O que é óbvio, eu sei.
Mas qual não dá?
Mas qual não demos?
Sempre defini que adolescente é aquela criatura que paira entre dois mundos, daí toda a dificuldade de sua existência: já é velho demais para que possa continuar a viver no mundo da infância, porém ainda é jovem demais para que possa ser tratado como adulto…
Em que pese, legalmente falando, ser considerado como adolescente o jovem entre 12 e 18 anos (quando ele passa a ser “de maior”…), muitas vezes a adolescência pode começar até antes – no meu caso, em especial, lá pelos onze -, sendo “culturalmente” aceito que seu início se dê lá pelos 13 anos. Particularmente prefiro a definição dos americanos (juro que tento, mas ainda não consigo escrever “estadunidense”): teenager. Melhor dizendo, aquele que tem a idade dos “teen”, aquele que está nessa época, nessa faixa. E que faixa é essa, pergunta-me você, incauto leitor? Pois bem, caro incauto, basta lembrar o que vem depois do twelve – thirteen, fourteen, fifteen e assim por diante, até o nineteen, que antecede o twenty. Percebeu?
Aliás, só pra constar: não vim aqui tratar do tema da “maioridade penal”, nem nenhuma dessas outras sandices afins que volta e meia tomam conta da mídia, mais em decorrência de algum caso isolado que de uma mobilização e estudo sério pela sociedade. Deixo essa discussão para algum outro momento, no fórum adequado. Isso mesmo. Em alguma mesa de boteco.
Então pra que é que eu vim aqui?
Talvez para lembrar um pouco de minha própria adolescência – já o fiz diversas vezes por aqui – e como era aquele mundo diferente e isolado, à parte das crianças e à margem dos adultos, no qual tínhamos a convicta certeza de nossa própria imortalidade… Os planos poderiam ficar para mais tarde, pois o futuro estava distante e éramos os atuais donos do mundo!
Mas tudo passa.
Se tudo passa, talvez você passe por aqui.
Não, péraê! Isso é letra de música. Né nada disso, não!
O que eu quero dizer é que, ainda que eu tenha por regra jamais me arrepender de nada do que já fiz na vida – a uma porque foi só passando por tudo que passei que me defini como o que hoje sou e, a duas, porque uma reflexão desse tamanho me levaria a pensar em passados diferentes e, diferente do Coringa, não acho que conseguiria lidar com um passado de múltipla escolha – talvez a única coisa que eu realmente me arrependa seja das discussões que tive com meus pais nessa época.
Sim, eu era difícil – mas vamos combinar que eles também não eram lá tão fáceis! Em especial meu pai: taurino, teimoso e turrão. Sistemático. Metódico. Tudo tinha que ser do jeito dele. Ainda que em certos momentos, ele até fosse carinhoso, vivia para o trabalho. Para o sustento da família. O provedor. Isso não lhe dava muito tempo com os filhos, em especial este que vos tecla. E eu, livre no encarceramento de meu próprio mundo, contestava essa forma de ser, talvez gritando por atenção, talvez desejando apenas ficar quieto no meu canto. E, por conta disso, tivemos discussões homéricas.
E, vocês que me conhecem pessoalmente, lendo o parágrafo anterior, já entenderam tudo, não é mesmo? Aquele ali era meu pai. Aquele ali sou eu.
Assim o sendo, ontem, após dar uma também homérica bronca no filhote do meio (usando o que a Dona Patroa chama de “voz de trovão” – uma coisa assim meio Gandalf, que faz com que todos se encolham estremecidos em seus cantos), meio que percebi a correlação de tudo isso. O ciclo. E a benção e a maldição de um ciclo é simplesmente o fato de já se saber onde tudo aquilo vai acabar. Minha vida é feita de ciclos e parece que meu carma pessoal, meu destino nessa existência, é rompê-los. E é isso que preciso fazer, o quanto antes, antes que o tempo passe, antes que minhas crianças se afastem. Porque não importa a idade de nossos filhos, eles sempre serão crianças. E sempre darão trabalho.
Acho que por isso que é tão importante para mim o “Projeto 676”, essa eterna reforma de um Opala 79 que tem a carinhosa alcunha de “Titanic” – reforma essa também conhecida como “a lenda”… Em toda minha vida adulta, após todas aquelas discussões do passado, foi a única vez que passei mais tempo junto com meu pai – cerca de seis meses – trabalhando num projeto conjunto, ajudando-o, conversando, concordando e discordando, mas agora num outro patamar. Esse carro tem história. A minha história e a do meu pai. E é por isso que já não tem preço no mundo que o pague. Ele é nosso.
E não sei se escrevi tudo o que escrevi somente pela bronca que dei em meu filho, se pela nostalgia, ou se por influência de um filme que assisti ontem, “O Juiz”, que trata da conflituosa e temperamental relação entre pai e filho. Não acho que seja uma película que tenha o estofo de grandes sucessos do cinema. Mas é um bom filme. E nos faz – e me fez – pensar nessa relação. Enquanto ainda há tempo…