Na prática é assim que, carinhosamente, uma boa parte da família trata meu pai. Desde a mais tenra idade, antes mesmo de sair da roça e tentar a vida na “cidade grande”, ele já era dedicado a trabalhos manuais que exigiam mais paciência do que o necessário, bem como dado a invenções de toda a espécie. Na casa de um de meus tios até hoje ainda existem diversos apetrechos, como, por exemplo, arreios de cavalo, feitos e trançados pelo Seo Bento há décadas.
Como desde pequeno já estou tão acostumado com tudo isso, existem coisas que já fazem parte do dia a dia e nem chamam mais a atenção. Pelo menos a minha. Dia desses, tendo ido lá para almoçar, resolvi registrar alguns desses detalhes…
Bem, comecemos com sua modesta oficina. Fica nos fundos de sua casa e é lá que complementa os rendimentos de sua aposentadoria através do conserto de TVs. Edícula, de teto baixo, quente nos dias de verão, ou seja, uma oficina como outra qualquer com nada de mais, certo?
Bem, creio que devam ter prestado atenção que tem um enorme cano PVC de 4 polegadas que atravessa a oficina de cabo a rabo. E o que vem a ser isso? Olhando mais de perto podemos verificar que é furado em toda sua extensão. E não, isso não é nenhum tipo de sistema contra incêndios – trata-se apenas de uma maneira de ventilar um pouco o ambiente naqueles dias quentes sobre os quais lhes falei…
Para garantir essa ventilação a ponta do cano atravessa a parede e vai captar ar fresco lá fora por meio dessa pequena turbina, a qual impulsiona o ar com força suficiente para preencher o ambiente todo.
Se não me falha a memória, o sistema de ventilação foi idealizado pelo meu pai após ele concluir que o anterior não era tão satisfatório assim (esse, logo acima). Também feito com um par de turbininhas ele se limitava a circular o ar no interior da oficina.
Eis o mesmo “ventilador” numa vista lateral. Ainda que potente não havia uma efetiva “troca de ar”, de modo que o calor acabava continuando o mesmo…
Outros detalhes da oficina, como o divisor de sinal da antena e o sistema de UHF (alguém se lembra disso?) para permitir a conexão de vários aparelhos de TV simultaneamente. Aquelas lâmpadas? Não perguntem. Não lembro mais o porquê delas estarem ali – mas que têm uma função, com certeza têm!
Num mundo de aparelhos como esses existem os mais variados tipos e modelos de parafusos para as mais variadas marcas existentes no mercado. Para garantir uma ínfima parcela de compatibilidade, eis uma das muitas “caixas de parafusos” existentes na oficina. Sim, tanto o interior em fibra quanto o exterior em madeira foram feitos por ele. Aliás, além desses medidores malucos que não tenho nem ideia do que fazem, ali de ladinho, à direita, toda enrolada num fio, dá pra ver a pontinha de uma parafusadeira que ele criou, baseado em um motorzinho elétrico qualquer…
Falando em criar, eis – agora do lado de fora da oficina – uma furadeira de bancada conjugada com um pseudo-esmeril, tudo feito meio que “de cabeça”. Ou seja, não houve traçado, projeto, medidas prévias, planejamento. Tava na cabeça dele e foi cortando, serrando, soldando e montando até ficar pronto.
Exatamente da mesma maneira é que surgiu essa “serra de fita”. Ele aproveita pedaços de fita de serra que se quebraram e que já não são mais utilizadas pelas máquinas tradicionais, tendo feito uma máquina que, inclusive, tem uma solda elétrica já embutida para juntar as pontas dessas fitas.
A mesma máquina, mas de outro ângulo. Sabem aquelas polias ali? São de madeira. Feitas por ele. Foram dezenas (sim, dezenas) de experiências até encontrar o tamanho, ângulo, disposição e rotação certos. Mas meu pai é tão taurino quanto eu (ou será que eu é que sou tanto quanto ele?) e insistiu até que funcionasse a contento. Tão a contento que toda a lataria que foi necessário moldar para o Opala que estou reformando foi cortada exclusivamente nessa serrinha aí…
Aliás, sempre temos aquele negócio de “um no cravo e outro na ferradura”, não é mesmo? Esse “cofre forte” aí em cima, agora relegado a um canto da oficina, nada mais é que um forno elétrico. Blindado, com manta e temporizador – tudo caseiro. Mas era tão feio, tão feio, mas tão feio, que minha mãe raramente o usava e creio que ficou aliviada quando, após eu e meus irmãos termos comprado um microondas, finalmente meu pai tirou o “trambolho” de sua cozinha.
Todo arrebitado, dá pra ver que a espessura de suas paredes serve para acomodar a manta e isolar o aquecimento interno do contato externo…
E, falando em cozinha, não tinha como ele deixar de dar seu pitaco lá também… Ainda que já tenha virado praxe no mundo moderno – por uma questão de segurança – deixar o botijão do lado de fora das casas, isso seria muito simples para o Seo Bento…
Então ele criou (ou adaptou, sei lá) esse sisteminha aí em cima que, ainda que funcione manualmente, está ligado a um controle elétrico (ou eletrônico?), de modo que do lado de dentro da cozinha (esqueci de tirar uma foto disso) existe um botão on-off bem do lado do fogão que controla a liberação de gás.
Aliás, da cozinha para o quarto, eis aí um dos outros hobbies de meu pai. Já há anos ele gravava tudo quanto é filme ou especial que passasse na televisão e achasse interessante. De uns tempos para cá ele resolveu fazer a conversão dessas antigas fitas VHS para DVDs. Comprou uma mesa de escritório simples (é a base de tudo isso aí) e colocou uma tv, um vídeo cassete e um gravador de dvd. Daí comprou outro. Daí trocou de marca. Daí colocou os dois em paralelo. Daí consertou um outro vídeo cassete. Daí pôs uma televisão para dividir o sinal. Daí faltou espaço. Daí foi ampliando a coisa toda. E, sim, todo o trabalho de marcenaria é dele próprio. Daí, enfim, tá (atualmente) nessa “configuração” aí de cima…
Ah, sim! Antigamente, na sala, tínhamos um bom e velho “três-em-um” da Sanyo. Rádio, fitas cassete e toca-discos. Com o tempo o primeiro a falhar foi a parte do toca-fitas (sim, na minha adolescência eu usei e abusei de gravações). O rádio, ainda que funcionasse (mas ninguém o usasse), teve sua vida comprometida em função de cupins que surgiram no aparelho – naquela época, início dos anos oitenta, esses equipamentos eram construídos com chapas de madeira aglomerada. Por fim a vitrola ficou anos jogada num canto, até que meu pai resolveu “ressuscitá-la”, construindo uma caixa de suporte (a parte preta) e uma tampa de acrílico para proteção e, ao final, interconectando-a com um CD player, dando-lhe assim vida nova para ouvir velhos discos.
E, não menos interessante, eis uma verdadeira lanterna caseira. Desde a bateria, passando pela caixa na forma de um “cestinho”, até a própria parte de iluminação (suspeito que tenha sido um farol de milha de algum carro), garanto que funciona que é uma beleza!
Como eu havia dito no início, tem tantas coisas lá na casa de meu pai que eu até já me acostumei e sequer acho estranho…
Puxando pela memória, percebo que esqueci de tirar fotos de diversas coisas. A começar pela caixa de correio, pois ele não encontrou nenhuma no mercado que fosse do jeito que ele queria – então fez sua própria. Na laje, também logo na entrada da casa, tem uma antena parabólica das antigas que estava originalmente jogada no terreiro da casa de um amigo dele, na roça. Recuperou-a e a colocou em funcionamento. No banheiro existem dois chuveiros (daqueles do tipo panelão), ligados num mesmo cano bifurcado. Há um sistema de luzes de emergência caso acabe a energia elétrica. Papeleiras personalizadas na cozinha. Adaptação do sistema elétrico para um torno trifásico. Serra elétrica reconstruída. Plaina. Barcos – de madeira e de alumínio, sendo este último arrebitado manualmente (toda a família ajudou nessa). Conversor para 110 volts na Variant.
E, falando na Variant, e pra encerrar esta mera apresentação, recentemente meu pai comprou um motor num ferro-velho e recuperou-o por completo. Como o da Variant já estava meio ruinzinho, resolveu trocá-lo. Feita a troca, também recuperou o que tirou. E eis que resolveu ficar com esse motor “de reserva”. Mas para não estragar, volta e meia ele o liga. Como? Assim: