E esse alemão me deixa louco…

… ou não.

Mas vamos lá.

Meus pais já estão bem velhinhos.

Isso é fato.

Meu pai, com seus 86 anos completos, até que ainda está razoavelmente lúcido, apesar de o raciocínio estar beeeeeem devagarzinho; porém, fisicamente, está muito debilitado. Não que as condições gerais do organismo não estejam boas, tais como coração, pulmão, circulação, etc. Mas é que nos últimos anos ele simplesmente “desistiu”. Não quis mais saber de executar as pequenas tarefas de casa, de sair, de andar, de tomar sol, de ver gente, de nada. Atualmente só fica deitado. O dia inteiro. E, é lógico, o corpo atrofia, né?

Já minha mãe, com quase 80, fisicamente até que está bem, apesar da batelada de remédios que tem que tomar diariamente. Mas há aproximadamente um mês a cabecinha desarranjou. Teima que “aquele homem” deitado na cama não é o marido dela, que o “verdadeiro” marido saiu e vai voltar a qualquer momento, às vezes não lembra que tem netos, não lembra que tem noras (nesse caso não sei se seria de propósito…), e de quando em quando ainda teima que quer ir embora, pois não reconhece a casa onde ela viveu praticamente desde que casou.

Aparentemente é “esse tal de Alzheimer”

Mas vamos tentar entender melhor essa bagaça. Na prática, “demência” é um termo geral que engloba várias doenças que se manifestam com declínio na memória ou de outras habilidades de pensamento suficientemente severas para reduzir a capacidade de uma pessoa de realizar as atividades diárias, sendo que a Doença de Alzheimer é responsável por aproximadamente uns 70% dos casos de demência. Antigamente a demência era incorretamente referida como “senilidade” ou “demência senil”, o que refletia a crença generalizada, porém incorreta, de que um declínio mental grave seria uma parte normal do envelhecimento.

O nome oficial dessa doença se deve ao médico alemão Alois Alzheimer, o primeiro a descrever a doença, ainda em 1906. Ele estudou e publicou o caso de uma paciente, uma mulher saudável que, aos 51 anos, desenvolveu um quadro de perda progressiva de memória, desorientação, distúrbio de linguagem, dificuldade para compreender e se expressar, tornando-se incapaz até mesma de cuidar de si própria.

E, ao que parece, é “esse tal de alemão” que anda atormentando minha mãe…

Dia desses, por exemplo, ela me ligou e não dizia coisa com coisa, que queria ir embora daquela casa e coisa e tal. Pacientemente falei com ela e acabei desligando. Segundos depois ela ligou novamente com a mesma ladainha. Ainda com paciência, conversamos. E em seguida novamente. A mesma coisa. E depois de novo. E de novo. E mais uma vez. E novamente, de novo, outra vez. Na décima quinta vez (e não, não estou exagerando), simplesmente parei de atender os telefonemas.

Toda essa história foi somente para situar.

Hoje estou aqui na casa de meus pais, dando-lhes suporte para passar este final de semana, no que revezo com meus irmãos nos demais finais de semana. Muito bem. Conectei meu notebook na tomada do telefone e, estando eu na lida com meus processos, vejo minha mãe indo e vindo, passando de um lado para outro, resmungando em voz baixa. É que ela queria ligar para uma de minhas tias para apresentar a ladainha de reclamações de praxe. Tentou o celular (sem bateria), tentou o fixo (desconectado) e já tem coisa de mais de uma hora que ela está com o controle da televisão tentando fazer uma ligação…

E eu aqui, quieto.

Tudo bem, me julguem.

Já sei mesmo que, por essas e outras, devo ir para o inferno.

Mas pelo menos, por hoje, estou conseguindo trabalhar…

Um momento de ternura

Invariavelmente tenho o costume de, após o café da manhã, ir para a varanda para tomar um “café preto” e soltar umas baforadas. Como a casa foi construída acompanhando um morro, então tenho a garagem no nível da rua e, em cima, uma varanda com uma mureta para me recostar e acompanhar o movimento dos carros, dos pedestres, das bicicletas, dos caminhantes e outros quetais.

Temos duas árvores defronte, uma grande, com 18 anos (sei disso porque plantei-a logo após o nascimento de meu caçula) e outra pequena, resquício de uma anterior que caiu sozinha de velhice, fungos e podreira.

Na árvore maior, enganchada numa de suas forquilhas mais baixas, uma latinha de cerveja. “Que raios! E nem fui eu que tomei.” Ali mesmo já pensei em, após terminar meu café, descer, recolhê-la e colocá-la junto com o restante do lixo reciclável.

Mas eis que, antes disso, me surgiu de passagem um caboclo em andrajos, carregando duas madeiras num ombro e com a outra mão, quase que arrastando, um saco cheio de latinhas de alumínio. Bem, do ponto onde fico os transeuntes não têm ideia que estão sendo observados, de modo que fiquei aguardando se ele iria ver e recolher a bendita da latinha.

Mas ele vinha cabisbaixo, não que procurando por algo, mas simples com um evidente ar de desalento. E passou reto. “Bem, paciência. Daqui a pouco eu mesmo desço e recolho a bendita da latinha.” Mas eis que o sujeito para e fica acocorado, observando alguma coisa no chão. Cutuca o que quer que seja que estivesse cutucando e fica observando.

“Uai?…”, pensei.

Então, com nítido cuidado, ele pega seu objeto de observação e volta para a árvore em frente de casa. Daí eu pude ver o que estava em sua mão: uma cigarra. Com delicadeza ele estica o braço e a acomoda no tronco da árvore. Só então percebe a latinha ali enroscada. Dá um sorriso, arranca a latinha da forquilha, enfia no saco, se certifica que a cigarra está bem acomodada (talvez intimamente agradecendo a sorte por tê-la encontrado e lhe feito encontrar mais uma latinha) e vai embora cantarolando baixinho uma canção que não consegui identificar.

Embevecido, por esse momento de ternura, não pude deixar de sorrir.

Taí um sujeito castigado pela vida, numa fria manhã de domingo, de bermuda e chinelo de dedo, procurando “tesouros” no meio do lixo alheio para sua própria sobrevivência. Ainda assim, diante de um ser ainda mais frágil, que no meio da calçada poderia ser pisoteado a qualquer momento por um caminhante desavisado (e que provavelmente ainda iria se indignar por ter sujado a sola do calçado), esse rapaz tem a preocupação de resgatá-lo e devolvê-lo para seu próprio meio, para viver sua própria vida, longe daqueles que poderiam feri-lo.

Penso comigo se ele mesmo não gostaria de também receber esse tipo de tratamento…

Isto é, na atual sociedade ele está ali, frágil, na calçada do viver, podendo a qualquer momento ser pisoteado e esmagado pela falta de condições mínimas de sobrevivência. Alimento. Saúde. Abrigo.

E mesmo assim teve humanidade suficiente para se preocupar com quem está em situação ainda mais frágil que a sua própria!

Pois é. Quando falamos em políticas públicas em prol da sociedade, diferente do que pensam alguns (idiotas), não é “ficar dando condições pra vagabundo”, mas sim paea dar condições mínimas de subsistência para que os mais desafortunados possam ter, no mínimo, a oportunidade de ascender e disputar em igualdade de condições vagas de estudo e de trabalho com aqueles que não precisam ter essa diuturna preocupação com sua própria sobrevivência.

Mas como fazer isso se não tiver o que comer?

Mas como fazer isso se não tiver saúde?

Mas como fazer isso se não tiver onde morar?

E não, este não é um “texto político” (apesar de que a vida em sociedade, em si mesma, é política), mas simplesmente meras reflexões e divagações deste Velho Causídico que vos tecla diante de uma situação que acabei de presenciar. Sinceramente não me importaria se o partido A, B ou C estivesse no poder, ou se o governante fosse fulano ou beltrano. Desde que quem estivesse à frente da nação tenha um mínimo de solidariedade, compaixão e até mesmo de misericórdia para olhar por este povo que (sobre)vive em precárias condições, estaria tudo bem. Mas, diante do recente caos político que passamos, incomodou-me sim – e muito – toda a óbvia cortina de fumaça lançada para deixar a Casa Grande cada vez mais intocável e distante da Senzala. Mas, queira Deus, esse reinado cruel está próximo do fim.

E quando eu falo de “solidariedade, compaixão e misericórdia” entendam que não é meramente uma questão política. E muito menos religiosa. Até porque, na minha nada humilde opinião, religião e política deveriam obrigatoriamente trilhar caminhos separados. É uma questão de humanidade.

Aliás, recentemente o Padre Julio Lancellotti disse algo muito interessante: “A solidariedade, a compaixão, a misericórdia, a empatia não são dimensões religiosas, são dimensões humanas. Até porque os ateus também podem ser compassivos, misericordiosos e os que não têm religião, também.”

Enfim, meus caros, todo esse devaneio dominguístico-matinal surgiu tão somente porque tive olhos para ver (e enxergar) um momento de humanidade de alguém para outro alguém que sequer humano era.

E acho que é isso que anda faltando em nossa sociedade.

Humanidade.

Ditados do arco da velha

Dia desses, numa experiência facebookesca, resolvi publicar alguns ditados e frases que não se ouve mais nos proseios de hoje em dia e lancei um “desafio”: se alguém se habilitava a continuar essa lista do arco da velha. Aliás a própria expressão “arco da velha” por si só já é démodé (que já não está mais na moda), pois há muito tempo não ouço ninguém utilizá-la.

Aliás do aliás, a origem da expressão é interessante, eis que antes do significado que atualmente lhe é dada de coisa antiga ou de antigamente, dizer “isto é do arco da velha” ou “são coisas do arco da velha” seria o mesmo que dizer que são coisas incríveis, invulgares, mirabolantes. É uma expressão que tem origem no Antigo Testamento, segundo Orlando Neves no seu Dicionário de Expressões Correntes:

Fez Jeová um pacto de paz com Noé, quando, depois de findo o Dilúvio, lhe disse: “Este é o sinal da aliança que faço entre mim e vós e todo o animal vivente que está convosco, para perpetuar gerações: o meu arco tenho nas nuvens, e será ele o sinal de uma aliança entre mim e a terra. Quando eu trouxer nuvens sobre a terra e aparecer o arco nas nuvens, então me lembrarei da minha aliança que está entre mim e vós e todo o animal vivente de toda a carne; as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda a carne. O arco estará nas nuvens; olharei para ele, a fim de me lembrar da aliança eterna entre Deus e todo o animal vivente de toda a carne, que estará sobre a terra. Disse Deus a Noé: este é o sinal da aliança que tenho estabelecido entre mim e toda a carne que está sobre a terra” (Génesis, 9,12-17). Assim nasceu, biblicamente, o maravilhoso arco-íris, o arco-celeste, o arco-da-velha. Velha porquê? Porque é descrito no Antigo Testamento, no Velho Testamento, ou seja, na lei velha.

Bem, agora que já tiveram sua cota de cultura inútil, voltemos à nossa tarefa principal. Dos ditados a seguir eu compartilhei somente alguns e todo o restante veio da colaboração coletiva.

“Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento.”

“Num dia, calça de veludo; noutro, bunda de fora.”

“O sujeito roeu a corda.”

“O sujeito não vale o que o gato enterra.”

“O que arde, cura; o que aperta, segura.”

“Vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa.”

“O pau que bate em Chico é o mesmo que bate em Francisco.”

“A grama do vizinho sempre é mais verde.”

“O que aqui se faz, aqui se paga.”

“Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.”

“Casa de ferreiro, espeto de pau.”

“Quem com ferro fere, com ferro será ferido.”

“Mais tem Deus para dar que o diabo pra tirar.”

“Filho criado, trabalho dobrado.”

“Um olho no gato e outro no peixe.”

“Quanto mais você é bom, mais te fazem de trouxa.”

“Apressado come cru.”

“Quem não tem cão caça com o gato.”

“Quem tem amigo não morre pagão.”

“O roto falando do esfarrapado.”

“Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.”

“Vão os anéis, ficam os dedos.”

“Não confunda bife de caçarolinha com rifle de caçar rolinha.”

“Finge que me engana e eu finjo que acredito.”

“É de pequenino que se torce o pepino.”

“Quem espera sempre alcança.”

“Quem tem filhos tem cadilhos.”

“Farinha pouca, meu pirão primeiro.”

“Vai que a coruja erra o toco.”

“Morrem as vacas para a alegria dos urubus.”

“O vento que venta lá, venta cá.”

“Coruja quando gaba o toco é porque tá podre.”

“Quando a esmola é muita, o santo desconfia.”

“Desgraça de pobre só tem começo.”

“Fulano é que nem biscoito de polvilho: faz barulho, mas não resolve.”

“É andando que cachorro acha osso.”

“Se tem uma chance de dar errado, vai dar errado.”

“Quem tem um backup não tem nenhum.”

“Achado não é roubado.”

“Quem perdeu é relaxado.”

“Dois bicudos não se beijam.”

“Chuta que é macumba da brava.”

“Cabeça vazia, oficina do diabo.”

“Falando no diabo, apareceu o rabo.”

“De grão em grão a galinha enche o papo.”

“O sujo falando do mal lavado.”

“Chutou o balde.”

“Panela velha faz comida boa.”

“Chutou o pau da barraca.”

“Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.”

“A cavalo dado não se olha os dentes.”

“Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.”

“Quem vê cara não vê coração!”

“Enquanto houver cavalo, São Jorge não anda a pé.”

E aí? Vocês também não teriam pelo menos alguma contribuiçãozinha para este nosso interessante rol de ditados do arco da velha? 😀

Evangélico, eu?

Comecemos pelo princípio. Minha querida, amada, idolatrada, salve, salve Dona Patroa faz parte de um Pequeno Grupo da igreja evangélica que ela frequenta e, para fins de estudar a Bíblia, praticamente todas as sextas feiras eles se reúnem – e não me venham com críticas, pois em tempos de pandemia a reunião é virtual, tá o seus incréus!

Dia desses o foco do estudo foi a oração do Pai Nosso. Aqueles que a conhecem poderiam perguntar: “mas o que há para estudar numa oração tão curtinha que todo mundo já sabe de cor e salteado?”… Para de perguntar, ô criatura! Eu vou chegar lá. E a questão, na minha opinião, é exatamente essa. Esse Pequeno Grupo realmente se preocupa em compreender o conteúdo daquilo que professam.

Diferentemente da igreja católica, que acabou promovendo um Grande Cisma em decorrência principalmente das bulas papais – a história na realidade é bem mais complexa, mas basicamente essas bulas seriam “cartas de graças ou indulgências” por atos meritórios ($$$) -, as igrejas evangélicas de um modo geral parecem seguir mais o conteúdo dos Evangelhos do que o rastro do dinheiro.

E entendam que quando falo de igrejas evangélicas estou me referindo àquelas que verdadeiramente estão preocupadas e voltadas aos ensinamentos de Cristo e não aquelas reuniões caricatas para “expulsão do demo” ou para venda de canetas e vassouras “consagradas” pela bagatela de mil reais a unidade. Isso, para mim, juridicamente tem outro nome. E moral e pessoalmente tem um ainda pior, mas este aqui continua sendo um blog de família e me recuso a transcrever palavras (muito) chulas neste nosso espaço virtual.

Mas, para variar, estou perdendo o foco. Estávamos falando da oração do Pai Nosso. Comecei a pensar nisso tudo ao me pegar ainda hoje, quase dormitando, naqueles últimos momentos de sanidade enquanto o sono vai nos inebriando e começando a tomar conta da gente e que, no modo “piloto automático”, fiz minhas preces – que se resumem a recitar mentalmente as orações da Ave Maria e do Pai Nosso. É um hábito que adquiri há muito, muito tempo, da época de adolescência em que ainda era frequentador da igreja católica.

E então tive um momento de lucidez (e lá se foi o sono pelo ralo abaixo!) e perguntei para mim mesmo: “mim mesmo, qual é o porquê disso?”, quero dizer, por que repetir mecanicamente determinadas “fórmulas” e acreditar que nisso aí estaria a salvação? No fundo, no fundo, como eu disse, é mais um hábito que uma convicção, pois na prática – ainda que participe e comungue da fé de muitas – não frequento nenhuma igreja ou grupo religioso, pois ainda prefiro um bom proseio sem intermediários (como já lhes contei aqui e aqui)…

E isso me fez lembrar que as “novas bulas papais” já estão inseridas no contexto da igreja católica há tempos, na forma dos confessionários e a nova moeda seria a quantidade de reza e não a qualidade da oração. Pecou? Ora, não se preocupe! Seus problemas acabaram! Vá até o confessionário, ouça um entediante sermão e retire seu boleto de rezas! Mentiu? Dez ave marias! Roubou? Cinquenta pai nossos! Traiu? Trinta terços completos e suba de joelhos os 382 degraus da Escadaria da Penha! E pronto! Tá tudo resolvido, pois lavou, tá novo: a alma tá lavada e novinha em folha para os próximos pecados!

Tá, é exagero, eu sei, mas eu sou assim mesmo, fazer o quê? “Vocês sabem que não posso resistir ao dramático”… Aliás, disso tudo o terço me parece ainda mais inócuo agora que parei para pensar. Você recita dezenas de vezes as mesmas fórmulas sem se ater a uma só palavra do que está repetindo! Isso é reza, não é oração… Lembro-me de uma vida que já não mais me pertence que das diversas vezes que já participei de novenas, minha boca se mexia em consonância com todas as demais, mas a minha alma e pensamentos divagavam em outras plagas bem distantes de onde eu estava.

Antes de encerrar, quero que entendam que não vim aqui para ofender nenhuma igreja, religião, grupo, congregação ou seja lá como for que se autodenominem. Este texto simplesmente traduz meu modo de ver as coisas e não tem nada do que escrevi que já não seja do conhecimento e entendimento até mesmo do reino mineral…

E mesmo que eu esteja falando do Evangelho, também é bom deixar claro que na verdade nenhum livro, qualquer que seja, teria a capacidade de trazer um “manual para a vida”. Não existe “receita de bolo”. Temos, sim, que pensar muito, interpretar muito, compreender seu conteúdo e ter o tirocínio pessoal acerca de sua aplicabilidade ou não nesta nossa existência terrena. E conviver com as consequências de nossas decisões.

Enfim, o que eu estou tentando lhes dizer é que acho incrível a atitude desse grupo de pessoas que dedicou mais de uma reunião para estudar uma oração que pode ser repetida em menos de um minuto (cerca de sete segundos se for rezando o terço), pois eles não estão preocupados em simplesmente seguir o conteúdo do Evangelho, mas sim em compreender as palavras de Cristo.

E creio que talvez seja nisso que estaria o que realmente diferencia esse Pequeno Grupo dessa longeva dicotomia assimétrica que tanto caracteriza a distinção entre católicos e evangélicos, pois eles não se enquadram em nenhuma “definição clássica” para nenhum desses grupos, pois eles são simplesmente o que são: cristãos.

Simples assim.

E após todas essas elucubrações mentais que me vieram à tona (e acabaram com meu sono), para que não digam que não lhes deixei uma mensagem de Páscoa, então lá vai! 😁

Volta ao Mundo em 80 Horas – VIII

VIII – E quando você acha que tudo acabou…

(Para os desavisados de plantão: esta é a conclusão da narrativa de uma de minhas desventuras que comecei a contar no final de 2016 – já há quase quatro anos! – e que até agora ainda faltava um desfecho. Nada demais, apenas um pré-infarto pelo qual passei. Se quiserem saber como tudo isso começou ou rememorar o causo desde o princípio, desçam direto lá para o final deste texto e cliquem no link “Início da Saga”.)

(Mais um recadinho do coração para um avisado de plantão: o amigo Hideki me cobrou por mais de uma vez quando sairia a continuação desta “saga” e, brincando, lhe disse que seria antes do capítulo final da Caverna do Dragão (entendedores entenderão). Pois é, meu amigo. Falhei com você. Pois finalmente esse capítulo saiu (está disponível aqui) e eu ainda não tinha conseguido terminar estas mal traçadas linhas. Perdoe-me. Agora que já fiz a média com meu vasto público de uma pessoa, continuemos de onde paramos!)

E finalmente chegamos na manhã de sábado! Durante quatro incompletos dias estive internado, numa viagem em torno de mim mesmo que durou cerca de 80 horas (Júlio Verne que me perdoe o infame trocadilho) e agora estava eu ali, com a alta na mão, uma lista de remédios a comprar e exames a fazer e sem ter como ir pra casa (dramático, não?).

Sinceramente não me lembro mais o motivo pelo qual a Dona Patroa não poderia me buscar naquele horário matutino – com certeza alguma correria com a criançada – mas, como diz o ditado, “quem tem amigo, não morre pagão”. As mesmas amigas que vieram tripudiar de minha internação também estavam disponíveis para me dar uma carona para minha casa, na cidade vizinha de onde eu estava “hospedado”.

Mas antes mesmo de voltar para meu abençoado lar e para os braços de minha amada, idolatrada, salve, salve, Dona Patroa, ainda precisava comprar a batelada de medicamentos que teria que tomar por algum tempo. Passamos em uma farmácia próxima do hospital e fui encantadoramente apresentado ao Programa Farmácia Popular, uma iniciativa criada pelo Governo Federal para distribuição de medicamentos com custos reduzidos, ou mesmo de forma gratuita, e que visa a universalização do acesso aos serviços voltados à saúde – principalmente no que diz respeito aos medicamentos referentes à diabetes e hipertensão arterial – de modo que não haja interrupção no tratamento dos pacientes em decorrência de uma eventual falta de dinheiro.

E como sou usuário de carteirinha do SUS e aparentemente “hipertensão arterial” tinha tudo a ver com o que passei, é lógico que saí dali com toda uma farmacopeia digna de fazer inveja a qualquer indústria química…

Pois bem. Apesar de ter tido alta e ter perdido (desinchado) uns cinco quilos no processo, ainda existem mais duas intercorrências dignas de nota.

Como acabei de lhes dizer, além dos remédios em si, também saí com a missão de fazer alguns exames específicos. O primeiro deles foi um teste ergométrico, ou seja, enfrentar uma esteira de forma monitorada para ver a quantas andam as batidas do combalido e sempre apaixonado coração deste que vos tecla.

Agendamento feito, no horário marcado compareci na câmara de tortura no consultório onde iria fazer o teste. O atendente-enfermeiro, muito atencioso, me explicou detalhadamente como seria: começaria com uma caminhada tranquila na esteira e, aos poucos, ele iria aumentando o ritmo e monitorando os resultados até uma determinada velocidade específica (ou até que eu fosse atirado pela janela por não ter conseguido acompanhar essa velocidade). Simples, prático e aparentemente indolor. “Então vamo que vamo!” Ato contínuo ele pediu para que eu tirasse a camisa para colocar os eletrodos.

– Xiiiii…

Caráy! De novo? Lembram-se lá no começo da saga que eu lhes falei dos meus nada ralos pelos no peito? Então. Ele coçou a cabeça, fez alguns testes para tentar colar um ou outro eletrodo, deu um passo pra trás e sentenciou:

– É. Não tem jeito. Vai ter que raspar.

– CUMÉQUIÉ???

– Eu tenho mais de uma dezena de eletrodos que preciso espalhar em diversos pontos específicos de seu corpo para que o teste possa ser validado. Eles têm que ficar bem firmes. Só que com toda essa Mata Atlântica aí não vai ter jeito.

– (Suspiro resignado) Quer dizer que vou ter que virar um atleta da natação, com peito pelado e tudo mais?

– Não! Basta raspar somente nos pontos que vou colocar os eletrodos, não precisa ser tudo não. E isso cresce rapidinho, você vai ver só!

Bem, como diz outro ditado, “já que está no inferno, abrace o capeta”. E lá foi ele dar uma “raspadinha” nos tais dos pontos específicos. Nem quis olhar. Depois de tudo colado e eu me sentindo uma daquelas marionetes do Cirque du Soleil de tanto fio que saía de mim, começamos o teste. Não vou entrar em detalhes de quanto tempo durou ou como foi minha (nada) atlética performance sedentária perante uma esteira que, eu nem sabia, podia chegar à velocidade de uns oitenta quilômetros por hora. Ao menos foi isso que me pareceu.

Concluído o teste e eu, com algumas pontadas nas costelas e com o coração parecendo que tinha acabado de participar de uma competição de taikô (aqueles tambores japoneses), ainda estava tentando recuperar o fôlego enquanto pontinhos prateados bruxuleavam à minha frente, e o atendente-enfermeiro-demônio-torturador já começou a arrancar todas as centenas de eletrodos que havia espalhado pelo meu corpo (provavelmente tendo colado com SuperBonder). Assim, sem cerimônia nenhuma. Já foi puxando e descolando na raça um por um. Sem um chamego. Sem um carinho. Sem um “vem cá meu bem”… Que puxa.

Só então tive coragem de dar uma olhada para baixo e ver o que sobrou do meu estofamento.

Lembram daqueles antigos filmes de guerra, com crateras gigantescas das explosões dos campos minados? Ou uma mata que tenha sido bombardeada e foram abertas clareiras nos locais mais inusitados? Ou um avião com horrendos buracos na fuselagem? Então. Foi mais ou menos essa a impressão que tive quando olhei para minha pobre caixa torácica.

Resultado disso tudo? “Arritmia não constante nos picos de esforço.” Ou seja, NADA. Normal. Segundo ele, qualquer pessoa que coleciona anos de sedentarismo e se submete a um teste de esforço como aquele vai ter esse mesmo diagnóstico. E, no mais, até que eu tinha aguentado bem, já que ele tinha dado um gás a mais no final só para ver se eu aguentava. Foi assim que, enquanto me despedia, olhos nos olhos, sorri carinhosamente enquanto pensava “fiadaputa!”

Ainda cansado, o fôlego irregular, fui para o carro pensando em mil coisas e no próximo exame que ainda teria que fazer. Ao colocar o cinto de segurança senti uma violentíssima fisgada, assim, bem aqui do ladinho, abaixo das costelas. Fiquei lívido. Num átimo de segundo inúmeras situações se descortinaram à minha frente. Será que eu tinha me esforçado demais? Será que prejudiquei algum órgão interno? Afinal de contas o que é mesmo que a gente tem aqui do lado? Não entendo bulhufas de anatomia! Soltei o cinto e enquanto levantava a camisa para apalpar onde doía fiquei imaginando o que seria. Será o baço? Será o rim? Será o fígado?

ERA UM ELETRODO!!!

O desinfeliz do Torquemada 2.0 havia esquecido um eletrodo na minha carroceria e quando ajustei o cinto fui espetado de uma maneira espetaculosa que eu nem sabia que era possível!

Arranquei o eletrodo e a pele que o forrava, joguei no lixo e, praguejando, fui pra casa.

Mas ainda faltava mais um exame.

O derradeiro exame seria o de cateterismo. Basicamente trata-se de enfiar uma mangueira (e vamos parando com esse pensamento pecaminoso aí!) em uma artéria até alcançar as vizinhanças do coração e soltar um líquido especial – o tal de “contraste” – para verificar se há algum entupimento no encanamento.

Me foi esclarecido que, basicamente, seriam quatro as hipóteses acerca da minha situação: normal; veias com paredes finas; com entupimento leve (até uns 20%); ou com entupimento pesado (70% ou mais de obstrução). Nesse último caso é considerado pra lá de preocupante e seria um forte candidato a algum tipo de cirurgia de desobstrução.

Apesar de ser um procedimento relativamente simples, essa “mangueira” – ou melhor, “cateter” – deve ser introduzida (sem gracejos, você aí do fundo) pela artéria da coxa ou do braço. Na maioria dos casos a probabilidade maior é que seja mesmo através da artéria femural, na coxa, o que implica em algumas restrições pós-procedimento: três dias sem esforço nenhum, sete dias sem esportes, e oito dias torcendo para que a Dona Patroa não expulse aquele vagabundo do sofá.

Mas não deixa de ser um “procedimento”. E com isso sempre há alguma preocupação. Amigos e família ficaram sabendo pelo que eu iria passar e não deixaram de me encaminhar diversas mensagens de ânimo:

– Vai dar tudo certo.

– Tenha fé em Deus.

– A gente confia na ciência, mas, ainda assim, boa sorte!

– Deixa o cesto de roupa suja pra fora quando for tomar banho.

E no dia marcado lá estou eu na clínica, de novo com a porra do avental de bunda de fora – mas ao menos agora com direito a touquinha e sapatinhos… Uma graça que vocês nem imaginam…

A enfermeira veio me posicionar no equipamento e avaliar por onde seria a introdução (óóóiii…). Concluiu que eu tinha uma veia boa, com uma pressão boa (“de menino!”, ela disse) e poderíamos fazer pelo braço mesmo. Vou lhes contar: não é uma dor, é uma espécie de desconforto. É como se uma longa minhoca viesse se esgueirando braço acima, parece que se aproxima da garganta e então, de repente, mergulha em direção ao coração. Muito esquisito. Na sequência é baixada aproximadamente meia tonelada de equipamento sobre o peito e tudo que lhe resta é ficar ali, quietinho e imóvel, com mais de um metro de mangueira enfiada pelo seu braço e torcendo para que a) o resultado do exame seja benéfico, b) que o braço mecânico que segura aquela parafernália não desmonte sobre você, e c) será que vai dar tempo de passar no boteco e tomar uma breja antes de ir embora?

Bão, enfim, pouquíssimo tempo depois, uma vez que injetado o contraste e feitas as chapas, o exame já estava concluído e enquanto eu me vestia o médico me veio com os resultados.

– Parabéns!

– Pelo quê, messs? Vou ganhar uma ponte de safena ou algo do gênero?

– Não, nada disso, muito pelo contrário. Seu exame foi excelente. Suas veias estão limpas e saudáveis. Lisas como um bumbum de bebê!

– Não!

– Sério!

– Doutor, eu tenho, hoje, 47 anos. Disso, quase uns 35 de esbórnia. O que o senhor está me dizendo é que estou garantido para mais uns 35 anos de farra?

– NÃO, não foi isso que eu disse, eu só comentei que…

Mas eu já não estava mais ouvindo. Para o desespero Dona Patroa, que estava na expectativa que minhas veias estivessem equiparadas a um cano de esgoto pantanoso após tantos anos de patuscadas, não teria mais como ela implicar com minhas eventuais cervejinhas. Não que ela vá deixar de implicar com minhas (nada) eventuais cervejinhas!

Mas com esse último exame concluímos toda essa desventura que me deu um belo susto, me fez passar três dias na UTI e me fez chegar a conclusões, no mínimo, interessantes.

Ora, minhas veias estavam perfeitas, sem entupimentos (apesar da ferrugem de Opaleiro que por ali circula). Meu coração continuava batendo forte (fraco somente para as paixões que a vida nos apresenta). Meus pulmões estavam em dia e com a respiração normal (exceto para tudo aquilo que me tira o fôlego). Ou seja, então por que catzo eu passei tão mal e fui parar no hospital?

Olhando pra trás creio que a resposta seja uma só: ansiedade.

O que muito provavelmente eu tive foi uma GIGANTESCA crise de ansiedade, ainda que não tenha percebido. Isso porque quem sinalizou foi meu corpo, pois na minha cabeça tudo estava normal. Vejam só: após longos 16 anos trabalhando na Prefeitura, 8 cuidando de todas as licitações do Município e outros 8 como Secretário de Assuntos Jurídicos, eu meio que me acostumei a trabalhar sob pressão. Pressão absoluta. Tudo é pra agora e não há como delegar. E no final de 2016 o nosso partido perdeu na cidade, o que significava que no dia 31 de dezembro cada qual tomaria seu rumo. Mas nesse meio tempo era minha obrigação ajudar a preparar tudo para a transição, disponibilizando todas as informações necessárias para o novo governo. E pensar no que fazer a partir de 1º de janeiro. E como pagar as dívidas que ainda estavam em aberto. E como dar o melhor encaminhamento para a parte de minha equipe que também estava saindo (servidores comissionados). E como lidar com a arrogância e despeito da parte da minha equipe que ficou na Prefeitura (servidores de carreira). E mil e uma outras pequeninas coisas com que eu teria que lidar antes do final do ano e depois que ele acabasse.

Como eu disse, na minha cabeça estava tudo normal, pois trabalhar sob pressão já era o meu padrão no dia a dia. Mas meu corpo abriu o bico. Não aguentou. E me obrigou a desacelerar mais que bruscamente antes que entrasse em colapso total. Pura ansiedade.

Desde então não tenho mais levado a vida tão a sério. Não que eu fuja de minhas responsabilidades, mas sempre procuro fazer avaliações acerca daquilo que me compete. Isso é realmente urgente? Isso é realmente necessário? Eu preciso mesmo disso? Tenho aprendido a viver mais tranquilo, com menos esforço, ganhando o que me é suficiente, compartilhando mais, convivendo mais com outras pessoas…

Acho que ainda estou longe da qualidade de vida que eu consideraria ideal, mas, cá entre nós: o que é “ideal”? Pois é, eu também não sei. Mas enquanto não descubro, só sei que vou levando. Me preocupando e cuidando com aquilo que está ao meu alcance, sem sofrência por aquilo que não me compete.

E com isso encerramos nossa volta ao meu próprio mundo e que resultou nessa bagunça toda que vocês tiveram a pachorra de acompanhar, sendo que, em verdade, em verdade vos digo: nem doente eu estava!

E só sei que foi assim!… 😉

(Início da Saga)                        (…acabou!)