Nicole Ayres Luz
É comum associar a inspiração poética à tristeza. Ainda perdura a ideia romântica de que a literatura, sobretudo a poesia, é a forma de expressão das angústias humanas. O que não deixa de ser verdade, apesar de a questão ser mais profunda que isso. Não se escreve sem motivo, mesmo que ele seja desconhecido. Aliás, é em busca de um motivo que se escreve. Tem gente que procura na música, na pintura, nas artes cênicas, no esporte; outros, na literatura. Procura o quê? Não sei. Uma razão de viver, algo além da banalidade, uma libertação, um encontro consigo mesmo, com o mundo… Como queira. E o que acontece é que a busca vira o sentido em si, porque se encontra tanta coisa interessante no caminho!
Por que será que a tristeza, a agonia, a dor são fontes de inspiração tão ricas? Porque elas nos fazem parar para pensar. Ninguém gosta de sofrer, é claro. Mas todo mundo sofre em algum momento. Não subestimemos a importância do sofrimento. Ele nos aperta o peito, nos corrói a alma, nos deixa inquietos. É aí que entramos mais intimamente em contato com nós mesmos. A experiência é linda, reveladora. Sim, a tristeza é bonita demais; por isso ela é tão querida pelos poetas. Para os otimistas, a conclusão da tristeza é a alegria. Não se chega a uma sem a outra. Tudo na vida funciona por comparação: não saberíamos apreciar a beleza de um dia de sol sem conhecer a chuva.
A felicidade, porém, basta em si mesma. Quando estamos felizes, não pensamos: somos. Isso cabe numa palavra, num gesto. Não rende um poema completo. Não é boa fonte de inspiração. Vinicius de Moraes já explorou o assunto.
A UM PASSARINHO
(Vinicius de Moraes)Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.Deixa-te de histórias
Some-te daqui!
O poeta feliz já não é mais poeta. Ele precisa da crise, da instabilidade, do questionamento. Assim como na prosa não existe personagem sem conflito, que não enfrente obstáculos para atingir seu objetivo, na poesia não existe eu-lírico sem algum tipo de aflição. Louvemos a tristeza, meus amigos, porque a felicidade dispensa comentários. Ela é a própria celebração, apenas alcançada e devidamente valorizada a duras penas, em forma de versos ou de lágrimas.