Habeas Carrum

Tenho que dar a mão à palmatória: alguns juízes de Florianópolis, em suas sentenças, têm bom humor até quando estão de mau humor…

O pior de tudo é que a peça foi protocolada por um “Estudante de Direito”! É por essas e outras que me dá até uma certa tranquilidade a quantidade de advogados que são despejados por ano no mercado. Se mantiverem em sua vida profissional uma “qualidade” como essa da vida acadêmica, jamais vou ter que me preocupar com a concorrência!  😀

Confesso que eu quase fiquei com dó do caboclo…

Quase.

Confiram a peça, ipsis litteris, e a decisão nesse processo que mal chegou a tramitar em uma das Varas do Juizado Especial Criminal da Comarca de Florianópolis, SC:

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ___ DA COMARCA DA CAPITAL/SC.

“FULANO”, brasileiro, solteiro, Estudante de direito, RG sob N° ***, CPF sob o N° ***, residente nesta Capital, na rua ***, N° ***, bairro centro, vem, respeitosamente, requerer

HABEAS-CARRUM

a favor de seu veículo Marca FIAT, modelo PALIO, ano modelo 1997, placas *** RENAVAM *** pelo que a seguir expõe:

Em 14/05/06 o veículo em questão foi apreendido pela autoridade policial nesta capital, na rodovia sc- 406 Km 14, bairro Rio Vermelho, pelo seguinte motivo:

“Art. 230 inciso V- CTB Conduzir o veículo sem que não esteja registrado e devidamente licenciado”.

Venho humildemente requerer a liberação do veículo, pois este estava sendo utilizado para ajudar um amigo meu de infância que teve seu veículo MARCA FIAT, MODELO UNO, ANO 96, cor bordo, 4 portas, PLACAS ***, furtado na avenida das rendeiras em frente ao chico´s bar, na Lagoa da Conceição, não teria sido utilizado se não fosse extremamente necessário, é sabido que as forças policiais não tem condições de fazer diligências, e nem procuram o paradeiro do veículo com o afinco que todos os amigos tem para com os seus, o veículo apreendido estava sendo usado para o bem, não continha drogas, armas ou qualquer outro objeto que causasse dano a sociedade ou a outro veículo, mas ironicamente foi apreendido por agentes que em sua viatura ouviam rádio, e ao invés de usarem o rádio para reduzirem os custos a máquina pública, o agente utilizou um telefone (…)

[ A peça tem ao todo 6 laudas, mas só consegui “descobrir” a primeira, acima, e a última, abaixo. ]

Paciente (veículo) foi preso no dia 14/05/06, e se acha recolhido no pátio da polícia rodoviária estadual norte da ilha rodovia sc-401 (próximo a praça de pedágio inativa).

Estando o paciente sofrendo coação ilegal em sua liberdade de ir e vir, requer o impetrante a V. Exa. Se digne de mandar que o mesmo lhe seja imediatamente apresentado, e de conceder a ordem de HABEAS-CARRUM, ou qualquer outro que possibilite a liberação do veículo para que seu dono tenha a oportunidade de efetuar a regularização e manter-se dignamente nesta capital, como de Direito e de Justiça.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Florianópolis, 19 de maio de 2006.

“Fulano”

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Processo nº 023.06.032015-2

Ação: Outros

Vistos para decisão.

Trata-se de requerimento elaborado por “Fulano” quanto à possibilidade da liberação de veículo automotor junto DETRAN desta Capital.

Muito embora o remédio constitucional de habeas corpus não necessite de capacidade postulatória, nota-se totalmente descabido o requerimento ante a finalidade a que se presta o instituto.

O art. 647, do CPP, é claro quando menciona que “alguém” deve sofrer, ou estar na iminência de sofrer, o constrangimento da liberdade e não algo. Ainda, o art. 648, também do CPP, não prevê, dentre as suas, a situação descrita pelo requerente (sequer uso a palavra impetrante).

Não fosse pelo já argumentado, o objeto do presente requerimento não é passível de ser analisado por este Juízo e, como dito, menos ainda pela via escolhida pelo requerente.

A mais, quero crer que pelo relato feito na presente e pela falta de conhecimento jurídico demonstrado, que tal situação não se trata de deboche, já que num primeiro olhar soa como gozação e menosprezo ao trabalho do Poder Judiciário que só nesta seção possui cerca de cinco mil processos para serem tutelados. Nessa esteira, vê-se que o requerente pode ter sua situação bem resolvida se contar com a assessoria de profissional habilitado.

Sem dispender mais tempo com o presente requerimento, deixando de lado a análise quanto ao demais absurdos jurídicos suscitados, determino que sequer seja autuada a presente peça, providenciando-se sua devolução ao autor do pedido, o intimando do presente despacho e dando ciência ao mesmo que qualquer outro requerimento desta natureza será visto como acinte a este Juizado Criminal e provocará instauração de termo circunstanciado para apuração de responsabilidade quanto ao exercício ilegal de profissão.

Assim, via Distribuição, cancelem-se os registros.

Intime-se.

DEVOLVA-SE.

Florianópolis, 24 de maio de 2006.

Newton Varella Júnior
Juiz de Direito

Lagartixadas jurídicas

Antes de mais nada, vamos deixar bem claro uma coisa: com todo o respeito ao nível cultural de cada um que por aqui passa – e que pode até achar que este meu aviso seria alguma espécie de “exagero etimológico” -, o correto é LAGARTIXA, um carinhoso diminutivo da palavra LAGARTO, portanto não me venham largar nos meus ouvidos nenhuma LARGATIXA, ok?

Dito isto, numa das eternas faxinas que costumo fazer lá nas catacumbas de meu computador, encontrei uma sentença, que, com certeza, devo ter deixado de lado para oportunamente publicar aqui no blog, mas nem me lembro mais quando ou onde consegui cópia dessa pérola jurídica.

Sem mais delongas, ei-la:

Processo nº 082.11.000694-3

Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível/Juizado Especial Cível

Vistos, etc.

Trata-se de ação que dispensa a produção de outras provas, razão pela qual conheço diretamente do pedido.

A preliminar de complexidade da causa pela necessidade de perícia deve ser afastada, porquanto a matéria é singela e dispensa qualquer outra providência instrutória, como dito.

Gira a lide em torno de um acidente que vitimou uma lagartixa, que inadvertidamente entrou no compartimento do motor de um aparelho de ar condicionado tipo split e que causou a sua morte, infelizmente irrelevante neste mundo de homens, e a queima do motor do equipamento, que foi reparado pelo autor ao custo de R$ 664,00 (fl. 21), depois que a ré recusou-se a dar a cobertura de garantia.

É, portanto, indiscutido nos autos que a culpa foi da lagartixa, afinal, sempre se há de encontrar um culpado e no caso destes autos, até fotografado foi o cadáver mutilado do réptil que enfiou-se onde não devia (fl. 62), mas afinal, como ia ele saber se não havia barreira ou proteção que o fizesse refletir com seu pequeno cérebro se não seria melhor procurar refúgio em outra toca – eis aqui o cerne da questão, pois afinal uma lagartixa tem todo o direito de circular pelas paredes externas das casas à cata de mosquitos e outros pequenos insetos que constituem sua dieta alimentar. Todo mundo sabe disso e certamente também os engenheiros que projetam esses motores, que sabidamente se instalam do lado de fora da residência, área que legitimamente pertence às lagartixas. Neste particular, tem toda a razão o autor, se a ré não se preocupou em lacrar o motor externo do split, agiu com evidente culpa, pois era só o que faltava exigir que o autor ficasse caçando lagartixas pelas paredes de fora ao invés de se refrescar no interior de sua casa.

Por outro lado, falar o autor em dano moral é um exagero, somente se foi pela morte da lagartixa, do que certamente não se trata. Houve um debate acerca da questão e das condições da garantia, que não previam os danos causados por esses matadores de mosquitos. Além disso, o autor reparou o equipamento, tanto que pretende o ressarcimento do valor pago, no que tem razão. E é só. Além disso, é terreno de locupletamento ilícito à custa de outrem.

Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a ação, para condenar a ré a ressarcir o autor da quantia de R$ 664,00 (seiscentos e sessenta e quatro reais), a ser acrescida de juros de mora de 1% desde a citação e correção monetária pelo INPC, desde o desembolso (fl. 62).

Sem custas e sem honorários.

P. R. I.

Florianópolis (SC), 22 de fevereiro de 2012.

Hélio David Vieira Figueira dos Santos
Juiz de Direito

A escrita de petições: entre o carbono e o clique

Egon Bockmann Moreira
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPR.
Advogado.

Escrever bem, com sobriedade e poder de convencimento,
talvez seja um dos maiores desafios da advocacia contemporânea

Quando comecei a advogar, a escrita de petições era quase um ato artesanal. Não por acaso, as escolas de datilografia eram povoadas por estudantes de direito e advogados: usávamos máquina de escrever, papel carbono e um rigor que hoje pode parecer romântico, mas era fruto da pura necessidade.

Primeiro, fazia-se a versão manuscrita a ser passada a limpo com atenção: um só erro significava começar tudo de novo. Não havia o recurso de “copiar e colar”, tampouco a possibilidade de apagar ou reformatar. Cada página era um pequeno projeto concluído com alívio.

Passamos depois pelos computadores contrabandeados, processadores de texto no ambiente DOS e impressoras matriciais. A novidade técnica trouxe liberdade, mas também dois perigos invisíveis: o excesso de palavras e a inibição da criatividade. O fato de poder escrever mais, revisar infinitamente e acrescentar parágrafos com um clique deu a muitos advogados a falsa impressão de que quantidade e qualidade caminhariam juntas. Todavia, o que se dá é justo ao contrário: quem escreve demais não cumpre o ofício de escrever bem.

Hoje, a transição ao processo digital nos trouxe um novo desafio. Não há mais protocolo físico, carimbo ou capa dura de autos. Tudo é eletrônico, fluído, intangível: a existência virtual apaga a experiência real do ler e escrever. As petições são vistas em telas pequenas, muitas vezes em celulares.

Juízes, advogados, procuradores e administradores públicos, todos nós, vivemos com pressa e cercados por um volume crescente de documentos e fontes jurisprudenciais e doutrinárias. Dispomos de mais informações num só dia do que nossos antepassados tinham a vida inteira (mas com a mesma capacidade cognitiva). Na medida em que as horas do dia são escassas, a atenção de quem decide é um bem cada vez mais raro.

Por isso, escrever petições longas e prolixas não é apenas um erro técnico: é falta de empatia com o leitor. Toda vez que entregamos um texto que excede o razoável, projetamos ao destinatário uma mensagem indesejada: “Você que lute para encontrar o que importa, o problema é seu”. Mas a advocacia não é isso. O nosso trabalho é exatamente o de tornar compreensíveis os nossos argumentos, a fim de dar ao julgador os elementos necessários de forma ordenada, elegante e discreta.

Elegância, aqui, não significa enfeitar o texto com adjetivos de ocasião, clichês ou frases de efeito – transformando-o numa árvore de natal cafona. Justo ao contrário: significa saber dizer o essencial com leveza e precisão, sem ser frio ou mecânico. Trata-se de argumentar com consistência, demonstrar domínio técnico e, ao mesmo tempo, respeitar o tempo e a inteligência do leitor. Um bom texto é aquele que conquista, que desperta interesse, não o que cansa.

Discrição também é uma virtude esquecida por muitos. Há quem acredite que a ênfase retórica, os ataques ad hominem ou os adjetivos contundentes produzem mais efeito. Produzem, de fato, mas ele costuma ser negativo: o de irritar quem lê e comprometer a credibilidade do autor. Ou fazer com que os advogados da parte ex adversa vejam com maus olhos o colega. Uma petição bem escrita seduz pela lógica, pela articulação das ideias e pelo domínio das normas jurídicas aplicáveis – e não por agressividade ou dramatização.

A minha maior referência na escrita está na The Economist. Essa revista secular mantém-se estável devido ao seu modelo de escrita que combina precisão, concisão e leve ironia inteligente. Os arquivos fluem como se houvessem sido escritos por uma só pessoa, que respeita imensamente o leitor. Os parágrafos surgem no tamanho exato, encaixados entre si como trilhos de um trem que traz ao leitor informações com credibilidade.

Uma lição de como ser firme sem ser ríspido, incisivo sem ser insolente. Afinal de contas, em tempos de excesso de informações, o texto claro e direto é, mais do que nunca, uma demonstração de respeito.

Também é preciso reconhecer que a extensão de uma petição pode aparentar, muitas vezes, um sintoma de insegurança. Quem não tem certeza sobre o argumento principal costuma compensar com volume. Multiplicam-se os tópicos, repetições e citações desnecessárias. O resultado é um labirinto retórico, enfadonho, que prejudica o pedido e dificulta a decisão. Um processo que deveria caminhar com objetividade acaba se tornando um emaranhado de informações inúteis.

Por outro lado, ser conciso não é ser superficial. Há que se expor os fatos com exatidão, qualificar os argumentos com boa doutrina e jurisprudência, e estruturar a narrativa com começo, meio e fim. E talvez as partes mais importantes da petição sejam exatamente a descrição precisa dos fatos e a formulação exata do pedido. O que está entre os fatos e o pedido – a fundamentação jurídica – não é novidade alguma para a maioria dos leitores. Daí a necessidade de revelarmos só o que de importante existe naquele pedido e como ele é prestigiado pela doutrina e jurisprudência.

Outro aspecto fundamental é saber quem é o leitor e do que ele precisa. O juiz ou administrador público que lê a petição não é um neófito em direito. Um árbitro muitas vezes é o maior especialista naquela matéria. Nenhum deles precisa de lições genéricas ou de longas transcrições doutrinárias que apenas repetem o óbvio. Também não precisam de tabelas imensas ou anexos com volume desproporcional ao caso. Como todos nós, o leitor precisa é de um texto compreensível já numa primeira visão: o que se pede, com base em quais fatos e por quais fundamentos jurídicos.

Por isso que o bom advogado é aquele que estudou o caso, domina o conteúdo, organiza o pensamento e traduz isso em texto com elegância. Não se trata de arte literária, mas de técnica forense. Saber escrever bem não é um luxo; é um instrumento de trabalho tão essencial quanto conhecer a lei.

Ao longo dessas décadas, aprendi que a boa petição é aquela que respeita o tempo e a paciência de quem a lê. Que oferece soluções, não problemas. Afinal, petições com dezenas de páginas, quando não justificadas por uma causa de altíssima complexidade, correm o risco de transmitir a pior das impressões: a de que o advogado não tinha, de fato, nada a dizer.

Escrever bem, com sobriedade e poder de convencimento, talvez seja um dos maiores desafios da advocacia contemporânea. Mas também é, sem dúvida, um dos seus maiores encantos.

Sentença em verso e prosa

PODER JUDICIÁRIO

Comarca de Varginha – Minas Gerais

Autos nº 3.069/87 – Criminal

Autora: Justiça Pública
Indiciado: Abreu da Costa – vulgo “Rolinha”

VISTOS, ETC.

No dia 5 de outubro
do ano ainda fluente
em Carmo da Cachoeira
terra de boa gente
ocorreu um fato inédito
que me deixou descontente.

O jovem Alceu da Costa
conhecido por “Rolinha”
aproveitando a madrugada
resolveu sair da linha
subtraindo de outrem
duas saborosas galinhas.

Apanhando um saco plástico
que ali mesmo encontrou
o agente, muito esperto
escondeu o que furtou
deixando o lugar do crime
da maneira como entrou.

O Sr. Gabriel Osório
homem de muito tato
notando que havia sido
vítima do grave ato
procurou a autoridade
para relatar-lhe o fato.

Ante a notícia do crime
a polícia diligente
tomou as dores do Osório
e formou seu contingente:
um cabo e dois soldados
e quem sabe até um tenente.

Assim é que o aparato
da Polícia Militar
atendendo a ordem expressa
do Delegado titular
não pensou em outra coisa
senão em capturar.

E depois de algum trabalho
o larápio foi encontrado
estava no “Bar do Pedrinho”
quando foi capturado
não esboçou reação
sendo conduzido então
à frente do Delegado.

Perguntado sobre o furto
que havia cometido
respondeu Abreu da Costa
bastante extrovertido:
“desde quando furto é crime
neste Brasil de bandido?”.

Ante tão forte argumento
calou-se o Delegado
mas por dever do seu cargo
o flagrante foi lavrado
recolhendo à cadeia
aquele pobre coitado.

E hoje passado um mês
de ocorrida a prisão
chega-me às mãos o inquérito
que me parte o coração:
soltou ou deixo preso
esse miserável ladrão?

Soltá-lo – decisão
que a nossa Lei refuta
pois todos sabem que a Lei
é pra pobre, preto e p…
por isso peço a Deus
que norteie minha conduta.

E é muito justa a lição
do pai destas alterosas:
não deve ficar na prisão
quem furtou duas penosas
se lá também não estão presas
pessoas bem mais charmosas
como das fraudes do INAMPS
e das ferrovias engenhosas.

Afinal, não é tão grave
aquilo que Alceu fez
pois nunca foi do governo
nem sequestrou Martinez
e muito menos do GAS
participou alguma vez.

Desta forma é que concedo
a esse homem de simplória
com base no CPP
liberdade provisória
para que volte para casa
e passe a viver na glória.

Se virar homem honesto
e sair dessa sua trilha
permaneça em Cachoeira
ao lado de sua família
devendo-se ao contrário
mudar-se para Brasília.

P.R.I. e expeça-se o respectivo alvará de soltura.

Varginha/MG, 16 de novembro de 1987.

RONALDO TOVANI
1º Juiz de Direito Auxiliar, em substituição na 2º Vara de Varginha

Uma questão de ética

É rir para não chorar…

Se bem que Stanislaw Ponte Preta estaria se divertindo – e muito – com essas notícias do dia a dia para seu FEBEAPÁ!

A notícia completa foi publicada no Globo, mas essa notinha veio lá do Canal Meio.

Durou pouco a trégua entre as duas maiores facções do Brasil – o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) –, selada em fevereiro após nove anos de conflito. A aliança tinha como objetivo cessar as mortes entre os grupos na fronteira com o Paraguai e também em presídios brasileiros, reduzir os custos com a guerra e garantir a continuidade dos negócios ilegais. A informação foi confirmada pelo Ministério Público de São Paulo, que teve acesso a comunicados dos dois grupos. Ao contrário de quando anunciaram a trégua – com um texto assinado de forma conjunta –, os novos informes foram individuais. Os criminosos disseram que a aliança chegou ao fim por “questões que ferem a ética do crime”.

Afinal: qual é a diferença entre Legal Design e Visual Law?

Tem muita gente bem mais capacitada do que eu para lhes explicar essa diferença. Basta uma busca rápida na rede e você vai achar inúmeros tutoriais, vídeos, cartilhas, o escambau! Mas, particularmente, achei bem simpático e objetivo este aqui: Visual Law – O design em prol do aprimoramento da advocacia.

Não vou entrar nos detalhes da coisa, mas eis um resumo, bem resumido, só para vocês começarem a compreender do que estamos falando.

Design não está voltado à estética, mas sim à funcionalidade. O design é sobre idear novos produtos que funcionam considerando seus usuários, não reproduzir seus gostos, preferências ou vontades pessoais. “Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas queriam, elas teriam dito cavalos mais rápidos”, é o que já dizia Henry Ford... O Legal Design visa tornar o sistema jurídico e os seus serviços mais centrados nos seres humanos, mais acessíveis, satisfatórios e empáticos. No direito o design não se orienta pelo lucro ou pelo consumo, mas por uma melhoria na compreensão e na vivência do direito. A abordagem do Legal Design não pode se pautar apenas por critérios quantitativos – como o passivo de processos do Judiciário ou a demora na tramitação dos feitos -, mas deve considerar também critérios qualitativos, como o acesso à justiça, o devido processo legal e o contraditório. O estudo do Legal Design não representa apenas uma modificação estética ou formal no exercício da advocacia, mas do próprio pensamento do profissional, a partir da incorporação do modo de pensar do design, por meio de uma abordagem inovadora e criativa, aberta à exploração e experimentação, e que seja capaz de situar o ser humano e suas necessidades no centro da atuação dos profissionais do Direito. Para além da estética, importa a efetividade da solução proposta para melhorar a experiência do usuário/destinatário.

Visual Law é uma das técnicas contidas no Legal Design. É a utilização de técnicas que conectam a linguagem escrita com a visual ou audiovisual. É recomendável a utilização de modelos de peças familiares ao usuário, com aspectos gráficos de inovação pensados com o intuito direcionado de potencializar informações prioritárias ou viabilizar sínteses que permitam uma compreensão mais dreta de narrativas mais longas. O desafio, no âmbito do direito, é a utilização dessas ferramentas para melhorar a comunicação jurídica, auxiliando na compreensão do conteúdo pretendido, sem que este perca sua complexidade e profundidade; é aprender a emoldurar novas ideias como se fossem ajustes a ideias antigas, mesclando um pouco de fluência com um pouco de disfluência, para fazer com que o destinatário veja a familiaridade através da surpresa.

Exemplos de ferramentas que podem ser utilizadas para a transmissão da mensagem:

01. fonte, espaçamento, numerações, cores e títulos;
02. destaque nos trechos de maior importância;
03. inclusão de imagens e trechos nos autos;
04. quadros comparativos;
05. links e hiperlinks;
06. ícones;
07. linhas do tempo;
08. fluxogramas;
09. gráficos e infográficos;
10. mapas;
11. QR Codes;
12. vídeos e animações;
13. storyboards;
14. síntese dos argumentos.

Ou seja, o Design está conectado com funcionalidade, enquanto que a Estética é consequência e ditada pelo interesse do destinatário.

Afinal, quem é louco?

Mário Prata

Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou oito outros loucos todos os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou.

Durante mais de 40 anos passei longe deles. Mas o mundo gira, a lusitana roda e Portugal me entortou um bocado a cabeça. Pronto, acabei diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que estou adorando esta loucura semanal.

O melhor na terapia é chegar antes, alguns minutos, e ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou quatro, ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer daqui a pouco. Ninguém olha para ninguém. O silêncio é uma loucura.

E eu, como escritor, adoro observar as pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses. Acho que todo escritor gosta deste brinquedo, no mínimo, criativo.

E a sala de espera de um consultório médico, como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Herman Hesse como ela), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos:

Na última quarta-feira, estávamos eu, um crioulinho muito bem vestido, um senhor de uns cinquenta anos e uma velha gorda. Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual era a loucura de cada um deles. Que motivos os teriam trazido até ali? Qual seria o problema de cada um deles? Não foi difícil, porque eu já partia do princípio que todos eram loucos, como eu. Senão não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados. Em si mesmos.

O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o casamento, pensei. Ou será que não conseguiu entrar como sócio do Harmonia? Notei que o tênis dele estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça. Devia ser um assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para dentro da sua mala assassina.

E o senhor de terno preto, gravata, meia e sapatos também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roia as unhas. Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz este meu personagem. Uma hora tirou o lenço, e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Herman Hesse da outra. Faltava um botão na camisa. Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.

Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda imensa! Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era este o problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também de quem tinha uma prisão de ventre crônica. Tinha cara, também, de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a conhecesse.

Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu terapeuta. Conto para ele a minha viagem na sala de espera. Ele ri, ri muito, o meu terapeuta:

– O Ditinho é o nosso office-boy. O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá do Ipiranga, e passa por aqui uma vez por mês com as novidades. E a gordinha é a dona Dirce, a minha mãe. E você não vai ter alta tão cedo.