Visualisionariedades

Já nem lembro mais o que estava procurando…

Provavelmente alguma imagem interessante para ilustrar algum texto desinteressante.

E acabei por encontrar uma sequência da chamada Digital Art que me deixou, literalmente, boquiaberto!

Fui atrás de quem seria o autor daquelas perfeições, e eis que a encontrei: Elena Dudina.

Numa curtíssima biografia, basta dizer que nasceu na Rússia e, graças ao pai que era piloto militar, mudou-se um bocado (dentre outros locais, Estônia, Ucrânia e até mesmo Sibéria). Acabou por parar na Espanha, onde casou-se. Desde sempre gostou de pintar, começou até mesmo a fazer esculturas e então, lá por 2008, descobriu o Photoshop. E desde essa descoberta não mais o abandonou, trabalhando exclusivamente nessa área. Em suas próprias palavras, “photomanipulation is my passion but my work too”.

E nesse nosso cantinho virtual, já que as palavras têm teimado em me fugir e as notícias andam tão desinteressantemente amenas, reflexo, talvez, duma nebulosa apatia que perturbadoramente obscurece a alma, resolvi deixar registradas essas imagens fantásticas, uma por dia, dia sim, dia talvez, começando por essa também fantástica artista, mas não a ela se limitando.

Deleitem-se.

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“Mariposas”

A voz do jornalista

Mariana Arantes FúlfaroMARIANA ARANTES FÚLFARO
Estudante de Jornalismo

Desde 2003, no dia 16 de abril, se comemora o Dia da Voz. A voz é um “acessório” que já vem “de fábrica” e que a maioria das pessoas possui, mas é na falta dela, que percebemos sua importância. O que seria do Brasil sem o simbólico “grito” de independência? E quem seguiria as idéias genocidas de Hitler se não fosse sua excelente oratória? E o que faria o jornalista se não pudesse contar o que sabe?

O jornalismo se realiza por diversas vias além da escrita. Através do rádio e da televisão a profissão utiliza a voz, mas também fala através de um texto, uma imagem, e até mesmo, através do silêncio. Houve muitos momentos em que a falta de liberdade de imprensa fez jornalistas calarem-se. Como no período da Ditadura Militar (1964 – 1985), em que o jornalista era impedido de publicar matérias que denunciassem políticos e o regime de governo, mesmo sendo verdade.

Para demonstrar tal censura, alguns jornais estampavam receitas de bolo no lugar das matérias vetadas, o que obviamente causava um espanto e curiosidade nos leitores. Alguns jornalistas (corajosos, diga-se de passagem) se arriscavam falando mal do governo e contando as “verdades proibidas”, mas estes audaciosos tiveram, em sua grande maioria, um fim trágico.

Vladmir Herzog, por exemplo, foi um grande jornalista da época da Ditadura Militar no Brasil. Até que foi chamado a depor sobre suas possíveis ligações com o Partido Comunista Brasileiro e não voltou do interrogatório. Na época foram divulgadas fotos que demonstravam que ele havia se enforcado, mas fotos divulgadas há pouco tempo sustentam a suspeita de que ele havia sido torturado e morto pelos “mandões” da ditadura.

Alguns casos nos mostram que ainda há censura nos dias de hoje, como em 2009 quando o jornal O Estado de São Paulo foi proibido pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios de publicar reportagens da investigação da Polícia Federal sobre o Presidente do Senado José Sarney.

Embora a “censura judicial” seja presente no país, pode-se dizer que, atualmente, o jornalista tem muito mais liberdade para soltar a voz do que anos atrás, em que eles não eram somente proibidos de falar, ou eram processados. Eram mortos, espancados e torturados. Entre tantos que padeceram, vítimas da repressão contra a liberdade de imprensa brasileira, não podemos deixar de lembrar de Líbero Badaró que, em seu leito de morte (1830), preferiu as palavras (esperançosas, mas verdadeiras): “Morre um liberal, mas não morre a liberdade”.

Todo mundo tem um quê de jornalista (ou é o jornalista que tem um quê de todo mundo?)

Duda Rangel

O médico trabalha de madrugada, sábado, domingo, feriado. Plantão que não acaba mais.

O publicitário cria uma imagem de glamour (falsa, é claro) de sua profissão.

A puta tá sempre fodida e dizendo “um dia ainda largo essa vida”.

O caminhoneiro enche a cara de café pra ficar acordado.

A ex-BBB adora um convite para uma boca-livre.

O cozinheiro pode trabalhar sem diploma.

O executivo bem-sucedido, peraí, esse não tem nada de jornalista. Esquece.

A operadora de telemarketing pode estar pedindo um minutinho de atenção.

O autor de novela da Globo tem um ego gigante.

O motoboy vive na correria.

O hacker invade a privacidade dos outros.

O advogado tem um lugar garantido no inferno.

O ornitólogo, ornitólogo? Que porra mesmo faz um ornitólogo?

O lixeiro tá sempre mexendo na coisa podre, fedida.

A atriz vive ouvindo “minha filha, arruma uma profissão decente”.

A puta, ah, a puta, reclama, mas não larga essa vida.

Me chamem de velha

A velhice sofreu uma cirurgia plástica na linguagem

ELIANE BRUM

Eliane BrumNa semana passada, sugeri a uma pessoa próxima que trocasse a palavra “idosas” por “velhas” em um texto. E fui informada de que era impossível, porque as pessoas sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só aceitavam ser “idosas”. Pensei: “roubaram a velhice”. As palavras escolhidas – e mais ainda as que escapam – dizem muito, como Freud já nos alertou há mais de um século. Se testemunhamos uma epidemia de cirurgias plásticas na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar que a língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que “idoso” é uma palavra “fotoshopada” – ou talvez um lifting completo na palavra “velho”. E saio aqui em defesa do “velho” – a palavra e o ser/estar de um tempo que, se tivermos sorte, chegará para todos.

Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho anunciado a amigos e familiares que, se alguém me disser, em um futuro não tão distante, que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não violência. O mesmo vale para o primeiro que ousar falar comigo no diminutivo, como se eu tivesse voltado a ser criança. Insuportável.

A velhice é o que é. É o que é para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda. Negá-la é não só inútil como uma escolha que nos rouba alguma coisa de vital. Semanas atrás, em um programa de TV, o entrevistador me perguntou sobre a morte. E eu disse que queria viver a minha morte. Ele talvez não tenha entendido, porque afirmou: “Você não quer morrer”. E eu insisti na resposta: “Eu quero viver a minha morte”.

Na adolescência, eu acalentava a sincera esperança de que algum vampiro achasse o meu pescoço interessante o suficiente para me garantir a imortalidade. Mas acabei aceitando que vampiros não existem, embora circulem muitos chupadores de sangue por aí. Isso só para dizer que é claro que, se pudesse escolher, eu não morreria. Mas essa é uma obviedade que não nos leva a lugar algum. Que ninguém quer morrer, todo mundo sabe. Mas negar o inevitável serve apenas para engordar o nosso medo sem que aprendamos nada que valha a pena.

A morte tem sido roubada de nós. E tenho tomado providências para que a minha não seja apartada de mim. A vida é incontrolável e posso morrer de repente. Mas há uma chance razoável de que eu morra numa cama e, nesse caso, tudo o que eu espero da medicina é que amenize a minha dor. Cada um sabe do tamanho de sua tragédia, então esse é apenas o meu querer, sem a pretensão de que a minha escolha seja melhor que a dos outros. Mas eu gostaria de estar consciente, sem dor e sem tubos, porque o morrer será minha última experiência vivida. Acharia frustrante perder esse derradeiro conhecimento sobre a existência humana. Minha última chance de ser curiosa.

Há uma bela expressão que precisamos resgatar, cujo autor não consegui localizar: “A morte não é o contrário da vida. A morte é o contrário do nascimento. A vida não tem contrários”. A vida, portanto, inclui a morte. Por que falo da morte aqui nesse texto? Porque a mesma lógica que nos roubou a morte sequestrou a velhice. A velhice nos lembra da proximidade do fim, portanto acharam por bem eliminá-la. Numa sociedade em que a juventude é não uma fase da vida, mas um valor, envelhecer é perder valor. Os eufemismos são a expressão dessa desvalorização na linguagem.

Não, eu não sou velho. Sou idoso. Não, eu não moro num asilo. Mas numa casa de repouso. Não, eu não estou na velhice. Faço parte da melhor idade. Tenho muito medo dos eufemismos, porque eles soam bem intencionados. São os bonitinhos mas ordinários da língua. O que fazem é arrancar o conteúdo das letras que expressam a nossa vida. Justo quando as pessoas têm mais experiências e mais o que dizer, a sociedade tenta confiná-las e esvaziá-las também no idioma.

Chamar de idoso aquele que viveu mais é arrancar seus dentes na linguagem. Velho é uma palavra com caninos afiados – idoso é uma palavra banguela. Velho é letra forte. Idoso é fisicamente débil, palavra que diz de um corpo, não de um espírito. Idoso fala de uma condição efêmera, velho reivindica memória acumulada. Idoso pode ser apenas “ido”, aquele que já foi. Velho é – e está. Alguém vê um Boris Schnaiderman, uma Fernanda Montenegro e até um Fernando Henrique Cardoso como idosos? Ou um Clint Eastwood? Não. Eles são velhos.

Idoso e palavras afins representam a domesticação da velhice pela língua, a domesticação que já se dá no lugar destinado a eles numa sociedade em que, como disse alguém, “nasce-se adolescente e morre-se adolescente”, mesmo que com 90 anos. Idosos são incômodos porque usam fraldas ou precisam de ajuda para andar. Velhos incomodam com suas ideias, mesmo que usem fraldas e precisem de ajuda para andar. Acredita-se que idosos necessitam de recreacionistas. Acredito que velhos desejam as recreacionistas. Idosos morrem de desistência, velhos morrem porque não desistiram de viver.

Basta evocar a literatura para perceber a diferença. Alguém leria um livro chamado “O idoso e o mar”? Não. Como idoso o pescador não lutaria com aquele peixe. Imagine então essa obra-prima de Guimarães Rosa, do conto “Fita Verde no Cabelo”, submetida ao termo “idoso”: “Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam…”.

Velho é uma conquista. Idoso é uma rendição.

Como em 2012 passei a estar mais perto dos 50 do que dos 40, já começo a ouvir sobre mim mesma um outro tipo de bobagem. O tal do “espírito jovem”. Envelhecer não é fácil. Longe disso. Ainda estou me acostumando a ser chamada de senhora sem olhar para os lados para descobrir com quem estão falando. Mas se existe algo bom em envelhecer, como já disse em uma coluna anterior, é o “espírito velho”. Esse é grande.

Vem com toda a trajetória e é cumulativo. Sei muito mais do que sabia antes, o que significa que sei muito menos do que achava que sabia aos 20 e aos 30. Sou consciente de que tudo – fama ou fracasso – é efêmero. Me apavoro bem menos. Não embarco em qualquer papinho mole. Me estatelei de cara no chão um número de vezes suficiente para saber que acabo me levantando. Tento conviver bem com as minhas marcas. Conheço cada vez mais os meus limites e tenho me batido para aceitá-los. Continua doendo bastante, mas consigo lidar melhor com as minhas perdas. Troco com mais frequência o drama pelo humor nos comezinhos do cotidiano. Mantenho as memórias que me importam e jogo os entulhos fora. Torço para que as pessoas que amo envelheçam porque elas ficam menos vaidosas e mais divertidas. E espero que tenha tempo para envelhecer muito mais o meu espírito, porque ainda sofro à toa e tenho umas cracas grudadas à minha alma das quais preciso me livrar porque não me pertencem. Espero chegar aos 80 mais interessante, intensa e engraçada do que sou hoje.

Envelhecer o espírito é engrandecê-lo. Alargá-lo com experiências. Apalpar o tamanho cada vez maior do que não sabemos. Só somos sábios na juventude. Como disse Oscar Wilde, “não sou jovem o suficiente para saber tudo”. Na velhice havemos de ser ignorantes, fascinados pelas dimensões cada vez mais superlativas do que desconhecemos e queremos buscar. É essa a conquista. Espírito jovem? Nem tentem.

Acho que devíamos nos rebelar. E não permitir que nos roubem nem a velhice nem a morte, não deixar que nos reduzam a palavras bobas, à cosmética da linguagem. Nem consentir que calem o que temos a dizer e a viver nessa fase da vida que, se não chegou, ainda chegará. Pode parecer uma besteira, mas eu cometo minha pequena subversão jamais escrevendo a palavra “idoso”, “terceira idade” e afins. Exceto, claro, se for para arrancar seus laços de fita e revelar sua indigência.

Quando chegar a minha hora, por favor, me chamem de velha. Me sentirei honrada com o reconhecimento da minha força. Sei que estou envelhecendo, testemunho essa passagem no meu corpo e, para o futuro, espero contar com um espírito cada vez mais velho para ter a coragem de encerrar minha travessia com a graça de um espanto.

Impossível


Homem não gosta de mulher que insiste com recados consecutivos, mas também não gosta de mulher que não telefona.

Mulher não gosta de homem que a persegue, mas também não gosta de homem que não a procura.

Homem não gosta de mulher fácil, mas também não gosta de mulher difícil.

Mulher não gosta de homem doce, mas também não gosta de homem rude.

Homem não gosta de mulher que fica com muitos, mas também não gosta de encalhada.

Mulher não gosta de mulherengo, mas também não gosta de travado.

Homem não gosta de ser questionado, mas também não gosta de ser esquecido.

Mulher não gosta de ser contrariada, mas também não gosta de gente passiva.

Homem não gosta de estardalhaço, mas não adia uma bagunça.

Mulher gosta de estardalhaço, desde que não vire bagunça.

Homem não gosta de ser debochado, mas também não suporta ser levado sempre a sério.

Mulher não gosta de brincadeiras sem graça, mas não admite a ausência de brincadeiras.

Homem não gosta de fofoca, mas é o primeiro a contar as novidades aos amigos.

Mulher gosta de fofoca, mas deseja preservar sua privacidade.

Homem não gosta de jantar na casa da sogra, mas também precisa dela.

Mulher não gosta de ser comparada com as antigas namoradas, mas também quer saber todos os detalhes.

Homem não gosta de ser surpreendido, mas também não gosta de saber antes.

Mulher gosta de um mistério, mas com aviso prévio.

Homem não gosta de comprar lingerie, mas também é o primeiro a criticar a que ela está usando.

Mulher ama comprar lingerie, mas também é a primeira a dizer que a incomoda.

Mulher prefere calcinha bege, não aparece com a roupa.

Homem abomina calcinha bege, aparece demais quando ela tira a roupa.

Homem não gosta de discutir relacionamento, mas também não gosta do silêncio.

Mulher gosta de discutir relacionamento, mas odeia chorar no meio da briga.

Homem não tolera filmes românticos, mas não desilga quando reprisados na tevê.

Mulher não tolera filmes de ação, mas também é um alívio não pensar muito.

Homem tem dificuldades para se declarar, mas faz o impossível para ser denunciado.

Mulher espera declarações, mas não quando está se arrumando.

Homem reclama dos atrasos, mas também detesta quem chega antes.

Mulher odeia a impaciência do homem, mas também se enerva com a letargia.

Homem não resiste a um videogame, mas também não deseja ser chamado de criança.

Mulher abusa dos diminutivos, mas também diz que cresceu.

Homem pede desculpa quando machuca, mas não aceita desculpa quando machucado.

Mulher se desculpa antes de errar, depois não se lembra.

Mulher desvia o assunto quando se desinteressa, mas não gosta que não prestem atenção nela.

Homem não gosta de ser interrompido, mas vive interrompendo.

Homem não gosta de unhas vermelhas, mas fica excitado com elas num filme pornô.

Mulher gosta de unhas vermelhas porque detesta filme pornô.

Mulher anseia pelas flores, mas nunca tem um vaso para colocá-las.

Homem gosta de mandar flores, mas desiste na hora de escrever o cartão.

E ambos não gostam do meio-termo.

Carpinejar

A vida na gaiola

Thomaz Wood Jr.

O trabalhador do século XIX foi, tipicamente, um agricultor, labutando ao ar livre e sofrendo a ação das intempéries. O trabalhador de parte considerável do século XX foi, tipicamente, um operário, labutando em uma fábrica e sofrendo com o calor, o ruído e o ritmo da linha de montagem. O trabalhador século XXI é, tipicamente, um ser dos escritórios, labutando de sol a sol com um computador à sua frente e dezenas de colegas ao seu redor.

Do fim do século XX para as primeiras décadas do presente século, a arquitetura dos escritórios mudou sensivelmente: o crescimento das empresas e o aumento do preço do metro quadrado nas grandes cidades levaram as organizações a adensarem seus espaços de trabalho. Com isso, as salas deram lugar às baias; as baias deram lugar às células com divisórias e, agora, as células estão dando lugar às mesas comunitárias.

Os modernos escritórios foram projetados para facilitar a comunicação, estimular o trabalho coletivo, fomentar a produtividade e a eficiência. No entanto, não são poucos aqueles que amaldiçoam a vida nas modernas gaiolas corporativas, com o ruído permanente de conversas indesejáveis, as interrupções frequentes de colegas inoportunos, o grasnar de celulares, o martelar ritmado de teclados, o coaxar estridente de cafeteiras e o uivar mecânico de copiadoras.

Por trás da arquitetura aberta há um conceito de gestão. O mundo corporativo tomou como premissa que a inteligência coletiva é superior à inteligência individual, e que trabalhar em grupo é melhor do que trabalhar sozinho. Os gênios solitários que se lixem. A vez agora é dos extrovertidos, dos entusiastas da vida social e do pensamento grupal. Contudo, como alerta Susan Cain, em artigo publicado pelo New York Times recentemente, é melhor ir devagar com o andor porque o santo é de barro. Com base em diversos estudos científicos, a autora coloca em xeque o pressuposto de que a colaboração e o trabalho em equipe tornam as organizações mais produtivas.

Primeiro argumento: algum trabalho em grupo pode ser estimulante e até divertido. Trocar experiências e aprender com a vivência de colegas enriquece a visão que temos da realidade, pode mudar nossa percepção sobre os problemas e até levar a soluções que não imaginaríamos sozinhos. Na prática, trabalhar em grupo significa, porém, participar de reuniões sem rumo nem fim e ser obrigado a interagir com colegas que não têm a mínima ideia do assunto tratado ou que agem exclusivamente em interesse próprio. Além disso, muitos indivíduos, quando atuam em grupos, portam-se como espectadores, mimetizam as opiniões de colegas e acomodam-se à pressão dos pares.

Segundo argumento: grupos frequentemente focam no próprio umbigo e desenvolvem raciocínios viciosos, ignorando perspectivas externas e reforçando o status quo. Eles costumam chegar a soluções de compromisso, que costuram interesses políticos, mas evitam correr riscos e tomar decisões mais duras, que podem ser necessárias em situações de crise.

Terceiro argumento: alguns estudos revelam que o trabalho em escritórios abertos é insalubre, tornando os profissionais mais predispostos a sofrer de pressão alta, estresse e exaustão. Além disso, os torna mais distraídos, inseguros e hostis, e ainda prejudica a produtividade.

Quarto argumento: em geral, as pessoas são mais criativas quando têm privacidade e ficam livres de interrupções. De fato, o isolamento ajuda a mente a se concentrar, induz a momentos de transcendência e facilita a criatividade. Significativamente, muitos profissionais inovadores são seres introvertidos e individualistas. Eles se sentem mais confortáveis trabalhando sozinhos, donos de sua própria agenda e do ritmo de ação.

Que fazer? Voltar ao modelo individualista e á arquitetura de salas separadas é inviável. Susan Cain sugere uma solução de equilíbrio, com ambientes de trabalho que permitam a interação entre os profissionais, porém, lhes facilite momentos de isolamento e reflexão. A autora acerta no diagnóstico, mas é ingênua na solução. Esquece que uma razão (implícita) para a existência de escritórios abertos é o chamado controle social. Ambientes abertos colocam os profissionais em constante situação de atenção.

O escritório do século XXI é uma reinvenção do Pan-Óptico idealizado por Jeremy Bentham no século XVIII: um centro penitenciário no qual os ocupantes estão permanentemente sob vigilância. Juntam-se à arquitetura os modernos meios de informação e comunicação, garantindo que os habitantes das gaiolas corporativas se comportem com o decoro esperado. Criadores, inovadores e empreendedores que procurem outro endereço.

(Publicado na Revista Carta Capital nº 684, de 15/02/12 – p. 63)