Dia desses fui assistir o terceiro filme do Homem de Ferro. Alguém já havia me falado que não tinha gostado, que esperava mais, que o filme poderia ser melhor, etc. Algo assim. Mesmo assim, assisti. A eterna desculpa de que “fui levar a criançada” sempre é ótima!
E lá estava eu, como de praxe, com minha pipoca – doce por baixo, salgada por cima e muita manteiga…
E, independentemente, do pré-conceito que me foi passado, de um modo geral gostei do filme. Ah, antes de mais nada, para aqueles que não assistiram, fica o alerta de spoiler… Bem, tá certo que a estória se arrasta em alguns momentos, enquanto que em outros exageraram nos efeitos especiais. Talvez o ideal fosse dividir o filme em duas partes, de modo que se tornasse possível aprofundar um pouco mais, tanto na trama de um modo geral, quanto na do personagem, de um modo particular. Isso tudo significa que não gostei do filme? Não, antes o contrário! Aliás, melhor explicando, gostei da mensagem que o filme passou.
Tire as tecnologias de Tony Stark. Tire os brinquedos. Tire o dinheiro. Tire tudo. Ainda assim, o que resta? O mecânico. Isso ficou patente em todos os três filmes. De um jeito ou de outro, o personagem retrata um sujeito que gosta de construir coisas. Que tem um dom. Que cria. Que, no final, conclui por um retorno à simplicidade. Não existe? Eu faço. Eu que fiz? Posso desfazer. Desfez-se? Faço de novo. Quebrou? Eu conserto.
Tanto o é que, ao final, Tony Stark, o cientista, o gênio, o empresário, o filantropo, o bilionário, o playboy, o super-herói – e sabe-se lá quantas outras alcunhas – assina como? Simplesmente “o mecânico”.
Um resgate às origens.
E, de todo o filme, compreender essa mensagem é o que me foi mais importante.
Quantas vezes já não discuti isso aqui neste nosso cantinho virtual? Sobre o que verdadeiramente importa? Em especial, acho eu, neste texto. Velejando pelos jargões e clichês de sempre, será que a criança que eu fui gostaria do adulto que me tornei?
Invariavelmente costumo discorrer sobre a inevitabilidade da vida, para onde o Destino nos conduz. E por isso mesmo – brilhante concepção! – encantei-me com uma das frases finais do filme Forrest Gump: “Não sei se cada um tem um destino ou se só flutuamos sem rumo, como numa brisa… Mas acho que talvez sejam ambas as coisas. Talvez as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo…”
Ou seja, sim, existe um Grande Plano. Mas também existe um Grande Caos. E uma coisa tanto leva à outra quanto depende da outra. Jogue uma pedra num lago e observe o efeito das ondas repercutirem sobre sua superfície. Jogue outra, com idêntico formato, peso, força e local. Jamais você conseguirá o mesmo efeito já obtido.
Seja uma pedra. Sinta-se lançado no lago do tempo. As ondas que hoje você vive são a repercussão de tudo o que até hoje você já fez. Você somente é o que é por tudo que você já fez e já viveu.
E, já que falávamos de filmes, daí, talvez, o grande encanto pelas estórias em que personagens de alguma maneira voltam no tempo, como em Em Algum Lugar do Passado (Somewhere In Time), Feitiço do Tempo (Groundhog Day), O Exterminador do Futuro (The Terminator), De Volta Para o Futuro (Back To The Future) e, provavelmente meu preferido, Peggy Sue – seu passado a espera (Peggy Sue got married). De todos, este último tem uma das cenas mais interessantes com relação a esse conceito acerca da possibilidade de mudar seu passado para influenciar seu futuro (ou seja, sua vida atual). Nesse filme de Coppola, a personagem, no passado, conversa com seu avô (o qual acredita realmente que ela viajou no tempo) e lhe pergunta algo como:
“Vovô, o que você faria se tivesse a oportunidade de voltar no tempo?”
Ao que ele responde:
“Teria cuidado melhor de meus dentes.”
E qual é o encanto dessa singela passagem? É a plena consciência do ancião de que qualquer coisa que tivesse feito lá atrás poderia mudar o que ele é hoje. E essa passagem sempre fez minha cabeça dar voltas – e até hoje faz. Mais ou menos como aquela crônica de Veríssimo, Versões. Cada situação que eu passei é que me trouxe ao presente momento. Qualquer mínimo desvio de rota e eu não estaria onde estou com a consciência que tenho. E, de um modo geral, até que gosto de quem sou. Creio que não me admito, hoje, sem ter conhecido cada uma das pessoas que conheci, sem ter passado por cada uma das situações que passei, sem ter cada um dos filhos que tenho. Qualquer desvio de rota no passado, por ínfimo que fosse, teria alterado meu futuro. Ou melhor, meu presente.
E – divagações cinéfilas à parte – o que tudo isso tem a ver com o mecânico?
Que, apesar de tudo, de todas as nuances, de cada uma das ondas deste nosso lago temporal que foram necessárias para vislumbrar o efeito do que hoje somos – parece-me que as coisas se tornaram complexas demais. Melhor: tornei as coisas complexas demais. Uma volta às origens sempre será necessária. Às vezes olho-me no espelho e não me reconheço! Alice, quem é esse cara mal humorado que me fita do outro lado? Esqueci a simplicidade. Onde está aquela criança que enfiava pequenas peças encontradas no chão em uma caixa de fósforo e a levava na oficina, orgulhoso, para mostrar ao pai que também estava consertando algo?
Enfim, preciso resgatar o mecânico adormecido que paira em algum lugar do meu coração. Ou de minha alma. Ou de ambos. Não devo – nem posso – descuidar do plano global de minha vida, mas é imprescindível retomar os pequenos prazeres das pequeninas coisas. Viver a vida a mil? Legal, Janis. Mas chega um tempo – e esse tempo sempre chega – que a dez é bem melhor.
E nesse exercício de paciência para todo aquele que chegou até aqui depois deste longo texto de quem há muito não colocava as próprias estapafúrdias idéias em evidência, diga-me: e você? Existe alguém preso na masmorra de seu coração ou na torre de sua alma que precisa ser resgatado?