Luto infantil

E então o filhotinho de uma amiga conheceu a música “Plunct, Plact Zum”, do Raul Seixas. E adorou. E queria ficar ouvindo a toda hora. E então falou com sua mãe:

– Mãe, legal essa música, né?

– É filho, é.

– Quem é que canta, mesmo?

– O nome do cantor é Raul Seixas, filho.

– Eu queria conhecer ele…

– Ah, mas não vai dar não…

– Ué? Por quê?

– É que ele já não está mais com a gente. Ele foi pro Céu.

– Quer dizer… Que ele morreu???

– É, filho.

– BUUÁÁÁÁÁÁÁÁ!!!

– ???

E assim foi. Não houve nada que consolasse o petiz. Continua lastimoso e de luto pelo pobre Raul. E se alguém toca no assunto, a voz fica imediatamente embargada e os olhos lacrimejantes.

De fato, um sentimento de luto muito mais sincero do que muitos que já vi por aí com pessoas, às vezes, mais íntimas do que algum cantor Maluco Beleza do qual só se conhece pela música…

Profissionais da comunicação

Cena: pai, todo orgulhoso, num restaurante na hora do almoço, explicando que o filho de apenas quatro anos recém- completados adora esportes, todo tipo de esportes, sem exceção:

– O garoto é assim. Sempre gostou de esportes. Tô até pensando em inscrevê-lo numa escolinha de natação, mas vou esperar o verão, né? Tá muito frio por estes dias… – e , virando-se para o petiz, ali do lado – E aí? Que é que você acha filhão?

– Paaaaaai… Eu gosto de assistir esportes, não de fazer esportes…

Na hora quase engasguei ante um iminente acesso de riso.

O pai ainda tenta se justificar: “Tá vendo? Essa criançada de hoje é muito esperta mesmo….”

De fato. Como já dizia o Velho Guerreiro, quem não comunica…

Grandeza animal

– Mãiê?

– Oi, meu amor.

– O que é maior: um inseto ou uma formiga?

– Não faz sentido, meu anjo, pois a formiga é um tipo de inseto.

– Ah…

Com todos à mesa durante o café da manhã, após essa resposta, do alto de seus cinco anos de idade, o filhote do meio parou, pensou, sorveu calmamente mais um longo gole de sua canequinha, olhou desconfiado com o rabo dos olhos e voltou à carga.

– Mas então o que é maior: um inseto ou uma formiga?

A Dona Patroa, sorrindo para ele, deu um longo suspiro e tentou de novo.

– Meu amor, não tem como dizer o que é maior, pois é a mesma coisa. A formiga é um tipo de inseto. Assim como tem a aranha, o pernilongo, o mosquito, também tem a formiga e todos são um tipo de inseto. No reino animal, além dos insetos, temos também as aves, como os passarinhos, temos também os herbívoros, como as vaquinhas, temos também os mamíferos, como nós e todos aqueles outros tipos de animais que mamam um leitinho. Entendeu?

– Ah… Sim!

– Agora você sabe porque não dá pra comparar o tamanho de inseto e de formiga, porque é a mesma coisa?

– Sim!

– Então tá bom…

Dessa vez foi ela quem calmamente começou a levantar sua xícara de café, quando:

– Mãiê?

– Oi, meu amor.

– Então, o que é maior: um mamífero ou uma baleia?…

Piloto Automático – V

( Direto das catacumbas do Legal… )

AND THE OSCAR GOES TO…

Vai para meu filho, Erik, pela “melhor performance espontânea”. Ontem, final da tarde, do alto de seus dois anos e meio, ele nos convocou direto do banheiro. É que ele estava fazendo “totô” (criança nunca defeca, faz “totô”) e, após terminado o serviço ele nos chamou…

Ele simplesmente continuou sentadinho, inclinou-se beeeem pra frente, abaixou a tampa do vaso sobre as costas e disse: “Paiê, Mãiê: Tartaiuga!…”

* Publicado originalmente em 05/JUL/2004

Reuniões

Reuniões. Taí uma coisa que me dá arrepios. Principalmente se falarmos em administração pública – qualquer que seja a esfera: municipal, estadual ou federal.

Eu costumo dizer que reuniões se assemelham a ervas daninhas. Surgem espontaneamente do nada, a qualquer momento e, quando você menos espera, já está envolto numa delas.

Mas, pior que isso são aquelas do tipo “reunião-de-marcar-reunião”. Fala-se muito, discute-se pouco, conclui-se nada. Ou melhor, tem conclusão sim: a data da próxima reunião, quando o assunto será então retomado…

Como estou de férias, pensei que tinha – pelo menos por algum tempo – me livrado desse tipo de coisa. Ledo engano. Já no meu primeiro dia, na última sexta-feira, quando meus filhotes também entraram de férias, lá fui eu nas respectivas escolas de cada um para retirada de seus trabalhos, do boletim e – adivinhem? Sim. Reunião do bimestre…

Entretanto, foi uma grata surpresa. Cada uma das professoras, a seu modo, em poucos minutos organizou aquela montoeira desconexa de pais e mães perdidos por ali (muito mais mães que pais, diga-se de passagem), tendo entrado diretamente no assunto, ou seja, o que foi lecionado no decorrer do bimestre, o desempenho global da turma, e, ao entregar os trabalhos de cada aluno, foram fazendo rápidas observações e recomendações caso a caso.

Simples. Rápido. Eficaz.

Quando menos esperava já estava voltando para casa, com um quadro geral na cabeça sobre tudo o que tinha ocorrido no bimestre inteiro com cada um dos filhotes.

Pois é… Talvez nossos políticos, agentes públicos, chefias, gerentes e administradores em geral devam fazer um curso de especialização com as professorinhas do ensino infantil para que aprendam como deve ser uma reunião…

* Post Scriptum – Só para constar: o filhote nº 1 (oito anos) tem apresentado uma sociabilidade maior, inclusive ajudando os colegas e mantendo boas notas; o filhote nº 2 (cinco anos), apesar de obediente, é meio que expansivo demais, não captando o dever num primeiro momento (na minha época chamávamos isso de “bagunceiro”); e já o filhote nº 3 (três anos) teve uma boa integração com a turma e não sente mais a falta da mãe no começo das aulas.

Hora de dormir

E então chegou a hora de dormir. Pelo menos, a da criançada. Todos no mesmo quarto, cada qual na sua cama.

Cubro o filho nº 1 e lhe dou um beijo de boa noite.

“Boa noite, pai.”

Cubro o filho nº 2 e lhe dou um beijo de boa noite.

“Bá noite pai!”

Cubro o filho nº 3 e lhe dou um beijo de boa noite.

“B’noiti…”

Apago a luz do quarto e no milésimo de segundo seguinte, o filho nº 3, coincidentemente de 3 anos, decreta:

– Paiêêê! Tá luuuz!

– Hein? Mas o papai já apagou a luz, filho.

– Tá luuuz!

– Ah! A do corredor? É pra apagar?

– É.

(Um detalhe: esse “É” dele é um negócio engraçado, posto que definitivo – vem lá do fundo do estômago e se manifesta como num sopro bem curto, encerrando qualquer questão de uma vez por todas. Ou quase.)

Então, apaguei a distante luz do corredor e já estava voltando para meu quarto, quando:

– Paiêêê! Tá luuuz!

– Como assim, filho? Papai acabou de apagar! Não tem mais luz nenhuma, não…

– Cártu…

– Quê? A do quarto do papai? Mas a mamãe tá no banho e daqui a pouquinho vem pra cá e vai precisar da luz, filho. Vamos fazer o seguinte: papai vai ler só um pouquinho e já, já apaga a luz. Combinado?

– Binádu…

Foi o tempo de me deitar, puxar o edredom, abrir o livro, e…

– Paiêêê! Tá luuuz!

Dali mesmo já soltei: “Filho, DÁ UM TEMPO! Nós já não combinamos que daqui a pouquinho o papai vai apagar a luz? Vai dormindo aí, que já já apago, tá bom?”

Silêncio.

Dez segundos depois:

– Paiêêê! Tá luuuz!

Nesse meio tempo a Dona Patroa chegou, contei-lhe (em tom de súplica) toda a desventura, e ela, pacientemente foi lá conversar com o pequerrucho. Ufa! Finalmente eu conseguiria voltar à minha leitura…

Alguns minutos depois ela voltou e se aconchegou ao meu lado, com frio. Foi o tempo exato de ela se aninhar:

– Paiêêê! Tá luuuz!

– SERÁ POSSÍVEL? TÁ BOM, TÁ BOM! JÁ VI QUE PERDI MESMO! EU APAGO A BENDITA DA LUZ E TODO MUNDO DORME FELIZ, TÁ BOM? TÁ BOM?

Apaguei a malfadada luz (pra não dizer outra coisa), me enfiei debaixo do edredom (confesso que ainda bufando) e mal tive tempo de fechar os olhos, quando ouvimos a vozinha dele no quarto ao lado:

– Paiêêê! Tá escuuuro!…