E eis que no “Dia de Ano” (que era como minha bisa costumava chamar o primeiro dia do Ano Novo) estávamos todos em um tradicional almoço de família. A da Dona Patroa. Ou seja, aquele furdúncio organizado encontrado em 99,9% das famílias, com todos sentados ao longo das mesas reunidas do lado de fora da casa, uma patota fazendo churrasco no fundo, a criançada nos jogos, uma turma na cozinha, rodinhas aqui e ali trocando idéias sobre os mais variados assuntos.
E lá na ponta da mesa, reunidos num silêncio até que razoável, meus três filhotes (sete, dez e doze anos) e mais um garotinho num compenetrado jogo de cartas.
E não é que vai um rapagão – creio que namorado de uma das primas – até lá pra puxar conversa?
– E aí? O que é que vocês estão jogando?
Silêncio.
Meio que constrangido por não receber resposta alguma, ainda resolveu ficar ali por mais alguns instantes para tentar entender que raio de jogo era aquele.
Mas não tinha jeito. O caçulinha, daquele jeito descompromissado dele, TINHA que falar. Sem se mexer ou sequer tirar os olhos das cartas, numa calma digna dum profissional do pôquer, disse:
– Bem, ELES estão jogando trinca. Já EU, como não sei jogar, estou apenas descartando aleatoriamente…
O rapaz afastou-se da criançada, pegou um refrigerante e veio para nossa roda.
– Pô! O que é que estão dando pra essa criançada hoje em dia, hein? Eu acho que, na minha vida, só vim a usar a palavra “aleatoriamente” quando tinha uns quinze anos… Aliás, acho também que só vim a entender o significado dela lá pelos vinte!