Mais um ótimo texto do sempre lúcido Jarbas, que, mais uma vez, nos leva à reflexão da dicotomia existente entre o mundo em que vivemos e o mundo que queremos…
Em especial para os nossos filhos!
Sete da manhã. Num bairro nobre de São Paulo, três seguranças de terno preto cuidam da entrada de uma escola tradicional. No interior do prédio, dois outros homens de terno preto fazem parte da paisagem. Todo o perímetro escolar é cercado por muros altos. Esse aparato de segurança é comum em nas escolas privadas para filhos da elite paulistana. Mas, medidas para proteger alunos não estão ausentes em escolas públicas. Quase todas elas possuem muros altos, portões de ferro e outros elementos que indicam preocupação com os perigos de uma cidade violenta.
Crescem, ano a ano, medidas de segurança nas escolas. Cada vez mais, estamos presenciando a concretização da escola fortaleza. Educadores, formadores de opinião, pais e políticos apóiam movimentos para “tirar as crianças da rua”. E concordam com o que diz o bordão de uma campanha que circulou muito tempo pelos meios de comunicação: “lugar de criança é na escola”.
Quase ninguém se pergunta qual é a mensagem que a escola fortaleza passa para as crianças. A maioria das pessoas vê os cuidados de segurança nas instituições educacionais como necessidade.
Há muito tempo Francesco Tonucci chama a atenção para os males da escola fortaleza. Ele mostra que a escola é um local de re-elaboração da experiência. E de onde vem a experiência? Vem da vida em ambientes onde as crianças podem inventar, brincar, explorar o espaço, circular livremente sem a vigilância de adultos. Em nosso mundo urbano, a experiência deve acontecer na cidade, nos espaços públicos.
A proposta do educador italiano exclui a escola fortaleza. Ela sugere caminhos completamente diferentes dos que vemos hoje no campo da educação. Para que as crianças se eduquem bem é preciso que utilizem o tecido urbano como local de convivência.
As idéias de Tonucci deram origem a um projeto chamado “cidade da criança”. Em municípios que aceitam tal projeto, crianças formam conselhos para mostrar a cidade que desejam. Nessas cidades, as crianças querem, por exemplo, que a circulação de pessoas pelas ruas tenha prioridade sobre a circulação de automóveis. Querem jogar bola na rua. Querem brincar em qualquer espaço urbano que desafie sua imaginação. Querem ter liberdade de ir e vir sem proteção e vigilância de adultos. Não querem playgrounds, querem a cidade.
A escola fortaleza e a cidade das crianças são duas propostas antagônicas. A primeira aceita a cidade hostil. A segunda propõe uma ação política e educacional que exige humanização dos espaços urbanos. A primeira entende que a escola é o local preferencial de aprendizagem. A segunda entende a aprendizagem no espaço urbano como matéria prima para que a escola faça sentido.
Infelizmente estamos aperfeiçoando a escola fortaleza e deixando que o tecido urbano apodreça cada vez mais. Achamos que lugar de criança é na escola. Mas, caso pensemos numa educação mais viva, é preciso garantir às crianças oportunidade de se aventurar pela cidade. É preciso ter consciência de que lugar de criança é na rua.