Momento National Geographic?

E eis que ontem pela manhã estávamos numa caminhada debaixo de um sol – literalmente – de rachar taquara. Paramos por alguns momentos à sombra de algumas árvores para descansar, prosear e reidratar (estou falando de água, ô cambada de hereges!). Foi quando percebi numa das árvores flores em botão e outras já despertas. Me interessei, analisei, até fotografei – quando então a vi.

À minha esquerda, praticamente gritando por atenção.

Um tom violáceo perfeito!

Que fazia ele ali?

Despontando teimosamente pelas frestas de um alambrado, uma flor de uma delicadeza impossível de se captar com uma câmera, exuberante e orgulhosamente se exibia.

Apaixonei-me!

Perdida num caótico verde de um ainda mais caótico quintal ela se destacava por si só…

Da foto que tirei, mais tarde a Dona Patroa, numa mera visão de relampejo sentenciou-lhe o nome. Sim, era em japonês. Não, não me lembro. Mas, segundo ela, seria uma flor que dura apenas uma manhã.

Fucei mais um pouco e me deparei com uma enorme gama de nomes para essa mesma flor, começando com Morning Glory e passando para as mais diversas variações, tais como Glória da Manhã, Corda-de-Viola, Hipoméia, Jitirama, Corriola, Campainha, Flor-de-Cardeal, Trepadeira-de-São-João e muitos outros mais. Cientificamente falando, apenas Ipomoea purpurea.

Não importa aqui descrever seu caráter malandro e vaidoso, de quem é conhecida como flor ornamental mas, por muitos, só é vista como erva daninha. Ela é assim mesmo, vai chegando, se espalhando, possuindo, se alastrando e, quando menos se espera, esse verdadeiro súcubo floral, já tomou conta de tudo! Difícil de se prever, impossível de se controlar!

Não vou falar de seu lado oculto, que até passa despercebido daqueles que a cercam. Não, não se incomode, não é vergonha nenhuma! Você é assim, foi criada assim, aceite isso… Só cuide para que suas sementes fiquem sob controle, essas mesmas, que tem um antigo histórico de uso como psicodélico. Nossos antepassados da cultura asteca, para seus ritos mágicos, não conheciam o LSD mas conheciam a você…

Não vou sequer falar de todo o simbolismo ocultista (ou mesmo sexual?) que suas folhas em formato de coração podem trazer para aqueles que estão à sua volta.

O que quero falar é sobre sua tão serena quanto pequena existência.

Vejam só: apenas uma manhã.

Uma flor que, ainda que tenha seu nascimento sob um glorioso sol, está fadada a jamais ver as estrelas.

Existe por tempo suficiente apenas para que os insetos e pássaros possam cumprir sua função de polinização, garantindo a existência de sua espécie, mas jamais a sua própria.

Não aguardará, ansiosa, por dias de chuva. Não se incomodorá se a tarde promete ser de ventania. Não acompanhará as crianças que diariamente passam por sua calçada, rumo à escola, à casa da tia, ou para qualquer outra traquinagem. Não servirá como um buquê para ser presenteada à paixão da vida de alguém. Sequer poderá ornar os cabelos da amada, numa noite quente, regada a vinho e seresta sob o luar.

Pois você já não estará mais lá.

Terá cumprido sua função e terá partido.

Não retornará, por si, nunca mais.

Então fiz bem em encontrá-la.

Então fiz bem em apaixonar-me.

Em, ao menos, tentar registrar sua cor, suas voltas, seu sutil e imperceptível perfume natural.

Pois, ainda que eu volte ao mesmo local, jamais a encontrarei novamente. No abafado calor desta noite, enquanto insone semeio palavras neste texto, você já partiu. Para sempre. Para nunca mais.

Efêmera.

Ou seja, ligeira, passageira – até mesmo ilusória.

Efêmera.

Essa, de fato, é a palavra que te define. Que te traduz.

E é somente na minha memória que você continuará existindo.

Então, adeus, pequenina flor…

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