Ultimamente uma de minhas leituras obrigatórias é o blog-diário da Alê Félix, que está viajando pela América do Sul do jeitão dela. Pouca grana, desfrutando perrengues homéricos, variando do mau humor absoluto à mais divertida molecagem que se possa imaginar, mas conhecendo o lado humano de cada localidade por onde passa, se redescobrindo como pessoa nesse “Caminho de Santiago” dos Andes. Acompanhem comigo alguns trechinhos dessa desventura:
29/11/07: Tem uns quinze dias que dei um chutão no meu inferno astral e me mandei pro Rio. Ah, o Rio de Janeiro… E aquele povo. Puta que o pariu de lugar abençoado, de gente engraçada, leve… Adoro até o humor rabugento do dono do apartamento que alugamos e que simplesmente ignora a existência e presença de paulistas.
15/12/07: Viajo daqui a pouco, não planejei nada, não falo nada de espanhol, não tenho data pra voltar, tô indo sem reservas, sem fazer a menor idéia do que há para ser visto, sem ter estudado o melhor percurso que farei chegando na Venezuela e seguindo em direção a Colômbia, Equador, Bolivia e Peru. Não sei onde estarei no Natal e muito menos no Ano Novo. Só sei que tenho uma passagem de ida para Caracas, saindo de Guarulhos hoje a meia noite. Tenho meus poucos quinhentos dólares na carteira e um tênis que custou quase isso e que eu espero que me ajude no folego que me falta. Vou de mochilão, vou atravessar os países de onibus apesar das recomendações, vou dançando salsa, vencendo meus medos da solidão, testando meus limites, escrevendo e fotografando. Voltarei pra cá sempre que der. Fui.
26/12/07: E agora, chegando em Quito estava conversando sobre as minhas impressoes sobre a Venezuela e lembrei que escrevi merda no post abaixo. Ignorem o que eu digo, eu estava num pessimo humor quando escrevi e tudo me parecia pior do que realmente tinha sido. Eu conheci muito pouco e muito rapidamente o país, tive o prazer de ser presa por tres horas no Palacio Miraflores e depois ainda conseguir nao só a camera fotografica de volta como tirar fotos com a boina do guarda que me prendeu, fora outras situacoes e pessoas que nao dei o devido valor. Como dizia Fernandinho (um colombiano simpaticao que adora o Brasil e queria o tempo todo que eu falasse em portugues e nao em portunhol porque era muito mais charmoso), nao é todo dia que se vive e parece que eu esqueci o quanto sao valiosos esses momentos de perrengue.
27/12/07: Ah! Tambem me escondi dentro daquele lugar onde o padre fica quando as pessoas se confessam. Uma senhora deve ter confundido minha capa equatoriana com alguma santidade papal e veio me contar suas travessuras. Fiz uma super-capsula imitando voz masculina e sai de la correndo antes que me prendessem tambem no Equador. Preciso parar com essas manias, mas quase sempre é irresistivel. Tomara que deus seja um cara bem humorado, senao eu to lascada.
31/12/07: Nao suporto correr riscos, mas tambem nao suporto ficar parada vendo minha passar toda certinha e bonitinha igual a da cartilha que a maior parte de nós segue sem questionar, sabe? Igual a de todo mundo que nem sabe porque trabalha, para quem vive, pelo que sonha, por quem goza… Pra que uma casa propria? Por que casamos? Por que tantas compras? Pra que tanta economia? Por que é tao importante ter filhos? Por que trabalhamos com o que nao gostamos? Por que nos sujeitamos a uma vida que nao vale uma vida? Por que mentimos para nós mesmos mais do que mentimos para as outras pessoas? (…) Feliz ano novo pra voces… Arrisquem. Arrisquem sempre que for possivel. Arrisquem novos caminhos, pensem diferente, pensem no que realmente querem fazer com os poucos anos que ganhamos de presente. A cartilha pode ser quentinha, mas as vezes sentir frio na barriga, gelo na espinha e arrepio na nuca é o que precisamos para nos sentirmos vivos.
02/01/08: Nao sou muito chegada a turistas e os lugares eleitos por eles. Nao aguento aquelas carinhas alegres comprando pacotes para trenzinhos, manja? Nao que eu nao ande neles. Minha alma brega acaba entrando nessas presepadas (sempre!) e se divertindo pra burro mesmo quando meu cerebro me empurra para as ruas onde vivem as pessoas reais. Curto passear pelas berimbocas, fotografar escondidinha, fotografar escancaradamente, conversar, conversar e conversar. Por sorte, ontem meu cerebro estava dominante e fui para as ruas mais afastadas onde festejariam os moradores de Banos…