A morte e as mortes de Renato Russo

Diante da polêmica desatada quanto aos direitos da Legião Urbana sobre a obra de Renato Russo, além do uso criminoso de sua música “Que País é Esse?” nas manifestações de extrema-direita, resolvi investigar e entrar no assunto.

Alguns pecados foram cometidos contra a memória de um dos nomes mais talentosos da cultura nacional. Ainda não deixaram em paz o compositor, músico, poeta e artista multimídia Renato Manfredini Júnior.

São muitas as mortes do genial Renato Russo.

A primeira foi sua morte física, vitimado pela AIDS aos 36 anos de idade, em 1996. Ele se foi no auge de sua capacidade criativa, no ápice de uma produção brilhante, quando compunha verdadeiros poemas e depois, com o esmero de um ourives, lhes adaptava a melodia.

Agonizou a seu modo, discreto e altivo, enfrentando com evidente tranquilidade o seu determinismo biológico. Assistido pelo velho pai, um advogado de renome e alto funcionário do Banco do Brasil, preparou a cerimônia do adeus, que ia da destinação de toda herança a Giuliano, seu filho único, até mesmo ao local onde deveriam ser jogadas ao vento suas cinzas, nos jardins do sítio de Burle Marx. Clarividente, Renato conservou o bom humor nos dias tristes do fim. Morreu entre livros, desenhos, letras inéditas e seus discos, num dia ensolarado da primavera carioca. Já era um mito.

Outra morte, a segunda, ocorreu longe da atenção do distinto público, do sofrimento da legião de fãs da Legião Urbana e do conhecimento da imprensa. Foi a maneira como seus parceiros na célebre banda lidaram com o fim do grupo e a partida do seu líder. Um deles, Dado Villa-Lobos, chegou a agredir fisicamente o pai de Renato, um homem cuja honestidade era patente e inatacável, por motivos fúteis. Filho de um diplomata que serviu a ditadura militar com fidelidade canina, a agressividade do explosivo Dado era algo como um resquício do ambiente pesado da Brasília recém liberta dos milicos e suas práticas. Por essa época Dado alardeava,inclusive na imprensa, que se recusava a participar de “um velório sem fim”.

O outro integrante da banda era Marcelo Bonfá. Manuscritos de Renato, encontrados recentemente em seu apartamento (ainda hoje intocado, preservado como estava no dia de sua morte), deixam mal o moço, a quem Renato atribui um comportamento mesquinho e irascível. Com Dado, ele compunha o cenário onde Renato esbanjava charme mesmo sendo um homem feio. Renato lançava uma forma de dançar girando os braços que, mesmo desengonçada, caiu no gosto do país e influenciou declaradamente Caetano Veloso, por exemplo. Seu timbre de voz, grossa, algo melodramática, caiu no gosto de dezenas de milhões de admiradores e reverbera ainda hoje na memória deles todos, em gravações reproduzidas em rádios, em TVs, na internet ou em festas, bares, festivais.

Renato era um gênio, carismático e temperamental. Seus companheiros da Legião eram pouco mais que pajens, cambonos ou auxiliares de palco. Depois do fim da banda e da morte do seu líder, os dois jamais aconteceram, vivendo como ciprestes florescidos à beira do túmulo, herdeiros de milionárias migalhas de um eventual e finado parceiro. A extensa produção musical, profícua e exuberante, se foi com Renato Russo. Dado e Bonfá recebem os direitos autorais das parcerias com o falecido (algo como pouco mais de 20% do que Renato compôs) e não estouraram nas paradas de sucesso, não demonstraram algum insuspeito talento, alguma genialidade inesperada, um brilho que não se apresentou talvez por não existir.

E o que fizeram a família, o herdeiro, os que administram o legado artístico e empresarial do desaparecido líder da banda que morreu com ele? Continuaram a tocar adiante o patrimônio tanto material quanto artístico deixado por Renato Russo. O filho, Giuliano, adotou um modelo de gestão muito parecido com o que João Cândido Portinari utiliza para preservar o legado de seu pai, nosso maior artista plástico. Cercou-se de advogados, administradores, curadores e pesquisadores da obra de Renato. Muitos deles, amigos do fundador e líder da Legião.

Aí acontece a segunda morte de Renato Russo. E ela envolve caráter. E dinheiro, muito dinheiro.

Os seus antigos companheiros de banda, que até então cometiam abusos como shows na boate Kiss, trágico palco da tragédia de Santa Maria (RS), tournée internacional no Uruguai sem autorização da família, um desastrado tributo com Wagner Moura protagonizando Renato no palco, sempre utilizando o nome “Legião Urbana”, uma marca histórica a ser preservada. Os herdeiros de Renato perdoaram as leviandades, engoliram os abusos, nada fizeram. E erraram, certamente.

O legado já estava sendo organizado, um farto material esparso sendo reunido, a obra tomando um bom rumo e passando a ser gerenciada com profissionalismo e competência. Como, aliás, o fazem os herdeiros de Tom Jobim, de Jorge Amado, de Frank Sinatra… A cultura deve ser tratada como um bem para consumo público mas dotada dos instrumentos que a protejam, preservem, evitem sua deturpação ou mesmo sua morte.

Aqueles rapazes secundários no palco de Renato, parceiros em bem menos de 1/3 das músicas (as letras, todas, de autoria de Renato), resolvem ir à Vara da Fazenda, na Justiça do Rio de Janeiro, e alegam através de seus advogados que eram donos da marca, já que a Legião era um trio, Renato morreu e eles teriam direito a 33% cada um, cabendo aos herdeiros a terceira parte, tão somente.

E fazem, através das redes sociais, um estardalhaço absoluto, total, amparados por uma legião estridente de fãs da Legião Urbana. Fãs sinceros, aliás, mas desinformados da questão envolvida: um assassinato de direitos.

A história é longa, mas pode ser contada em poucas linhas.

Renato sempre foi um sujeito extremamente organizado, meticuloso, cuidadoso com suas coisas, direitos e obrigações. Não parecia, mas era. E registrou nos idos de 1987 a marca Legião Urbana, através de uma empresa da qual presenteou (isso: presenteou) Dado e Bonfá com uma pequena fração (8 alíquotas cada um), ficando senhor absoluto do controle acionário total, com 198 alíquotas. No mesmo ano, a dupla revende ao mesmo Renato o que dele havia recebido como mimo.

Quase duas décadas depois da morte do líder da banda, e mais de duas décadas depois do negócio – por sinal registrado na Junta Comercial de Brasília – os que ganharam, revenderam e receberam o acertado, resolvem que são donos do que venderam! E em fração muito maior, algo como saltando de irrisórios menos de 10% para 66% da empresa!

Giuliano é um jovem apaixonado pela obra e pela memória do pai. Pelo que se sabe, vive longe da badalação e pouco usufrui da riqueza material, discreto que é. Teve o mérito de reorganizar a obra e de administrá-la assessorado por profissionais da área. A cultura agradece. Porém, ele apanha de gente que sequer havia nascido quando seu pai morreu, insuflados pela desinformação, como uma matilha virtual no Facebook. Recordam o caso de uma ex-amante de Di Cavalcanti que, de posse de uma carta duvidosa do grande pintor, impediu que a obra de Di fosse festejada, citada, organizada, utilizada em benefício do país e dos autênticos herdeiros. A história sequer registra o nome dela. Mas sua loucura atrasou em décadas um trabalho que ainda hoje não se fez.

Os ambiciosos ex-pajens de Renato estão perdendo no mérito. Não vão morder o dinheiro que não lhes pertence. Mas lograram o discutível direito de se utilizarem da marca em suas apresentações em shows, como aquele da boate-crematório. Que sejam felizes.

A terceira morte de Renato Russo é a mais cruel de todas. É ideológica.

Renato foi um homem avançado, declarado admirador de Lula, leitor dos clássicos da literatura mundial, conhecedor dos pensadores e grandes personagens históricos. Sua obra é claramente revolucionária, quebrando paradigmas, inovando, rompendo tabus e se impondo por um nítido caráter transformador. Mas em manifestações da extrema-direita, como a ocorrida dias atrás na Avenida Paulista, a meia-dúzia de ratos pingados entoava “Que país é esse?”, ao mesmo tempo em que defendia o impeachment de uma presidente reeleita faz poucos dias, urrava pelo retorno dos militares, defendia a pena-de-morte entoando um verdadeiro hino que reverbera nas consciências. Um escândalo, um absurdo. As cinzas de Renato voaram, de novo, nos jardins de Burle Marx.

O mais amargo tributo que os grandes artistas pagam é o eventual desvio de finalidade das obras que nos legam. Picasso renasceria para morrer de novo se Guernica fosse exposta no palácio de um ditador.

O direito à propriedade intelectual, o direito autoral, a preservação da obra e o respeito à produção cultural são verdadeiros dogmas. Não cabe discussão barata com quem não entende do assunto e com quem não respeita a lei. Ou pior, com quem quer faturar o que não lhe pertence.

Palmério Doria

Entrevista: Wagner Baccaro

Muito boa esta entrevista, mui digna da criatividade do Wagner, nosso copoanheiro eventual, e que faz coro com dezenas de centenas (de milhares?) de muitas outras gentes – inclusive eu.

A original tá lá no blog dele, o Rebostejos.

O segundo turno eleitoral se aproxima. Para elucidar as questões que você nunca quis saber, publicamos esta entrevista exclusiva com Wagner Baccaro, na qual são tratadas suas preferências políticas e as razões de seu voto.

Rebostejos: Wagner, em quem você vai votar no dia 26, no segundo turno da eleição presidencial?

Wagner: Votarei na Dilma, como fiz no primeiro turno.

Rebostejos: Mas por que você votará nela?

Wagner: Porque acho que, embora seu mandato não tenha cumprido as expectativas que eu tinha, certamente foi muito melhor do que a imprensa insiste em divulgar.

Rebostejos: Se não cumpriu, não seria hora de mudar?

Wagner: Não acho que a mudança para o Aécio seja melhor. Em termos de macroeconomia, não existem grandes diferenças nos projetos, o que muda é o enfoque social. Não acredito no comunismo, mas também não creio que o livre mercado é capaz de fazer a sociedade mais justa e melhorar a vida de todos.

Rebostejos: Quando falamos em ”social”, pensamos primeiramente no Bolsa-Família. Esse programa não é uma forma de compra de votos?

Wagner: Acho engraçado quem pensa assim. Ora, toda ação de governo que beneficie determinada faixa social pode ser tachada de compra de votos. Redução do IPI? Compra de votos da classe média. Aumento dos juros dos Bônus do Tesouro Nacional? Compra de votos dos investidores. Bolsa-Família? Compra de votos dos mais pobres… O problema é que existe um preconceito arraigado de nossa elite que faz pensar que seu voto é mais qualificado porque lê a Veja e ouve a Jovem Pan (risos).

Rebostejos: Mas o Bolsa-Família tem viés eleitoreiro, virou peça de propaganda.

Wagner: Se pensarmos assim, então nenhum governo não pode fazer nada. Toda ação de governo se transforma em peça de propaganda, cabe ao povo decidir se tal ação foi boa ou não. O Serra faz propaganda dos genéricos até hoje, então por que o Governo Federal não pode falar do Minha Casa, Minha Vida?

Rebostejos: Quem pergunta aqui? Eu ou você?

Wagner: Faz diferença?

Rebostejos: Bem… E o que você achou da reeleição do Alckmin?

Wagner: Ninguém se sente seguro em São Paulo, todo mundo que pode foge da escola pública, a participação do Estado na Saúde é pífia e agora temos a falta d’água. Mesmo com tudo isso, São Paulo reelegeu o PSDB para completar 24 anos de mandato, o que é coerente.

Rebostejos: Coerente?

Wagner: Sim, coerente com o voto de quem elege o Russomano, o Tiririca, o Marco Feliciano e o Maluf. Depois o paulista tem coragem de bater no peito pra dizer que o nordestino é que não sabe votar.

Rebostejos: Voltando à eleição presidencial, você não se preocupa com a corrupção?

Wagner: Muito! Me preocupo com a corrupção no Governo Federal e no Governo Estadual. A diferença é que no primeiro a apuração tem sido feita, e no segundo, não. O PT é acusado de ser antidemocrático, chavista, etc., mas em que outro governo alguns líderes do partido no poder foram julgados e condenados por erros que cometeram? O mensalão foi pelo menos tão grave quanto a compra de votos para a reeleição do FHC, mas neste último ninguém foi sequer processado. Os culpados pelo mensalão tucano, pela propinas do metrô paulista, pelo aeroporto na fazenda do tio do Aécio e outros escândalos do PSDB também não foram apurados, por isso não faz sentido dizer que vai votar no Aécio por questões éticas.

Rebostejos: Você não diz isso tudo por que é comissionado em um cargo numa administração petista? Você não é petralha?

Wagner: Petralha é a senhora sua mãe. Eu fui comissionado por dez anos, agora não sou mais. Tenho muito orgulho do trabalho que realizei nesse tempo. Pode ser que em alguns lugares não seja assim, mas as pessoas com quem tive contato trabalhavam muito sério e muito duro para melhorar a cidade. E em dez anos nunca ouvi falar num plano para transformar o Brasil numa nova Cuba.

Rebostejos: Não corremos o risco de uma cubanização, ou uma venezualização, do Brasil?

Wagner: Olha, me desculpe a franqueza…

Rebostejos: Claro que desculpo, o blog é seu…

Wagner: …acho muita idiotice acreditar que o Brasil está sob a influência de Cuba ou da Venezuela, ou que corremos o risco de nos transformarmos num país totalitarista. Quem pensa assim não sabe nada sobre Cuba ou Venezuela e, pior, sabe menos ainda sobre o Brasil. Essas teses só servem para que articulistas de uma revista de m*** tenham assunto.

Rebostejos: Por favor, modere o linguajar, este é um blog de família.

Wagner: Desculpe. Quem faz isso de qualificar pejorativamente quem pensa diferente é essa revista aí. Cometi o mesmo erro.

Rebostejos: Tudo bem, é uma revista de m*** mesmo.

Wagner: Veja, ops, perceba que já em 1989 eu escutei da dona da banca de jornal que ela tinha medo do Lula, que ele faria que repartíssemos nossas casas com outras famílias. Essa mesma ladainha é usada até hoje. O duro é muitos que criticam a eleição do Tiririca acreditam nessas bobagens a ponto de ter paranoia com o vermelho das ciclovias, sendo que a ignorância de votar no Tiririca ou de acreditar no comunismo do PT é a mesma.

Rebostejos: É verdade que você vai se afastar do Facebook nesses próximos dias?

Wagner: Sim. As redes sociais já estavam difíceis, mas se tornarão insuportáveis até o fim do segundo turno. Tenho muitos amigos que pensam igual a mim, e tantos outros que pensam diferente, então não quero me indispor com pessoas de quem eu gosto mas que por vacilo ou por emoção do momento podem se achar mais inteligentes do que os outros só que porque votam assim ou assado.

Rebostejos: Você tem consciência de que não vai fazer falta nenhuma?

Wagner: Absoluta.

Rebostejos: Agora, para finalizar, nos responda uma coisa: o que você sabe sobre transtorno dissociativo de personalidade? E sobre transtorno de personalidade narcisista?

Wagner: Talvez não o suficiente para publicar esta entrevista.

Noir

Vejam bem estas belas artes. Quem aí consegue identificar a qual personagem e/ou qual filme cada uma pertence?

Confesso que, vergonhosamente, falhei em três…

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E se nossos partidos fossem bandas de música?

Professor da USP faz uma divertida analogia entre partidos políticos brasileiros e tendências e ritmos musicais

Wagner Iglecias
( C&P daqui. )

Muito se diz que os partidos políticos estão muito desgastados. Seriam parte na crise de representação política geral que afeta não só o Brasil, mas o mundo. Pra muita gente partido é coisa chata, pesada, quase dispensável. De fato muitas eleitores preferem votar em pessoas, e não em partidos. Se os partidos fossem bandas de música podíamos dizer que grande parcela do eleitorado escolhe pela cara e pelo jeito do vocalista, e pouco se importa com os músicos que o acompanham. Se é assim, se a metáfora vale, fica a pergunta: e se nossos partidos políticos fossem bandas, como eles seriam? Seguem meus palpites, já em espírito de Carnaval e das brincadeiras típicas desta época do ano.

PSDB – Banda sofisticada, sendo que alguns de seus músicos têm formação erudita, obtida em conservatórios no exterior. É um conjunto que toca jazz, rhythm & blues, folk e rock progressivo. Seu ritmo preferido, no entanto, é a bossa nova, por alguns maldosamente chamada de “samba de apartamento”, dado seu caráter um tanto elitizado. Ressalte-se que a cena musical brasileira andava uma bagunça quando o PSDB começou a dar o tom na política nacional. Com a sua bossa nova os tucanos recolocaram o Brasil no mapa musical do mundo, após as décadas de marchas militares e a barafunda melódica dos anos 1980. No entanto desde que foram solapados na preferência do público pelos rapazes do PT eles passaram a ser vistos por aí como uma banda meio demodée. Mas isso não importa, afinal a bossa nova continua sendo sucesso lá fora, soa muito bem aos ouvidos gringos, e aqui ela é quase sempre trilha sonora da novela das nove, na qual as pessoas de bem da zona sul carioca vivem em perfeita harmonia com o núcleo pobre da trama, oriundo de subúrbios festeiros e felizes. Se já não é o sucesso de público de outrora, a banda tucana ao menos continua tendo fãs entre boa parte dos críticos. E isso mesmo com muita gente lembrando que o grupo há tempos não lança repertório novo com músicas inéditas.

PT – No início era um grupo de punk rock. Formado por gente que vinha de variadas experiências musicais anteriores, o que unia a todos os seus componentes era a aparente rejeição ao mercado e um desejo difuso de revolucionar a cena musical brasileira. Sem grana, praticamente uma garage band, o PT tocava com equipamentos precários, fazendo shows nas periferias e portas de fábrica. Mas seus músicos eram bastante sintonizados com as novas tendências que rolavam na Europa naquela época, fim da década de 1970, início dos anos 1980. E sempre se identificavam muito mais com o som que o operariado fazia naqueles tempos na Inglaterra, na França e na Alemanha do que com a musicalidade burocrática do proletariado soviético. Cânticos católicos, pitadas de ritmos caribenhos e o arrasta-pé do sertão nordestino também foram influências importantes nos primeiros anos da legenda. Mas aí um belo dia, como sempre acontece com as bandas alternativas, alguns componentes do partido quiseram deixar de ser indies e o grupo acabou assinando um contrato com as grandes gravadoras. A banda deu então uma repaginada no visual, trocou as letras ácidas por canções de amor e chegou às paradas de sucesso. Alcançou não apenas o 1º lugar entre as mais tocadas como conquistou um lugar no coração do grande público. Obviamente que esse processo não ocorreu sem dor, e aqueles membros que queriam se manter fiéis ao som original foram convidados a deixar o grupo por conta das tais “divergências musicais”, sempre elas. Primeiro saiu a turma que formou as bandas PSTU e PCO, e mais recentemente, já após o estrondoso sucesso petista, outros componentes deixaram o conjunto musical e fundaram o grupo PSOL. Na crítica especializada muita gente diz que a sonoridade petista anda muito melosa e repetitiva, e que a banda já não consegue mais compor os hits que lhe deram sucesso no passado recente. Entre o público, porém, o grupo parece continuar sendo o que tem a maior quantidade de fãs. Se hoje em dia empolga as massas, o som romântico petista é visto porém com desdém pelos adoradores de bossa nova e guarda pouca semelhança com a proposta musical mais radical do passado.

PMDB – É uma dessas orquestras que existem há muito tempo, com anos e anos de estrada. Sempre com muitos músicos, vindos de todas as partes do país. Todos muito experientes, dominam os mais variados instrumentos de corda, teclas, metais, madeiras e percussão e transitam pelos mais diferentes ritmos. Tocam nas mais diversas ocasiões sociais e políticas. Têm habilidade para passar da valsa ao punk, do samba ao funk, da moda de viola ao baião. Todos que alcançam as paradas de sucesso querem ter o apoio dessa orquestra para o caso de algum imprevisto. Foi assim com a banda tucana e tem sido assim com a banda petista. Acostumado a secundar os artistas do momento, o que tem faltado ao partido nos últimos tempos, porém, é um crooner. Um popstar pra chamar de seu.

PSB / Rede – Banda que promete sacudir a cena musical com uma batida nova, por ela batizada de “nova política”. O grupo faz um mix de vários ritmos, como o forró pernambucano, o sertanejo universitário engajado e os tambores da floresta. Também tem influência do som new age de empresas ecologicamente corretas. Vai fazer sua grande estréia nos palcos no festival musical de outubro, e muita gente aposta que pode surpreender, tocando algo diferente dos hit parades petistas e da nostalgia musical tucana. Seu vocalista, no entanto, parece que tem ouvido cada vez mais bossa nova. A conferir.

DEM – Conjunto com influências musicais bastante antigas, que vêm das extintas bandas PDS, Arena e UDN. Alguns críticos chegam a situar os músicos do DEM como receptores da herança melódica dos antigos partidos republicanos estaduais do início do século passado, ou até mesmo dos partidos Liberal e Conservador da época do Império, formados por senhores de terra. Já tocaram com a orquestra peemedebista na década de 1980, quando o grupo chamava-se PFL, e desde os anos 1990 são parceiros musicais da banda tucana.

PCB – Conjunto musical muito antigo, de 1922, durante décadas tocou o metal proletário que emanava do Leste Europeu. Nos anos 1990 uma parte de seus componentes deixou a banda e fundou o PPS, aproximando-se da turma da bossa nova e lançando vários rocks com letras críticas à banda petista. Os membros que permaneceram no grupo PCB continuaram sua trajetória musical, que não tem nenhuma identidade melódica com o PPS.

PcdoB – Grupo musical do início dos anos 1960, o PcdoB sempre tocou uma espécie de heavy metal muito específico, que na verdade era uma variação do metal soviético tocado pelo PCB acrescida de pitadas de música chinesa e albanesa. Mais recentemente suavizou suas melodias e tem se apresentado em shows conjuntos com a banda petista.

PDT – Tocava os bolerões dos anos 1950 até algum tempo atrás. “Bota o retrato do velho outra vez” foi, durante muito tempo, a canção mais executada pela banda. Depois do desaparecimento de seu lendário vocalista, que gostava do vanerão, do xote gaúcho e da milonga mas curtia também fazercovers de punk e metal, enveredou por ritmos musicais mais suaves.

PSOL – Banda formada por ex-músicos petistas, quer recuperar o punk visceral do PT de raiz. Seguem buscando a batida perfeita, mas às vezes parecem estar mais preocupados é em se diferenciar das melodias românticas do petismo.

PSTU e PCO – Seguem fazendo o punk e o metal que agradam a uma pequena parcela da sociedade, a qual lhe é muito fiel. Mas permanecem desconhecidos do grande público.

PP, PR e PTB – À semelhança da banda peemedebista, porém sem tantos componentes como aquela orquestra, são grupos musicais formados por gente que já tocou por todo o país, com os mais variados artistas e os mais variados ritmos. Experiência e capacidade de adaptação não faltam a estes grupos.

PV – Banda surgida nos anos 1980, época da new wave. Muitos achavam que o grupo fazia um som cabeça, conceitual, com letras inovadoras que iam muito além da velha temática capital / trabalho tão comum no repertório de tantos outros conjuntos. A banda tinha um vocalista moderno, forjado na resistência às marchas militares da década de 1960, mas acabou não alcançando o sucesso de público que se esperava. Mais recentemente o grupo se apresentou em conjunto com a banda tucana.

PSD – Banda criada há poucos anos, segundo muitos críticos seria um projeto solo de seu vocalista. Em pouco tempo atraiu muitos músicos de outros grupos e aos poucos tem conquistado fatias importantes da cena musical brasileira.

PSC – Grupo musical surgido em cultos religiosos, tem grande potencial de crescimento visto que há cada vez mais gente curtindo música gospel neste país.

PROS e SDD – Bandas novas, mas formadas por componentes que já tocaram em muitos outros grupos. Também estrearão no festival de outubro.

Para além das bandas, há outros ritmos bombando por aí. Tem uma garotada tocando bumbo nas ruas, sem ligar muito para os partidos. Ainda não é certo se o som que fazem terá influência no festival. Para alguns eles não sabem ler partitura e só fazem ruído. Para outros eles estão fazendo uma bela jam session nas ruas desse país e criando a playlist dos próximos anos na política nacional. A ver. E há ainda quem diga que o festival de outubro poderá ter um cantor solo, estreando nos palcos da política com sua ária, talvez aguardada ansiosamente por uma parcela não-desprezível da platéia. Será? Sem banda, qual seria então o compasso de sua campanha e o arranjo de seu eventual governo?

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.