Pé na lama

Um dia com os filhotes…

Basta um dia com os filhotes para ver o quanto tenho estado fora de foco…

Não, não me considero o “melhor pai do mundo” (ainda que gostaria de sê-lo) e nada muda quem eu sou. O que eu sou.  O que me tornei. Pra onde eu vou. Quem serei.

Mas um dia com essas adoráveis inenarráveis crianças me faz colocar em xeque tudo e todos pelo que tenho vivido. Um mais velho que te desafia se ainda consegue pegá-lo no colo – e ainda que lhe custe uma coluna e um joelho você o faz. Um do meio que, orgulhoso, vem contar como tem evoluído no futebol na escolinha – e você, mais orgulhoso ainda, intimamente relembra que foi você quem lhe ensinou os primeiros passos (por menos que entenda dessa arte). Um caçula que vem, de sua maneira tagarela e confusa (mais tagarela que confusa) lhe contar sobre o filme que assistiu noutro dia e gostou muito – e os computadores, as conexões, as reformas, tudo fica de lado enquanto você lhe dá a mais que merecida atenção.

E, só de lembrar, o coração fica apertado e a garganta se fecha, de um modo que, não tendo pra onde escoar, a emoção represada sobe, avançando sobre os impostos limites, rompendo os diques d’alma e se transformando em lágrimas que rolam pela face e salgam meus lábios…

E, mais uma vez, pergunto-me onde estou.

Pois o lugar onde eu queria estar – onde eu deveria estar – é ali, com eles. Com o pé na lama. Encharcados, sujos, enlameados e felizes.

É, na prática a vida é mais simples do que a gente imagina.

Mas a gente teima em complicar.

Em ser complicado.

Modelo fotográfico

– Paiê, olha só, acho que meus dentes estão ficando molinhos…

– Deixa eu ver filho… Nossa! É mesmo!

– Então esse dente vai cair?

– Isso mesmo, já está nascendo outro dentinho por baixo e que está se alimentando da raiz desse aí. Por isso é que fica molinho assim. Ele só vai sair quando o seu novo dente estiver pronto e forte pra aparecer.

– Quer dizer que eu vou ficar banguelinho?

– É…

– LEGAL!!!

– Heh… Só você mesmo… Escuta, então deixa eu tirar uma fotinho do seu sorriso antes de ficar banguelinho?

– Ah, não!

– Deixa, vai?

– Não.

– Só uma fotinho, filho…

– Não quero.

– E seu eu sair junto na foto?

– Do meu ladinho?

– É.

– Então pode.

– Mas você vai sorrir direitinho?

– Vou sim!

– Tãotáintão…

“Fiat Lux”

Já contei este causo antes aqui.

Mas não custa relembrar…

Quando eu era adolescente (tá, mais criança que adolescente) me deparei com um texto que já tinha um “cheiro” de antigo, de autor desconhecido, mas que me cativou na primeira leitura. Eu o copiei num caderno e reiteradamente através dos anos o reescrevi e guardei, pois prometi para mim mesmo que quando tivesse um filho faria um quadro com esse texto e o colocaria na parede. Levou mais de quinze anos desde essa “descoberta” até a vinda de meu primeiro rebento – mas cumpri minha promessa! Fiz o quadro nas primeiras semanas de vida de meu filhote mais velho – e ele perdura na parede até hoje. O texto é o seguinte:

O que é um menino?

Os meninos se apresentam em tamanho, peso e cores sortidas. Encontram-se por toda a parte, em cima, embaixo, dentro, fora, trepados, pendurados, caindo, correndo, saltando. As mães os adoram, as meninas os detestam, as irmãs e os irmãos mais velhos os toleram, os adultos os ignoram e o Céu os protege. Um menino é a verdade de cara suja, a sabedoria de cabelo esgadelhado, a esperança de calças caindo. Tem o apetite do cavalo, a digestão do avestruz, a energia da bomba atômica, a curiosidade do mico, os pulmões de um ditador, a imaginação de Júlio Verne, a timidez da violeta, a audácia da mola, o entusiasmo do buscapé e tem cinco polidáctilos em cada mão, quando pratica suas reinações. Adora os doces, os canivetes, as serras, o Natal e a Páscoa; admira os reis e os livros de figuras coloridas; gosta do guri do vizinho, do ar livre, da água, dos animais grandes, do papai, dos automóveis e dos trens, dos domingos, das bombas e traques. Abomina as visitas, o catecismo, a escola, os livros sem figuras, as lições de música, as gravatas, os casacos, os barbeiros, as meninas, os adultos e a hora de dormir.

Levanta cedo e está sempre atrasado à hora das refeições. Nos seus bolsos há sempre um canivete enferrujado, uma fruta verde mordida, um pedaço de barbante, dois botões e algumas bolinhas de gude, um estilingue, um pedaço de substância desconhecida e um objeto raro, que lhe é precioso por 24 horas. É uma criatura mágica. Você pode fechar-lhe a porta do seu quarto de ferramentas mas não a do seu coração… Pode expulsá-lo do seu escritório mas não do seu pensamento. Toda a sua importância e a sua autoridade se desmoronam diante dele, que é o seu carcereiro, seu chefe, seu amo… Ele, um despótico e ruidoso mandãozinho!… Mas quando você volta para casa, à noite, de esperanças e ambições despedaçadas, ele pode compô-las num instante com as suas palavrinhas mágicas: “OH! – PAPAI!”.

Questão de orgulho (II) – Lição de humildade

Então.

Há exatamente um ano o filhote nº 1 ganhou uma medalha de ouro. Na escola em que ele estuda – Colégio Adventista – sempre é promovido o chamado “Mérito Acadêmico”, onde as crianças que mais se destacaram ganham medalhas. Sem exceção. São entregues algumas de ouro, várias de prata, muitas de bronze. Pouquíssimas de diamante.

Ele ganhou uma medalha de ouro e eu, corujão que sou, fiquei todo prosa, como demonstrei aqui.

Alguns meses depois, nova entrega de medalhas. Ele foi novamente chamado. Desta vez ganhou a de prata.

Confesso que fiquei um tanto quanto desconcertado. “Como será que ele vai reagir?”, eu me perguntei. Fui até ele, antes mesmo que voltasse para seu assento e procurei encorajá-lo com palavras de ânimo e coisa e tal…

Ele levantou a cabeça, olhou para mim com aquele sorriso iluminado e disse:

“Viu que legal, pai? Quanta gente ganhou? Tomara que na próxima eu pegue a de bronze, aí terei as três!”

Primeiramente fiquei mais desconcertado ainda. Perguntei pra mim mesmo: “Mim mesmo, será que ele quer piorar na escola para completar uma coleção?” Mas conversando mais um bocadinho com ele é que me caiu a ficha. Não era nada disso. Essa “competição” não existe. É uma maneira de estimular todos para que melhorem ainda mais. Qualquer das medalhas é um mérito, pois quanto mais alunos ganharem significa que a classe inteira está melhor.

Mas eu não vi isso.

Fui orgulhoso.

Até arrogante.

Mas a gente sempre aprende, se quiser.

Em especial, humildade.

E, nesse dia, aprendi essa valiosa lição com meu filho…

PS: Hoje novamente serão entregues medalhas. Não sei se ele vai ganhar alguma. E, caso ganhe, não sei qual seria. Mas, qualquer que seja o resultado, tenho certeza absoluta de que ficará feliz. E tenho mais certeza ainda que continuarei tendo muito que aprender…

Emenda à Inicial: Apesar da lição de humildade (bem como das chuvas e trovoadas), o orgulho paterno ainda impera. E eis que o Kevin foi medalhista novamente. Ouro...