Licença-maternidade por seis meses

E como é que é isso?

Trata-se da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, que instituiu o Programa Empresa Cidadã e visa prorrogar por mais 60 (sessenta) dias a licença-maternidade – além dos 120 dias já previstos na Constituição Federal (artigo 7º, inciso XVIII).

Mas nada é tão direto assim. Em primeiro lugar, dessa prorrogação só pode usufruir a empregada de pessoa jurídica – quem trabalhar para pessoas físicas, não. E a tal da pessoa jurídica deve estar inscrita no Programa, o que nos deixa ao bel-prazer dos empresários avaliarem se querem ou não estender essa benesse a suas funcionárias. E mesmo a empregada que desejar essa prorrogação deve requerê-la ao seu empregador, no máximo, até o primeiro mês após o parto.

E daí? Poderá ficar em casa por mais dois meses curtindo sua nova prole?

Sim, DESDE QUE, nesse meio tempo, não se meta a arranjar outro trabalho nem deixe a criança em alguma creche ou coisa do gênero. Vai continuar recebendo seu salário integral nos mesmos moldes legais da licença-maternidade “normal”. Heh… Do jeito que é esse novo povo brasileiro, doido para dar um jump, vão pulular os bicos, trabalhos informais e crianças nas casas de mães, avós, etc…

E a empresa? Fará isso tão-somente pela bela cor dos olhos de suas empregadas? Porque realmente quer ser uma “Empresa Cidadã”? Porque almeja o social antes de mais nada? Nãããããããão… Ao aderir ao Programa a empresa terá direito de deduzir de seu imposto de renda devido o valor integral utilizado para o pagamento da prorrogação. Mas um detalhe: é só para a pessoa jurídica tributada com base no lucro real! Aquelas tributadas com base no lucro presumido ESTÃO FORA! Isso significa que as funcionárias de, por exemplo, empresas optantes do SIMPLES (microempresas) não poderão contar com essa prorrogação, pois seus patrões não poderão se inscrever no Programa. No projeto original até poderiam, mas pelo receio de a Receita Federal não ter como fiscalizar isso, resolveram vetar esse pedaço.

O interessante é que esse Programa não faria sentido na própria Administração Pública, pois não haveria vantagem fiscal alguma para estes entes. E qual a solução, então? Jogar a batata quente no colo de toda a Administração Pública direta, indireta e fundacional, para que eles se virem, pois agora estão devidamente “autorizados” a instituir seus próprios programas de prorrogação da licença-maternidade (nos mesmos moldes do original). Esperto, muito esperto…

Agora, interessante será ver o exercício de chutologia a ser feito pelo Governo. Isso porque, para atendimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, essa benesse concedida às empregadas às empresas implicará na chamada “renúncia de receita” (afinal, haverá dedução nos impostos devidos), o que deverá constar expressamente no orçamento público. Fico imaginando como será que vão estimar o quantum dessa renúncia nesse nosso país de proporções continentais.

Agora, o nó da coisa. Apesar de a Lei já estar em vigor, ela só produzirá efeitos “a partir do primeiro dia do exercício subsequente àquele em que for implementado o disposto em seu artigo 7º”, ou seja, SE houver previsão no orçamento DESTE ano (sim estamos falando da LDO e do Plurianual), no início DO ANO QUE VEM as empresas poderão se inscrever no Programa Empresa Cidadã.

E uma última questão de ordem técnica. A ementa da Lei é clara ao dizer que cria o Programa Empresa Cidadã e altera a Lei nº 8.212/91. Fucei, fucei e não vi alteração nenhuma. Só depois eu encontrei. O artigo que alterava a Lei nº 8.212/91 (Lei da Seguridade Social) foi revogado. Sua intenção era que os valores gastos pela empresa a título de pagamento da prorrogação da licença-maternidade não integrassem o salário-de-contribuição (base de cálculo da contribuição previdenciária). Ou seja, SERIA menos INSS para deduzir da empregada, o que significaria uma graninha a mais no bolso. A justificativa para expurgar essa alteração do texto da Lei é de que o salário-maternidade original (120 dias) já integra a base de cálculo, havendo incidência da contribuição previdenciária, portanto seria contraditório a não incidência dessa contribuição sobre os valores referentes à prorrogação, blá, blá, blá, blá…

ENFIM, sim, a empregada vai também pagar INSS sobre esse valor.

Apesar de ter lá minhas dúvidas acerca do real interesse das empresas em se inscreverem nesse Programa Empresa Cidadã, parece-me uma iniciativa com boas intenções. Bem, conhecem o ditado, não é? De boas intenções…

E, pra fechar, ao analisar as entrelinhas das razões de veto dessa Lei, sou forçado a repetir algo que já disse por aqui antes (de autoria do Millôr): “Contribuinte, eu? Vaca dá leite? Tiram dela!”

Emenda à Inicial: Conversando com a expert de plantão em assuntos legislativos, minha amiga Dra. Sheilíssima, me veio a mente um ponto que esqueci de comentar. É que o benefício da prorrogação é cabível também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança. Afinal  de contas, nada mais justo…

Licitação do metrô de São Paulo

Bizarro.

É o mínimo que posso dizer.

Trabalho diariamente com licitações, em suas mais diversas formas e modalidades, e ver uma coisa desse tipo realmente me choca. É uma falta de respeito, de dignidade, de profissionalismo e, sobretudo, de moral. Conchavos e acertos de qualquer espécie têm que ser rechaçados em busca de uma imagem decente da Administração Pública. E se ainda existe esse tipo de coisa é porque também existe quem se deixe levar. Fiquei sabendo da história lá pelo efeefe e fui conferir no bugio. Segue, na íntegra.

O resultado da licitação para a construção da via permanente 2-Verde do Metrô, obra de mais de R$ 200 milhões, foi antecipado pela Folha Online oito horas antes da abertura dos envelopes, ontem, em São Paulo. O nome da vencedora e detalhes do processo foram ocultados em texto sobre a ópera “Salomé”, que entrou em cartaz ontem na Sala São Paulo.

A antecipação mostra que a concorrência pode ter sido direcionada, de forma a dar vitória ao consórcio liderado pela Camargo Corrêa. Procurada, a empresa se recusou a falar sobre o assunto.

“Deixar de ganhar não é perder”

Caramba, já tem quase nove anos que eu defendo uma idéia como essa! Basta dar uma olhada neste antiquíssimo artigo que escrevi. Será que nossos tribunais poderão, por analogia, bom senso ou mesmo iluminação divina estender tal entendimento à indústria de software?

Mistéééério…

Por enquanto fiquemos com esta interessante decisão sobre furto de energia:

FURTO DE ENERGIA ELÉRTICA – ABSOLVIÇÃO

Furto – Energia elétrica – “Gato” em minimercado – “Deixar de ganhar não é perder” – Absolvição

Se a implantação do “bichano” é feita na rede pública, não há como se reconhecer a concessionária, simploriamente, como “lesada”, eis que não sofre esta qualquer prejuízo, diminuição ou desfalque patrimonial. Nos crimes em que se tutela o patrimônio, sob qualquer de suas formas, haverá que se ter um lesado devidamente individualizado, pois inexiste “furto” em que o sujeito passivo seja toda a coletividade, certo que a concessionária de serviços de fornecimento de eletricidade obra com tarifas, que são as despesas ou custos de um serviço, rateados entre todos os consumidores. “Deixar de ganhar não é perder”, certo que a concessionária não pode lançar como “prejuízo” o que deixou de receber de quem quer que seja pelo fornecimento da energia elétrica, lançando tais ausências de receitas em sua contabilidade. O “gato” é ilícito administrativo, sem dúvida, devendo a concessionária avaliar, estimar e cobrar o que entender cabível, mas não indigitá-lo como ilícito penal, seletivamente, pois é público e notório que não se aventura em cobrar os domicílios em favelas e comunidades carentes. Provimento do Apelo para absolver o recorrente com fulcro no art. 386, inciso II, do CPP. Voto vencido.

(TJRJ – 7a. Câm. Criminal; ACr nr. 2007.050.06186-Niterói-RJ; Rel. Des. Eduardo Mayr; j. 31/1/2008; m.v.)

Repetitivamente repetitivo

E eis que a partir desta quarta-feira o STJ – Superior Tribunal de Justiça começa a aplicar a Lei dos Recursos Repetitivos. A idéia é mais ou menos a seguinte: quando houver uma grande quantidade de recursos sobre o mesmo tema o presidente do tribunal de origem poderá selecionar um ou mais processos sobre o assunto e encaminhar somente esses recursos ao STJ. As demais ações consideradas idênticas ficarão com julgamento suspenso até a decisão final vinda lá do STJ. E, após essa decisão, os tribunais de origem deverão aplicar o tal do entendimento de imediato.

Desculpem-me, mas qual seria mesmo a GRANDE diferença se comparada tal situação à da súmula vinculante?

Por que mesmo existe o judiciário se não para JULGAR o mérito das ações?

E se eu não concordar que a matéria de uma eventual ação que eu tenha ajuizado – e que tenha ficado com o julgamento suspenso – seja “idêntica” àquela do processo selecionado para análise pelo STJ?

Isso porque o § 7º do artigo 543-C inserido pela Lei 11.672/08 que alterou o CPC – Código de Processo Civil (ufa!) não trata diretamente acerca dessa situação.

Mesmo que indiretamente isso acaba dando (ainda mais) poderes para o judiciário legislar, definindo, segundo seu próprio senso, o que entenderia como “correto”.

Na minha humilde opinião, um perigo isso.

Um perigo…

SAC – Regulamentação

E eis que saiu a regulamentação para os órgãos de Serviço de Atendimento ao Consumidor das empresas – vulgarmente conhecidos como “SAC”. O Decreto foi assinado na semana passada e as empresas terão 120 dias (quatro meses, tá?) para se adaptar. A tentativa é boa. Vamos ver se funciona. Particularmente considero um VISITA AO INFERNO toda vez que tenho que apelar a esses (des)serviços – usualmente da Telefônica. Abaixo segue os detalhes dessa regulamentação. Ah, e, de fato, o gerundismo (não o gerúndio) ficou de fora…

  • O SAC deve garantir ao consumidor, no primeiro menu eletrônico e em todas as suas subdivisões, o contato direto com o atendente.
  • Sempre que oferecer menu eletrônico, o SAC deverá assegurar que as opções de reclamações e de cancelamento de serviços figurem entre as primeiras alternativas.
  • O SAC deve estar disponível, ininterruptamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana.
  • O número do SAC deverá constar em todos os documentos e material impresso entregues ao consumidor no momento da contratação do serviço e durante o seu fornecimento.
  • Deverá ser oferecido ao consumidor um único número de telefone como via de acesso ao atendimento, mesmo que a empresa ou grupo empresarial preste diversos serviços.
  • O sistema informatizado responsável pela operacionalização das demandas deverá garantir ao atendente o acesso ao histórico das demandas do consumidor
  • É vedado, durante o atendimento, exigir a repetição verbal ou digital dos dados pessoais do consumidor.
  • É vedada a veiculação de mensagens publicitárias durante o tempo de espera para o atendimento, salvo se houver prévio consentimento do consumidor.
  • O acesso para alteração do contrato de prestação de serviços deve ser oferecido ao consumidor pelos mesmos meios em que a contratação estiver disponível.
  • O registro de reclamação, pedido de cancelamento e solicitação de suspensão ou cancelamento de serviço será mantido à disposição do consumidor por um período mínimo de dois anos após a solução da demanda, ficando disponível para acesso do órgão fiscalizador ou do consumidor, sempre que solicitado.
  • O consumidor terá direito de acesso ao conteúdo do histórico de suas demandas, que lhe será enviado, quando solicitado, no prazo máximo de setenta e duas horas.
  • As informações solicitadas pelo consumidor devem ser prestadas imediatamente e suas reclamações devem ser resolvidas no prazo máximo de cinco dias úteis.
  • O consumidor deverá ser informado sobre a resolução de sua demanda e, sempre que solicitar, deverá ser-lhe enviada a comprovação pertinente, pelo meio por ele indicado, inclusive mensagem eletrônica ou correspondência.
  • O SAC deve receber e processar imediatamente o pedido de cancelamento de serviço feito pelo consumidor.
  • O pedido de cancelamento deverá ser permitido e assegurado ao consumidor por todos os meios disponíveis para a contratação do serviço.
  • Os efeitos do cancelamento devem ser imediatos à solicitação do consumidor, ainda que o seu processamento técnico necessite de prazo, e independe de seu adimplemento contratual.
  • O comprovante do cancelamento deverá ser expedido, sem ônus, e encaminhado pelo meio indicado pelo consumidor, inclusive mensagem eletrônica ou correspondência.
  • As empresas prestadoras de serviço devem incorporar as presentes normas, inclusive em seus contratos de terceirização com as empresas que prestam o SAC, a fim de assegurar que os parâmetros de qualidade constantes deste Decreto sejam cumpridos.
  • O atendimento das solicitações e demandas previstas neste Decreto não deverá resultar em qualquer ônus para o consumidor.

Criaram o Habeas Copus

Boa!

Direto lá do Sergio Leo:

Os frequentadores deste Sítio sabem que sou contra a lei seca, só porque não admito que, para prender os bêbados irresponsáveis, eu seja proibido de manter meu hábito de beber meia garrafa de vinho às sextas com minha mulher, em esquinas brasilienses como o Rayuela Bistrot. Oliveira, o canalha da redação, que se acostumou a levar as futuras namoradas para bebericar uma cervejinha, só para “azeitar a relação”, como diz ele, também se queixa da nova lei.

A lei antiga já permitia prender os irresponsáveis. Era boa. E bastava botar na rua as blitzen que agora saíram dos quartéis. (Se bem que Barros, o neoliberal da redação vocifera ao meu lado contra a blitz no trânsito. “Estado policial! Estado policial!”, brada ele).

Bom, o negócio é que, antes mesmo que comece o previsível achaque policial aos bebedores sociais, os bêbados inventaram em Brasília a Corrente da Goró, ou coisa que o valha. Algo condenável, uma troca de mensagens por celular e e-mail alertando os bebuns sobre as blitzen na cidade. E, me informa o Ruy Baron, numa reação mais política, em Santa Catarina, acrescentaram essa nova figura no Direito pátrio, o habeas copus:

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina concedeu duas liminares que tratam sobre a nova legislação de trânsito no Brasil, a chamada “Lei Seca”. Um grupo de 13 pessoas de Florianópolis obteve liminar em habeas corpus junto ao TJ para impedir a aplicação automática das penalidades previstas nos artigos 165 e 277 do Código de Trânsito Brasileiro – suspensão de carteira de habilitação, multade R$ 900,00 e apreensão de veículo – simplesmente por se negar a se submeter ao exame de alcoolemia, comumente realizado através do bafômetro.

A decisão foi tomada pelo desembargador Luiz Cézar Medeiros, com base em preceitos constitucionais. Ela não se aplicará, contudo, caso os motoristas forem flagrados em aparente estado de embriaguez, exteriorizado, por exemplo, a partir de andar cambaleante ou direção em zigue-zague. “É necessário ressaltar que a ilegalidade da exigência é verificada em casos em que o condutor do veículo não aparenta estar sob a influência de álcool”, reforçou Medeiros, em seu despacho.

Em resumo, o magistrado deixa claro não considerar abuso a aplicação de tais medidas administrativas – independente da negativa do motorista em se submeter ao bafômetro – quando a pessoa demonstrar estar claramente sob a influência de álcool. O que não pode, conclui, é tornar regra a penalização administrativa de condutores aptos à direção, tão somente pela negativa em se submeter aos referidos exames. “Nesses casos, não há necessidade nem obrigatoriedade por parte da autoridade de trânsito de aplicar as penas administrativas previstas no CTB”, reitera.

No final desta tarde (23/07), em outra decisão sobre a mesma matéria, o desembargador substituto Paulo Henrique Moritz Martins da Silva concedeu, liminarmente, salvo conduto para que uma cidadã da Capital não seja tolhida da liberdade de ir, de vir, de ficar, de permanecer, por recusar-se ao teste de alcoolemia em diligência policial, sem que por isto seja penalizada automaticamente com base no Código de Trânsito Brasileiro.

O magistrado, contudo, faz o mesmo comentário aposto na liminar deferida pelo desembargador Medeiros: “observada a ressalva da direção anormal e perigosa, que coloque em risco a segurança viária”. (Habeas Corpus n. 2008.041165-4 e n. 2008040712-9).