Para qualquer um que ainda tenha a mais leve dúvida de que HQ (História em Quadrinhos) também é cultura, recomendo a leitura da última edição do Lobo Solitário (volume 23), ainda nas bancas.
Num rápido resumo, a estória do Lobo Solitário diz respeito a um guerreiro samurai que viaja pelo Japão feudal à procura de trabalho (como assassino), carregando seu filho pequeno a tiracolo. Eles são conhecidos como Lobo Solitário e Filhote. Seus nomes reais: Itto Ogami e Daigoro. Seu serviço é caro, e ele exige saber o motivo antes de realizar o trabalho. Se seus empregadores tentarem eliminá-lo, ele os eliminará antes. Seu filho pequeno eventualmente faz parte dos seus planos para eliminar seus adversários, de uma forma ou de outra. Um confia totalmente no outro, sempre, mesmo não havendo muitas palavras na frieza samurai típica de Ogami.
Itto Ogami era o ceifador oficial do Shogun. Seu trabalho se dava durante as cerimônias de Harakiri, onde ele desferia o golpe final no Lorde que morreria. De uma habilidade extrema com a espada, era invejado por todos e sua posição era cobiçada por muitos. Em especial, pelo clã Yagiu, cuja posição no Shogunato era inferior à de Ogami. Para ascender na hierarquia, eles decidem realizar uma trama cruel e perversa, resultando na morte da esposa de Ogami e em sua incriminação como traidor.
Itto jura então se vingar de todos os que tramaram contra ele e mataram sua esposa. Ele passa então a ser um fugitivo, sempre oferecendo seus serviços a quem puder pagar, sejam os pagadores cruéis ou não, e independente do fato de seus alvos merecerem ou não a morte. Nessa tarefa carrega consigo seu único filho, Daigoro, vivendo ambos o chamado “Caminho do Meifumadô”.
Não só os traços dos desenhos, todos em nanquim, são excelentes, como também o são o contexto dos diversos contos e situações vividas pelos personagens. Bem, informações detalhadas podem ser encontradas lá no Fanboy.com.br.
Quanto àquela pérola de cultura a qual me referia, segue o texto:
Para o Zen-Budismo, é necessário um árduo treinamento, muito mais físico que mental, para se alcançar a iluminação. Trata-se de controlar o corpo e suas fraquezas com a força de vontade do praticante.
O zen-budista crê que o ideal é ser o soberano das próprias necessidades, é ser capaz de adaptar o mundo a si e não o contrário.
Deve-se possuir a riqueza e não ser possuída por ela, deve-se usufruir da diversão e não ser controlado por ela. A seguir, o praticante deve ser capaz de submeter o próprio corpo às escolhas feitas por sua mente, uma vez que mesmo sabendo o que é o melhor a ser feito, o corpo tem a tendência em manter-se fiel aos vícios aos quais estava acostumado. Assim, tanto a determinação da soberania sobre o corpo quanto o controle dos vícios são fundamentais para o zen-budista, pois a fama, a ganância, o orgulho e a intolerância formam as quatro paredes que encarceram o pobre de espírito. O que nos leva ao terceiro passo, que é ter controle sobre as próprias paixões, isto é, o ideal é que o praticante não se abale nem com o infortúnio nem com a boa sorte, permitindo que se concentre em seu real objetivo, a iluminação.
Ao que parece, não só Itto e Retsudô como o próprio Daigoro dominam a prática zazén, a meditação sedente, prática mental que busca o esquecimento do próprio Eu, combatendo o egoísmo e procurando a integração com o mundo ao redor. Tal prática permitiria ao zen-budista manter-se inabalável diante das mais terríveis intempéries, ou das mais inebriantes paixões, fazendo com que, aos olhos dos leigos, ganhassem aparência sobrenatural. Ou seja, ser capaz de encarar com naturalidade ou mesmo com indiferença aquilo que choca ou paralisa as pessoas normais.