar uma grande esquadra de cerca de 450 navios. Em novembro de 1274, a armada, transportando 15.000 soldados mongóis, fez-se ao mar no tempestuoso estreito da Coréia, e tomou as pequenas ilhas de Tsushima e Iki, nas quais as guarnições japonesas morreram até o último homem. Em seguida a esquadra prosseguiu rumo a Kyushu e aportou na baía de Hakosaki, na costa setentrional.
Os samurai do lugar acorreram mais que depressa ao combate. Sabiam que grandes exércitos, despachados pelo Bakufu, estavam em marcha para lhes dar apoio, mas não esperaram qualquer ajuda, lançando-se arrojadamente contra os temíveis mongóis, descritos pelos artistas japoneses contemporâneos como hirsutas criaturas sub-humanas. Os samurai tinham a superioridade de lutar em seu próprio terreno, mas sob todos os outros aspectos estavam em posição consideravelmente desvantajosa. Nunca haviam se defrontado com um exército inimigo, e raramente tinham empregado, em suas guerras civis, qualquer formação militar. Os guerreiros de alta hierarquia geralmente lutavam com adversários de igual nível, em formais combates singulares. Os mongóis, por outro lado, eram táticos consumados, manobrando habilmente em formações cerradas. Suas poderosas bestas atiravam dardos de maior alcance do que as flechas japonesas, e eles haviam trazido uma espécie de artilharia: catapultas que arremessavam projéteis em chamas e projéteis explosivos. Contra essa formidável máquina militar os japoneses puderam reunir apenas o valor de suas mortíferas e queridas espadas.
A batalha terminou de maneira indecisa. Ao cair da noite, os japoneses retiraram-se para trás de suas fortificações, e os marujos coreanos, que não estavam gostando do aspecto do tempo, persuadiram os mongóis a voltarem para bordo dos navios. Naquela noite desabou uma tempestade que afundou muitos dos navios e impeliu os remanescentes da esquadra de volta à Coréia.
Pouco depois dessa invasão malograda, Kublai Khan enviou outra embaixada, dessa vez ordenando ao “Rei do Japão” que se dirigisse a Pequim, a capital mongol, para lhe render vassalagem. Era um ultimato. A Corte Imperial, de Kyoto, ficou aterrorizada, mas o resoluto Bakufu, de Kamakura, rejeitou qualquer idéia de rendição e marcou sua decisão da maneira mais vigorosa que pôde conceber: cortou as cabeças dos embaixadores mongóis. Isso constitui o maior dos insultos, atirado ao rosto de um povo inimigo cujas conquistas então se estendiam do mar da China, através do continente asiático, até a Arábia, e cujos cavaleiros haviam assolado o Ocidente, chegando até à Hungria.
Os japoneses sabiam muito bem que viria outro ataque mongol, mais violento. Começaram a se preparar para ele, demonstrando uma unidade que o país jamais tivera. Para sustar as acometidas dos grupos de mongóis que desembarcassem, os senhores de terras de Kyushu receberam ordens de erguer uma muralha em torno da baía de Hakosaki, em cujas praias abrigadas era de se esperar que o inimigo novamente acometesse. Pequenos barcos de guerra, fáceis de manobrar, foram construídos para atacar os desajeitados navios-transportes dos mongóis, e foram enviadas tripulações que os manobrassem. Fez-se o recenseamento de todos os homens de Kyushu capazes de pegar em armas, para que pudessem ser convocados imediatamente a fim de repelir os invasores. Os belicosos barões de todo o Japão foram advertidos para que mantivessem suas tropas prontas para a luta, a qualquer momento. Empilharam-se armas, e a Corte de Kyoto abandonou seu luxo para poupar recursos destinados à defesa. Até mesmo os piratas que espalhavam o terror pelo mar Interior – alguns deles eram samurai cujas terras chegavam até as praias desse mar – juntaram-se entusiasticamente às forças do governo nas manobras navais.
A trégua durou cinco anos, enquanto os conquistadores mongóis estiveram ocupados em eliminar os resíduos de resistência que persistiam na China Meridional. Ao cabo desse período os espiões japoneses trouxeram a informação de que estavam sendo ultimados preparativos em larga escala. Novamente os coreanos tinham sido ordenados a construir navios, dessa vez um milhar deles. E um exército mongol de 50.000 homens marchava em direção ao litoral do estreito da Coréia. Simultaneamente, segundo se informava, uma esquadra ainda maior estava sendo reunida no sul da China, para embarcar um exército de 100.000 homens. Embora os espiões pudessem ter exagerado nos números, parece haver poucas dúvidas que aquela força invasora marítima seria a maior da história, até os tempos modernos.
No começo do verão de 1281 a esquadra mongol partiu da Coréia, dirigindo-se para Kyushu, como o fizera antes. As primeiras tropas desembarcaram no dia 23 de junho, em muitos pontos da costa setentrional, incluindo as praias muradas da baía de Hakosaki. A esquadra proveniente da China chegou a Kyushu pouco depois, e desembarcou a maior parte de seus soldados mais a oeste. Com típico desprezo pela morte, os japoneses atacaram imediatamente. Seus pequenos barcos realizaram grandes estragos, e as tripulações armadas abordaram os transportes inimigos, incendiando-os. A mais poderosa arma dos mongóis, o terror paralisante que haviam inspirado em grande parte do mundo no século XIII, não produziu o menor efeito sobre os japoneses.
Grandes exércitos afluíam ao campo de batalha, e os chefes samurai corriam cada qual mais que o outro, para ser o primeiro a chegar. Sacerdotes e monges dos mosteiros de todo o Japão ergueram suas preces pela vitória. O imperador dirigiu os serviços religiosos, dia e noite, em todos os santuários e templos shintoístas e budistas. Ele e o imperador afastado escreveram cartas do próprio punho, enviando-as aos túmulos de seus ancestrais e suplicando a ajuda do mundo dos espíritos. O Japão inteiro, que não estivesse empenhado na luta ou se preparando para isso, entregava-se à oração ou entoava cânticos mágicos para assegurar a vitória.
A luta durou mais de cinquenta dias. As descrições da mesma, que chegaram até nós, são de tal modo confusas que não se poderá dizer que lado levou a melhor. Depois de os japoneses terem resistido ao choque inicial, provavelmente obtiveram uma vantagem a longo prazo. Seus exércitos recebiam constantes reforços, e os invasores mongóis jamais penetraram em território distante da costa de Kyushu.
O fato de os mongóis terem ou não sido capazes de um triunfo definitivo constitui debate que jamais poderá ser resolvido, porque a natureza, ou os deuses, desempenharam decisivo papel na batalha. Em fins de agosto, como frequentemente acontece no Japão nessa época do ano, negras nuvens se acumularam bem alto no céu, ao sul, e um grande tufão rugiu sobre Kyushu. Durante dois dias o vento soprou com a violência de um furacão. Quando, finalmente, o céu clareou, as duas esquadras inimigas estavam destroçadas ou dispersadas, havendo se afogado a maior parte de seus tripulantes. Os invasores, desmoralizados, que erravam pelas praias, abandonados, foram rapidamente massacrados pelos japoneses.
O tufão foi o Kamikaze, o “vento divino”, cuja oportuna intervenção convenceu os japoneses, por muitos séculos, que sua terra era especialmente protegida pelos deuses. Quando outra invasão ameaçou o país, no século XX, os pilotos japoneses, que conduziam aviões carregados de explosivos e se lançaram sobre os canhões dos vasos de guerra norte-americanos, numa tentativa para salvar sua pátria, foram apropriadamente denominados Kamikaze, por causa do vento de longa fama.
excelente!!!