E Guarulhos decola!

( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 05, de setembro/2005 )

Definitivamente o Município de Guarulhos resolveu decolar, alçando um vôo em escalas jamais previstas nas pistas de seu próprio aeroporto. Porém essa decolagem diz respeito à adoção do software livre no âmbito do próprio Município de Guarulhos.

Neste último dia 11 de setembro foi realizado um Seminário sobre Software Livre na Prefeitura Municipal de Guarulhos – espero que apenas o primeiro de uma série. Nas palavras dos organizadores:

“No atual contexto nacional e internacional, o Software Livre vem ocupando um espaço cada vez maior, tanto na esfera pública quanto na iniciativa privada. Hoje em dia, existem soluções livres de altíssima qualidade para uma quantidade muito grande de atividades, tanto em servidores de rede quanto em estações de trabalho. Cientes da importância social e econômica do software livre, a Prefeitura de Guarulhos realiza o seminário sobre Software Livre, com o objetivo de disseminar os conceitos de software livre e incentivar o seu uso na administração pública e na cidade e Guarulhos.”

E assim, através de palestras e apresentações – às quais eu tive a felicidade de estar presente – é que se desenvolveram as atividades nesse dia memorável. A seguir, algumas delas…

Elói Pietá – Prefeito Municipal

Com todo o respeito ao excelentíssimo senhor Prefeito Municipal de Guarulhos, a impressão que se tem ao conhecê-lo é que o negócio dele continua sendo a boa e velha máquina de escrever. Que o computador, na prática, ainda não faria parte de seu dia a dia. Talvez lhe falte um pouco daquela vivacidade que costuma tomar conta dos apaixonados por software livre quando defendem sua causa.

Mas não se enganem: sua percepção se demonstra aguçada ante o simples fato de ele ter depositado o voto de confiança em sua equipe para que se implante esse projeto que, ainda que não seja revolucionário, ao menos é ousado o suficiente para abalar as estruturas tradicionalíssimas de um poder público municipal.

Simplesmente não conheço nada de seu plano de governo ou das metas para sua administração, mas sei reconhecer um pessoal engajado e com competência para realizar seus planos quando decididos. E, sinceramente, lá tem uma boa turma assim.

José Luiz F. Guimarães – Secretário de Admnistração

Magro, barba suave, já um tanto grisalha, e ostentando um rabo de cavalo que faz lembrar – de longe – o Mestre Jedi vivido por Liam Neeson em Star Wars I…

Em sua abertura frisou que a política adotada pelo Município será o de uso PREFERENCIAL do software livre, o que por si só já se revela como uma boa notícia, pois demonstra que não existe – aparentemente – a intenção de se forçar o usuário à aceitação de uma nova situação, mas que o trabalho será de desenvolvimento, adaptação, persuasão e conquista desse mesmo usuário.

Frisou quatro pontos que foram decisivos para a decisão pela adoção do software livre.

Em primeiro lugar, a autonomia tecnológica. O software livre definitivamente permite ao usuário se libertar das amarras do software proprietário, de modo que ele se torna customizável para atender suas demandas específicas. Contudo, na minha opinião, há que se providenciar o treinamento e a especialização de uma boa equipe, pois sem ela um projeto desse porte estará fadado ao fracasso. Simplesmente não funciona. O usuário mediano não está interessado em programação e configuração, mas simplesmente em sentar em frente de sua máquina, fazer seus textos, elaborar suas planilhas, visitar alguns sites, encaminhar e-mails, etc.

Em segundo lugar, o compartilhamento da experiência com outros Municípios. Essa, pessoalmente, eu acho uma decisão louvável. Sou da opinião de que temos que aprender com os erros dos outros, pois não teremos tempo de cometê-los todos. Da mesma maneira que Guarulhos poderá se aproveitar da experiência de migração para o software livre já realizada em outros municípios, também assim poderão outros municípios, futuramente, sorver da experiência dessa cidade, evitando cometer eventuais equívocos que tenham ocorrido, bem como acelerando seus próprios processos de implantação face a uma experiência bem sucedida.

Em terceiro lugar, seria uma solução para a pirataria. Cumpre-me ressaltar que a pirataria não tem fim. Simples assim. Por mais que haja a preocupação com sua erradicação, a atividade bucaneira já é uma “tradição” que está total e completamente arraigada no inconsciente coletivo da comunidade. Aquele que nunca usou um software pirata que atire o primeiro disquete!

E, em quarto lugar, significaria uma redução de custos. Pelo que entendi, redução esta não só no tocante à emissão de licenças de uso, como também na própria manutenção das máquinas, uma vez que, com software ESTÁVEL, acabaria a necessidade de remessa diuturna de equipamentos à manutenção, havendo também o prolongamento da vida útil dos mesmos.

Assim, com esses parâmetros em mente decidiu-se pela adoção em escala municipal de alguma das versões da distribuição Debian, que fará conjunto com o Open Office já na implantação do software livre. Outros produtos alternativos, com o tempo, seriam também devidamente homologados para utilização.

Com essa decisão já foi possível fazer um cálculo matemático de que a economia aos cofres públicos chegaria, num primeiro momento, a cerca de R$734.000,00 por ano!

Ou seja, a meta adotada é justamente “vencer a resistência ao novo”. Entenda-se, no caso, que essa resistência dar-se-ia por parte de novos usuários, que não estariam dispostos a mudar sua maneira de trabalhar, de pensar, face a algo que não conheceriam.

Para colocar em prática esse projeto foi criado um Grupo Permanente de Software Livre, cuja sigla, GPsL, ao menos para mim, não deve ter sido elaborada com essas letras por mera coincidência…

Gustavo C. Q. Mazzariol – Metrô de São Paulo

Num primeiro momento passa a impressão de ser um mero tecnocrata que estaria ali para simplesmente nos passar números e gráficos que comprovariam o sucesso pessoal de seu gerenciamento.

Ledo engano.

Se o Metrô de São Paulo tiver 30 anos, então ele está lá há pelo menos 32… Conhece absolutamente TUDO acerca dos desdobramentos daquela obra, bem como é um dos responsáveis – senão O responsável – pela implantação do software livre no Metrô.

Em primeiro lugar fez questão de frisar que software livre é diferente de software grátis. Um software pode ser livre e não ser grátis, bem como pode ser grátis e não ser livre. Destacando-se o fato de que sendo grátis não significaria que seria um software de “segunda linha”, mas simplesmente que deveria obedecer ao conceito do copyleft.

Nesse sentido fez a explicação acerca do que seria o software livre, comparando-o com uma “receita de bolo de chocolate da vovó”… Ou seja, ela teria uma receita de bolo que seria delicioso e a compartilharia com outras pessoas, suas irmãs, filhas, etc. Elas, por sua vez, poderiam perceber que haveriam alguns itens a serem melhorados nessa receita e os acrescentariam por conta própria, e, assim o fazendo, teríamos um bolo mais saboroso, de qualidade ainda melhor que o original. E essa nova receita seria compartilhada de volta com a vovó, com as demais pessoas que já a tinham e com quem mais a quisesse. E essas outras pessoas poderiam simplesmente receber e usar a receita do jeito que estaria ou melhorá-la mais ainda, repetindo assim o ciclo e “lapidando” cada vez mais a receita.

Ora, o software livre possui exatamente esse mesmo princípio. A única obrigação que um usuário de software livre – qualquer que seja – teria, seria somente o de estar sempre compartilhando não só o próprio software, como também os melhoramentos que viesse a introduzir no mesmo. Daí o ponto que eu sempre ressalto: para uma implantação em larga escala há que se ter um pessoal técnico capacitado para poder efetuar por conta própria todas as adaptações e melhoramentos, sob o risco de se ficar eternamente preso a alguma emmpresa ou entidade que seria detentora da capacidade de realizar esse trabalho.

Destacou que para a implantação do software livre não bastaria simplesmente o argumento de corte de despesas, uma vez que é imprescindível também investir em qualidade. Não se trata de uma alternativa: ou se cortam despesas ou se investe em qualidade. Isso porque, para que se obtenha um real sucesso, NUNCA se deve abrir mão da qualidade.

Dessa maneira, numa real análise das necessidades dos usuários, fica mais fácil perceber que para determinadas situações – ainda que poucas – realmente o software livre não seria viável, de modo que um sistema híbrido é o que atenderia da melhor maneira os usuários.

Independente disso, há que se ter PERSISTÊNCIA, pois toda inovação implica, também, em mudança cultural. O usuário tradicional por excelência é dotado não só de rebeldia como extremo conservadorismo, sendo em sua maioria avesso a mudanças.

Daí a necessidade de se ter CRIATIVIDADE na crise, pois a crise seria mesmo uma oportunidade que se apresenta para implantação de novos conceitos. E essa criatividade deve ser levada em consideração em todas as situações.

Citou como exemplo a renovação do parque informático. Ao consultar um usuário tradicional se gostaria de ter um equipamento mais novo e mais potente este responderia: “Sim, é lógico!” Daí o pulo do gato: “Ok. Porém esse equipamento não virá com o MS-Office, mas com o Open Office.” Ora, se o usuário responder que assim ele não quer, ótimo. Vamos para um outro que queira. Simples assim. Que ele continue com a sua máquina antiga até que esteja disposto a mudar seus próprios conceitos.

E não é tão difícil assim, pois existe software livre para praticamente todas as situações. Citou a relação do que é usualmente utilizado por ele:

 - Sistema Operacional:       Debian Sarge
 - Interface Gráfica:         Blanes 2004
 - Suíte de Escritório:       Open Office
 - Navegador de Internet:     Firefox
 - Gerenciador de E-mail:     Thunderbird
 - Gerenciador de Arquivos:   Konqueror
 - Manipulador de Imagens:    Gimp
 - Banco de Dados:            MySQL / Postgree
 - Rede:                      Nagios

 
E quem olha e utiliza seu notebook, ainda que usuário ferrenho do MS-Windows, pode nem vir a notar a diferença…

E, dentro de sua conclusão, chamou a atenção para o fato de que o software livre não pode ser associado a ideologia, credo ou bandeira política.

Heh… Nesse sentido, pessoalmente, acho um pouco complicado, pois os próprios usuários e desenvolvedores de software livre são ferrenhos defensores de suas distribuições e aplicativos… Mas, creio eu, ele não estava se referindo à esse tipo de conduta, mas sim à vinculação do software livre, principalmente, a algum tipo de conduta política, o que certamente contaminaria os ideais necessários para sua implantação.

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