– Eu nunca beijei um homem de barba.
Olhou para aquela figurinha sapeca, que parecia estar o desafiando, e, com sábias e profundas palavras, concluiu:
– Cê tá me zoando…
– Não, é sério. Fico pensando se é diferente, sei lá, como é que é?
– Olha, sou obrigado a lhe dizer: eu também NUNCA beijei um homem de barba. Aliás, nem mesmo um homem, sequer.
Risos. Risos nervosos. De ambos.
– Tá…
Ele, bem mais velho. A barba, outrora negra, já começando a ficar grisalha. Separado, advogado, sem escritório, sem clientes, mas prestando uma consultoria ora aqui, ora ali (quase um nômade), sempre em busca de uma vida financeira estável. Ela, praticamente uma menina. Morena, cabelo curto e grandes óculos. Ah, e sim: sapeca. Brincalhona. Sempre um encanto estar em sua presença. Ouvir suas conversas, suas dificuldades, seus problemas na faculdade, o difícil relacionamento com um namorado ainda imaturo, seus sonhos, seus anseios, suas viagens. Viagens de devaneios e de pensamentos. Encantadora, sempre.
Ali mesmo, no restaurante, resolveu aceitar o desafio. Se é que era um.
– Você sabe que só tem um jeito de resolver isso, né?
Com um ligeiro aperto nos olhos e um meio sorriso nos lábios ela vagarosamente meneou a cabeça.
Sentindo que aquele era o momento, ele não teve dúvidas. Simplesmente, de sopetão, puxou a cadeira dela para perto de si – com ela junto, por óbvio – e, com calma e segurança, reclinou-se sobre aquele rosto lindo, que, com olhos arregalados, meio que prendendo a respiração, meio que não podendo acreditar, também simplesmente deixou-se levar.
E ela sentiu aquela mão firme em sua nuca, que não a deixava escapar, mesmo que quisesse. E não queria! Seu coração batia forte e descompassado dentro do peito, enquanto que um ligeiro tremor e calor a envolvia nas mais íntimas e estranhas partes de seu corpo. Deixou-se levar. Os dedos dele entrelaçavam-se em seus cabelos, por pura emoção o ar começava a lhe faltar, mas, de jeito nenhum, ela queria parar. Deixou-se levar. Aproximou ainda mais seu corpo sedento, sentiu a outra mão em sua cintura e, com carinho, um carinho que jamais sabia que seria capaz de sentir, com ambas as mãos segurou seu rosto, acariciando aquela macia barba, enquanto mais e mais aprofundava naquele beijo tão intenso e cheio de desejo. Deixou-se levar.
Não sabem quanto tempo permaneceram assim, pois segundos poderiam parecer anos tal a fúria com que se entregaram um ao outro. Mas anos seriam poucos para esquecer a intensidade daquele momento… Lentamente se afastaram um do outro. Ele a olhava com aquele olhar calmo e profundo que lhe era característico, agora também com um meio sorriso pairando nos lábios, enquanto que ela sentia-se arregalar os olhos ainda mais.
– Meu… Como você beija bem!
– Caramba! Obrigado… Mas, olha só, na verdade um beijo – um beijo MESMO – é como uma dança bem dançada de um casal: enquanto que um conduz, a outra se deixa conduzir. Se aquele que conduz não sabe o que faz, nem sequer dança teremos; já se aquela que se deixa conduzir não acompanha seu parceiro, ainda que possa parecer uma dança, ela fica desencontrada. Deixou de ser uma dança. Um beijo, um verdadeiro beijo, também é assim. Como uma dança. Então esse “mérito” não pode ficar apenas de um lado, porque se um não acerta, dois não fazem… E, só pra constar, você também me acompanha maravilhosamente bem…
Em tempo: Antes que vocês, hereges, candinhas e outras criaturas de pouca fé neste que vos tecla pensem que isso foi comigo, já lhes garanto: não foi. Mas, em verdade, foi a maneira fantasiosa que encontrei de (re)contar esse pequeno causo somente para chegar nessa última frase, a qual, dia desses, ouvi de um grande amigo num dos botecos da vida e que particularmente achei de uma verve poética no mínimo fodástica! 😀
Aproveitem e ouçam a música…