O Spider-Man Mexicano nunca deveria ter existido, mas por obra do Destino tornou-se uma curiosidade muito mais interessante que suas próprias histórias.
Carlos Cardoso, em 30/09/2019 às 18:16, no meiobit.com.
Ok, não ESSE Spider-Man Mexicano.
Se você nunca ouviu falar do Spider-Man Mexicano, não se sinta excluído. É um dos lados mais obscuros do personagem, mas um dos mais divertidos e inacreditáveis. Nas imortais palavras do Lito, senta que lá vem história:
Se você pegar um pacote de revistas da Marvel hoje, publicadas nos EUA, vai perceber que a cronologia é uma zona, personagens aparecem em títulos diferentes vivendo momentos diferentes de suas vidas, mas isso já foi bem pior. No Brasil na década de 80 a editora Abril publicava títulos da Marvel que às vezes estavam dois ou três anos defasados uns dos outros.
Quando em 1984 foi lançada a saga Secret Wars, a Gulliver comprou os direitos para vender brinquedos associados à série, e pressionou a Abril a lançar as 12 edições, començando naquele ano mesmo. Para cumprir o contrato a editora criou um verdadeiro Frankenstein.
Alguns uniformes foram redesenhados, personagens foram apagados da existência, e até o final foi mudado.
Alterações menores são normais, tipo o A da mesa dos Vingadores ser invertido e virar um V, ou quando rebatizaram um personagem de Magnum (com um bigode ele tinha uma remota semelhança com o Tom Selleck), ao invés de manter o nome original, afinal se Wonder Man virasse “Homem-Maravilha” os leitores achariam que ele era mais gay que o Robin mordido por um Liberace radioativo.
O que era mais que incomum, mais que raro era a criação de histórias inteiras por parte das editoras locais. Não era o estilo da Marvel. A Disney, sem problemas, respeitando as regras de conduta, cada país tinha suas histórias próprias, e por isso o Zé Carioca conhecia tanto do gingado brasileiro.
Entra o Spider-Man Mexicano
O Aranha apareceu pela primeira vez em 1962, e já no começo de 1963 estreou em revista própria, a Amazing Spider-Man #1. O sucesso foi imediato, com o personagem atraindo leitores de todos os cantos. A Marvel, sempre disposta a faturar um trocado, licenciava as revistas que eram traduzidas, adaptadas e impressas nos mercados locais.
Em três meses El Sorprendente Hombre Araña chegava às bancas, publicado no méxico pela Prensa. O público adorou, as vendas foram incríveis mas surgiu um problema: Excesso de demanda. As pessoas queriam mais histórias.
Outros títulos foram importados e traduzidos, mas os Avengeiros (ou seja lá como for Vingadores em espanhol) não atraiam tanta atenção. As pessoas queriam o Aranha.
A editora começou a catar histórias de outros títulos do Spider-Man, mas como as edições americanas eram mensais e depois de oito números as mexicanas se tornaram quinzenais, logo o material acabou, mas na mais nobre tradição mexicana, disseram aos fãs: “Todo o problema acabou, La Prensa chegou”.
Com Raúl Martinez escrevendo e José Luis González Durán desenhando, histórias locais do Hombre Araña começaram a ser publicadas. A Marvel não gostou, não eram histórias autorizadas, mas como a Casa das Idéias sempre foi meio casa da luz vermelha, e a regra era calcinha na mão dinheiro no chão (ou algo assim) e a Prensa mal ou bem continuava pagando royalties, fizeram vista-grossa.
Spider-Man Mexicano e a edificante Gwen Stacy.
No começo as capas eram kibadas do John Romita Jr, entre outros, e as ilustrações internas eram quase colagens, mas com o tempo Durán foi pegando jeito e se soltando, se soltando até demais. Ele nutria uma obsessão quase patológica pela Gwen Stacy, ela aparecia em quase todas as histórias, e, digamos assim, Durán a desenhava em um estilo bem… latino. Nenhuma americana loirinha do Queens teria essa… saúde.
As muitas “faces” de Gwen Stacy.
As capas chegavam a ser constrangedoras mesmo pros padrões de quadrinhos, onde homens vestem cueca por cima da calça e a mulherada ia pro combate de maiô. A arte de Durán era excepcionalmente boa pros padrões locais e da época, ele pecava por kibar muito material alheio, usava outros quadrinhos como referência o tempo todo, mas era uma necessidade. Ele tinha que trabalhar no dobro da velocidade dos artistas gringos, e ainda acumulava as tiras do Araña para publicação em jornais.
Seja por seu caráter ou suas tuberosidades calipígias, Gwen Stacy era extremamente popular, e por causa disso a Prensa começou a encher linguiça publicando histórias próprias, para não chegar ao fatídico The Amazing Spider-Man #121, quando (spoilers!) Gwen morre nas mãos do Duende Verde. Ou melhor, nas mãos de Peter Parker, o que é melhor ainda pra deixar a vida dele mais desgraçada ainda.
Mais de 45 edições foram produzidas, adianta a morte de Gwen Stacy, com direito a uma muito especial:
El Casamiento de Pedro Prado.
Como casar os dois daria muito trabalho e teriam que reescrever todo o material de fora, o casamento todo não passou de uma alucinação do Parker, mas deu aos leitores o que eles queriam, um momento final de telenovela para o casal número um dos quadrinhos, depois de Batman e Robin.
Quanto à Prensa, no melhor estilo dramalhão mexicano a má-gestão fez com que a editora se endividasse e fechasse as portas em 1974, mas como vitória final, eles nunca chegaram a publicar a morte de Gwen Stacy!
Mais tarde os direitos foram comprados pela OEPISA, que mantendo a tradição de transformar a cronologia da Marvel num samba do crioulo doido, publicou a revista Arañita (Spidey, no original) e entre histórias prontas e inventadas localmente, fizeram até um desautorizadíssimo crossover entre o Homem-Aranha e… Planeta dos Macacos.
versão 2.0 do Spider-Man Mexicano – Agora com mais kibe
Agora o final feliz que você não esperava: José Luis González Durán está vivo e bem, tem uma página no Facebook e mal acreditou quando sua arte (que era ótima, diga-se de passagem) foi redescoberta, e tanta gente foi atrás do homem que não deixou Gwen Stacy morrer.
José Luis González Durán, el padre del spider-man mexicano.