Ctrl-C nº 04

( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 04, de fevereiro/2003 )

* NOTA: Essa foi a abertura de uma das edições de um e-zine que escrevi, de nome Ctrl-C, a qual transcrevo aqui no blog para viabilizar futuras buscas por artigos.

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 Qualquer lei será tão obtusa quanto o for seu intérprete...
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Buenas.

Desde a última vez que escrevi no Ctrl-C muita coisa aconteceu…

Dentre as grandes mudanças de minha vida, em primeiro lugar, temos o nascimento de meu segundo filho, Erik (que já está com mais de um ano de vida, andando e querendo começar a falar). E, também, apesar de sempre ter sido um “infomaníaco” declarado, hoje estou trabalhando na Prefeitura de Jacareí, na área de licitações, contratos e convênios, matéria fascinante e sobre a qual ainda falarei algo por aqui. Por fim, descobri uma nova paixão, na forma de (mais) um hobbie que venho desenvolvendo: a genealogia.

Na realidade o número dessa edição não deveria ser “quatro”, mas sim “três e meio”, pois não tive o tempo necessário para me aprofundar nos temas, como usualmente eu faço. Na prática, estou escrevendo-o para enfrentar uma noite de insônia, bem como dar um suspiro de alento ao pobre do Ctrl-C…

Justamente pela falta de tempo em função de minhas novas atividades fui obrigado a abandonar o domínio básico “www.habeasdata.com.br”, que estava totalmente sem manutenção, mas com custo mensal contínuo. Optei por um dos gratuitos, no caso o Kit.Net. Até que se prove o contrário, bem bãozinho.

No mais vamos levando, tentando me manter informado do que rola no mundo informático, até para manter a mão treinada, e com sincera e profunda ESPERANÇA (nada a ver com a novela que acabou) no nosso novo governo, desejando que o Lula, ops, quer dizer, que o Excelentíssimo Senhor Presidente Lula faça uma boa administração.

Certa vez li num gibi (será que ainda existe alguém que usa esse termo?), que tratava da eleição de um novo presidente – fictício – nos Estados Unidos dos anos sessenta, a seguinte frase: “O fato de Prez ser um BOM presidente surpreendeu a muitos, mas ser ÓTIMO surpreendeu a todos”.

E é isso que eu espero de Lula: que ele surpreenda a todos.

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 Adauto                           .--`--'../
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                             INFORMATION MUST BE FREE !

 
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NESTE NÚMERO:

I. É agora ou nunca! – Novo governo quer promover o Software Livre em todo o Brasil. Será que conseguem resistir ao lobby das grandes empresas? (Maurício Martins)
II. Software Livre e Linux: a grande diferença (Derneval R. R. Cunha)
III. A Lei de Murphy – qual sua origem, afinal?
IV. Humor
V. Bibliografia

Edição Anterior

Próxima Edição

Homens e mulheres que fazem a DC Comics

Karen Berger

Antes de trabalhar na DC, Karen Berger nunca foi fã de quadrinhos. Isso não a impediu de ser uma das mais respeitadas editoras do meio. “Bem, fiz o tipo de quadrinhos que eu gostaria de ler. Felizmente, muitas outras pessoas também gostaram!” Ela ficou com a edição das revistas da área de horror e fantasia.

Karen foi essencial para transformar o Monstro do Pântano num dos títulos mais premiados, e seus esforços em sofisticar o horror continuam ainda hoje. Mesmo os títulos de heróis que edita não seguem a regra – Mulher-Maravilha e Homem-Animal são aclamados por não serem comuns. “Uma coisa que aprendi com os argumentistas talentosos com quem convivi foi trabalhar por uma outra perspectiva situações já muito exploradas”.

Karen gastou muita energia para se tornar a ligação britânica oficial da DC. “É incrível a quantidade de talentos que existe lá”. Ela descobriu que, vindos de uma cultura diferente, os ingleses trabalham HQs de modo diferente. “Alan (Moore) nos mostrou que quadrinhos de terror não precisam ser violentos e assustadores”.

Perguntada sobre qual o lançamento mais excitante que está preparando: “É duro responder. Um editor é como um pai. Tenta amar todas as revistas igualmente. Até estremeço ao pensar no que Grant (Morrison) e Dave (McKean) fizeram com o Asilo Arkham. É de assustar!”.

Mike Carlin

“Algumas pessoas dizem que nasci para editar as revistas do super-herói mais famoso do mundo! Bem… na verdade, só a minha mãe disse isso”, admite Mike Carlin. Ele foi apresentado aos quadrinhos pela sua mãe, grande fã do Super-Homem. “Enquanto estive na Marvel, ela nunca foi me visitar. Mas, assim que fui pra DC e comecei a editar o Super-Homem, ela apareceu”!

O amor de Mike por super-heróis se expressa na grande quantidade de títulos antigos que edita. “Trabalhar com o Super é legal, mas também é muito bom lidar com os personagens criados pelo Kirby”.

Mike ajudou a relançar os Novos Deuses em Odisséia Cósmica e no título mensal Novos Deuses. Sua linha de publicações inclui Doc Savage e Rapina & Columba. “R&C decolou mesmo! Isso é gratificante, já que a dupla vinha sendo pouco publicada”. Ele também gosta de trabalhar com personagens menos tradicionais, como Sombra, Justice Inc. e Adam Strange.

De tudo o que fez desde que entrou na editora, Carlin se orgulha mesmo é de manter fortes os vários títulos do Super-Homem. “Trabalhar com gente como o Ordster (Jerry Ordway), Sterno (Roger Stern) e Gammilmeister (Kerry Gammil) tem sido um sonho”. Mike impôs uma aproximação consistente e variada do herói, criando uma superequipe para tanto. A mais recente aquisição é George Pérez. “Aí está um cara que conhece o Super! Ele se encaixa como uma luva na equipe”.

Quando elogiado por sua superfaçanha, Carlin responde: “Manter os supertítulos na linha não é nada… tirar um argumento de Andy Helfer… isso é um problema!”.

Mike Gold

Um dos trabalhos mais gratificantes que Mike Gold faz é por trás dos cenários. A maioria deles são esforços como diretor de desenvolvimento da DC. “Basicamente, a equipe de desenvolvimento da DC deve descobrir novas áreas onde a editora possa atuar. Tentamos expandir o material que fazemos, e isso inclui desenvolver propriedades dinâmicas em outras áreas e meios de comunicação”.

Como editor, Gold é responsável por alguns dos títulos mais famosos da DC. “Tenho sorte de estar trabalhando com pessoas muito criativas no mundo dos quadrinhos, de Denny O’Neil e Denys Cowan no ‘Questão’ até Mike Grell, Dan Jurgens e Ed Hannigan em ‘Arqueiro Verde’, fora o projeto Swamp Angel, de Grell”.

A ressureição do Gavião Negro é outro sucesso de Mike na revitalização dos personagens mais venerados da DC, incluindo o Arqueiro Verde e o Flash. Outra grande obra do editor foi selecionar histórias para as coletâneas “Melhores Histórias do Batman” e “Melhores Histórias do Coringa”. Entretanto, é a estréia de novas séries que mais agrada a Mike. “Considero cada lançamento um grande projeto. A criação de um título é a parte mais gostosa do negócio”. Ele e e seu grupo têm várias propostas interessantes em mente, incluindo adaptações de tiras de jornal e de grandes filmes de cinema.

Andy Helfer

Se comparássemos a edição de quadrinhos a crianças brincando na praia, você não poderia deixar de notar um garoto construindo os castelos de areia mais incríveis que já viu. Andy Helfer atribui seu sucesso como editor ao fato de que permaneceu criança em seu coração. “Se não é legal, por que fazer?”. O amor que dedica aos livros, quadrinhos, brinquedos, jogos, filmes, música e tudo o que for colecionável transmite frescor e atualidade às revistas por ele editadas.

O sucesso da revitalização da Liga da Justiça é uma evidência. “Quando os ‘cabeças’ me disseram que eu poderia fazer o que quisesse para a revista vender, pensei: ‘Vamos fazer exatamente o contrário do que o pessoal vem fazendo!'”. Embora a lógica não pareça muito clara, a teoria de Andy se mostrou correta. “As outras publicações estavam sérias demais. Então, pensei: ‘Por que não fazer revistas engraçadas de novo?’ Aí veio o sucesso. Parecia que todos queriam gostar da liga, mas não havia muito do que gostar nela”.

Ele trabalhou para montar uma equipe de heróis que hoje aparecem em duas revistas mensais e em diversos cross-overs (interligações de histórias de duas ou mais revistas). “Vamos encarar os fatos: se houvesse super-heróis no mundo, todos eles se conheceriam. Talvez até se agrupassem. Como os astros de rock, sabe?”

O atual trabalho de Andy inclui vários livros, nem todos engraçados ou de jogos. Há uma bela edição de luxo (de capa dura), Enemy Ace, de George Pratt, mini-séries de ficção em “prestige format”, Twilight (feita por Chaykin e Garcia-López) e a volta de Lanterna Verde, uma revista que ele já fez famosa um dia. “Ei, não esqueça a ‘seríssima’ Caçadora (Huntress) do Joey (Cavalieri) e Joe (Staton)! É até engraçada… a seu modo!”

Denny O’Neil

Denny O’Neil é um daqueles caras que viraram lenda na indústria dos quadrinhos, “o que não rejuvenesce nada!”. Entretanto, é sua maneira jovem de editar as revistas que as deixa modernas e interessantes. “Não esperava passar minha vida nos quadrinhos, mas, olhando pra trás, valeu a pena. Fiz várias histórias de que me orgulho. Como editor, pude melhorar muitas”.

Denny começou sua carreira como jornalista e ficou famoso pela produção de boas histórias em quadrinhos no final dos anos 60 e começo dos 70. “Não queríamos mudar o mundo, mas achávamos que as HQs, como qualquer outro meio, poderiam expressar idéias e valores importantes – além de divertir”.

E os leitores se divertiram (na verdade, se deliciaram) quando Denny passou a editar Batman com um realismo impressionante, o que popularizou ainda mais o herói. Essa aproximação do personagem é hoje mais importante do que nunca, e ninguém melhor que Denny para editá-lo. “O Batman é um herói de quadrinhos mais complexo que os outros. Os aprofundamentos psicológicos me mantiveram por perto. As pessoas estão gostando muito dele assim”. Denny ainda tem vários planos emocionantes para o Cavaleiro das Trevas, incluindo mini-séries inteiras às revistas mensais, graphic novels e cross-overs. “Com o filme atraindo tanto interesse para o personagem, sinto uma grande responsabilidade em fazer alguma coisa nova e diferente com ele. É uma pressão positiva. Do tipo que deixa você atento e sua mente ativa”. Uma ótima atitude para a lenda mais jovem da indústria dos quadrinhos.


Texto publicado na revista DC 2000 nr 02

  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)

Bem-vindos ao mundo do Xeque-Mate!

O conceito de organizações governamentais ultra-secretas que nos protegem do mal reverte às próprias raízes das histórias em quadrinhos. Antes de existirem as revistas em quadrinhos, havia os pulps – revistas de contos policiais e de terror, editadas em papel de preço muito baixo, que apresentavam todo tipo de combatentes do crime, os encapuzados, os do governo e outros (Sombra e Doc Savage são os que mais se destacaram nesse tipo de publicação). Mas, antes dos pulps, já existiam os chamados penny-dreadfuls (misto de romance e conto nascido na Inglaterra que, depois, levado aos Estados Unidos, acabou dando origem aos pulps). Os penny-dreadfuls eram revistas semanais e quinzenais da virada do século que apresentavam ficções heróicas mais violentas. Uma forma de entretenimento carregada de ação, com aventuras bastante romanceadas de mitos da história, como Buffalo Bill Cody, Jesse James e até Teddy Roosevelt, ou de personagens totalmente fictícios como Nick Carter. As revistas em quadrinhos, portanto, evoluíram indiretamente dos penny-dreadfuls (um aparte: o título de uma das revistas mais populares da DC nos anos 60 e 70, The Brave and The Bold, originalmente era usado como nome de um penny-dreadful.

Esses três tipos de publicação apresentavam como tema aventuras heróicas. Parece que nós queremos ter certeza de que alguém lá fora está nos protegendo. E muita gente acredita que o governo deveria se esforçar para fornecer essa proteção. Pense nisso: James Bond, o agente secreto X-9, Nick Carter, Napoleão Solo… nossa cultura popular está abarrotada de agentes do governo que são superpoliciais.

Mais recentemente, tivemos muitas histórias mostrando como o governo lida com tais elementos. Você já leu sobre isso em aventuras do Capitão Átomo, Esquadrão Suicida, Lendas e muitos outros títulos (o exemplo mais famoso é a influência do governo sobre Super-Homem em O Cavaleiro das Trevas).

Assim como o Esquadrão Suicida representa os esforços do governo em recrutar criminosos para realizar o serviço que lhe cabe (isto é, proteger a sociedade), Xeque-Mate representa os esforços do governo em recrutar heróis. Para os membros do Xeque-Mate, as missões são só um serviço (mas um serviço que precisa ser feito), onde cada agente realiza suas aspirações pessoais a fim de transformar o mundo num lugar melhor.

Vai ser um trabalho bem duro para essas pessoas, mas para nós, leitores, será, no mínimo, emocionante. Você encontrará muitas referências ao Vigilante (Adrian Chase), o ex-juiz que trabalhava para a agência de Harry Stein antes de sucumbir às pressões de sua própria vida.

O policial reformado da cidade de Nova Iorque, Harry Stein, dirigia uma agência federal sem nome, encarregada de neutralizar terroristas internacionais que se infiltrassem no território nacional. Atuava como seu braço direito, Harvey Bullock, um veterano do departamento de polícia de Gotham City. A organização já empregou muitas pessoas, incluindo dois agentes uniformizados de estabilidade emocional questionável: o já mencionado Vigilante e Christopher Smith, mais conhecido como Pacificador. Dizer que eles tinham uma “estabilidade emocional questionável” é eufemismo: o Pacificador é um louco comprovado, e o Vigilante entrou em profunda depressão e acabou se suicidando.

Como você pôde ver na história Jogada de Abertura (no Brasil publicada em DC 2000 nr 01), a agência conseguiu uma chance de entrar nos eixos. Agora, há uma nova superestrutura. A popular Amanda Waller, do famoso Esquadrão Suicida, um dos braços da Força-Tarefa X (o outro é o Xeque-Mate), está nos bastidores, de olho em tudo. Há uma equipe de agentes de campo totalmente diferente e até uma perspectiva mais urbana: a agência não ficará limitada à luta contra o terrorismo internacional.

Há, entretanto, uma peça atrapalhando o jogo. A personagem Espinho Negro não trabalha com Stein, porém, ela tem uma forte vinculação com a equipe: é compelida a prosseguir com a missão de Adrian Chase, ou seja, caçar criminosos. Nós sabemos muito pouco a respeito da Espinho Negro, mas, em edições posteriores, conheceremos mais fatos que explicam por que Stein e Bullock se preocupam tanto com ela.

A Equipe de Criação do Xeque-Mate

O argumentista Paul Kupperberg nasceu no dia 14 de junho de 1955, no Brooklin, Nova Iorque. Como a maioria dos jovens, Paul era um voraz leitor de quadrinhos. Quando conheceu Paul Levitz no Ginásio Meyer Levin, os dois se tornaram muito amigos, e essa amizado os lançou no caminho da fama. Os dois Pauls começaram editando e publicando fanzines, logo assumindo as rédeas da já consagrada revista mensal The Comics Reader. Por ser a mais importante e mais lida publicação dos bastidores de quadrinhos, ela levou o nome dos dois jovens ao conhecimento das grandes editoras americanas.

Paul Kupperberg deixou de ser fã para se tornar profissional da área quando vendeu sua primeira história à Charlton Comics em 1975 (publicado em Scary Tales nr 3, com arte de Mike Zech). Meia dúzia de histórias depois, ele recebeu um convite do editor da DC, Denny O’Neil, para escrever uma história para a série O Mundo de Krypton, na revista Superman Family (desenhada por Marshall Rogers). Ele passou a fazer roteiros para Asa Noturna (não confundir com o atual Asa Noturna, ex-Robin) e Pássaro Flamejante (que também não tem nada a ver com a Pássaro Flamejante das aventuras do Nuclear) e escreveu também várias histórias de mistério e guerra. A partir daí, Kupperberg fez uma tonelada de outros trabalhos. Seu primeiro título regular foi Aquaman, depois tornou-se o escritor de Showcase (a série da Patrulha do Destino e da Poderosa, bem como o famoso crossover gigante da Showcas nr. 100) e ganhou do editor Julius Schwartz toda a família de personagens do Super-Homem: Super-Homem, Superboy, Supermoça, a tirinha de jornal do Super-Homem e a mini-série do mundo de Krypton.

Mais tarde, Paul roteirizou a Tropa dos Lanternas Verdes (na revista Lanterna Verde), Vigilante e a mini-série do Pacificador. Fez também alguns trabalhos para a Marvel Comics, incluindo o Capitão América, a revista Crazy (uma concorrente da Mad) e dois romances do Homem-Aranha. Além de Xeque-Mate, escreveu a Patrulha do Destino, a mini-série da Poderosa e as histórias do Vingador Fantasma na revista Action Comics.

O desenhista Steve Erwin nasceu em 16 de janeiro de 1960, em Oklahoma. Ele foi praticamente autodidata, embora tenha estudado arte comercial na Escola Técnica Estadual do Oklahoma. Depois de se formar, entrou para o ramo da arte comercial, tendo vários trabalhos publicados. Estreou nos quadrinhos em 1985, na revista Grimjack, da First Comics. Ainda na mesma editora, ele usou seu talento para a graphic novel parcialmente gerada por computador chamada Shatter. Steve passou para Epsilon Wave antes de vir para a DC desenhar o Vigilante.

O arte-finalista Al Vey nasceu em 22 de abril de 1955, em Milwaukee, Wisconsin. Como Steve, Al é um autodidata, e os dois são realmente novos no ramo. Al Vey começou fazendo alguns trabalhos para fanzines e acabou conseguindo um emprego de assistente num estúdio de Milwaukee, o mesmo onde atuavam Jerry Ordway, Mike Machlan e Pat Broderick. Ele colaborava virtualmente em todos os trabalhos desses desenhistas.

Com mais experiência, Al passou a arte-finalizar as revistas DC, Os Renegados, Centurions, Corporação Infinito, Gladiador Dourado, Teen Titans Spotlight (edição que traz aventuras solo dos Novos Titãs), Super-Homem IV (o filme) e a Legião dos Super-Heróis. Também arte-finalizou Nexus, Psychoblast e outros títulos para diversas editoras. Xeque-Mate é a primeira série de histórias em que Al trabalhou regularmente.


Mike Gold
Texto publicado na revista DC 2000 nr 01

  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)

Lanterna Verde

“No dia mais claro, na noite mais densa, o mal sucumbirá ante nossa presença!”

Alan ScottA história do Lanterna Verde também tem início na década de 1940, assim como todos os super heróis. Assim sendo, foi criado um personagem de muito sucesso: o Lanterna Verde. A fórmula era simples : Uma pessoa usava um anel verde que a cada 24 horas deveria ser carregado numa bateria elétrica que ele carregava consigo. Porém o primeiro Lanterna Verde era totalmente diferente do que conhecemos hoje. Seu nome era Alan Scott, era loiro, usava uma camisa vermelha, uma calça verde e uma capa amarela e preta. O sucesso das aventuras de Alan Scott (à esquerda) duraram até a década de 1950, quando em meio de uma crise no gênero de vendas de quadrinhos obrigou a DC Comics a cancelar a revista.

Hal JordanA volta do Lanterna Verde teve início no fim da década de 1950, quando vários heróis foram reformulados. Agora, existia um outro Lanterna. Seu nome: Harold Jordan, piloto de testes de uma companhia aeronáutica. A origem de Hal Jordan aconteceu quando ele ouviu um estrondo de um avião caído perto da companhia onde trabalhava. Ele foi correndo até lá e encontrou Abin Sur, um Lanterna Verde que protegia a Terra, desconhecido até então. Abin Sur, muito ferido, entregou a Jordan o seu anel e a bateria para recarregá-lo. Assim que Hal Jordan virou Lanterna Verde, Abin Sur tombou. Seu corpo foi sepultado no memorial dos Lanternas Verdes em OA (um planeta existente, sede da Tropa dos Lanternas Verdes, governado pelos Guardiões do Universo). Neste planeta, haviam muitos Lanternas alienígenas de vários planetas, todos com uma só missão: Proteger o Universo (ou Multiverso) das forças do mal.

Porém, um Lanterna Verde se rebelou e virou ditador de seu planeta natal. Seu nome: Sinestro. Ele foi alijado de seu anel, e mandado para Quard (um planeta onde regem as forças do mal). Lá ele virou o Governador do planeta e ganhou um anel amarelo com os mesmos poderes do anel verde (detalhe: a cor amarela é o único ponto fraco das forças do anel verde). E com esse anel, Sinestro aterrorizou e jurou destruir a Tropa dos Lanternas Verdes.

John StewartVoltando a nossa história, Hal Jordan sempre foi um Lanterna exemplar, cumpridor do seu dever, ao mesmo tempo em que conciliava as atividades da Tropa e da Liga da Justiça. Porém, ele resolveu abandonar o grupo em nome de um grande amor (que depois acabaria perdendo para o mal), bem perto do início da “Crise nas Infinitas Terras”. O seu sucessor passou a ser John Stewart, arquiteto, escolhido pelos guardiões e que ganhou a batata quente de assumir a responsabilidade de ajudar a contornar a Crise. Stewart cumpriu bem o seu papel durante a Crise e mesmo depois do fim dela, continuou a usar o anel por muito tempo ajudando na Tropa. Jordan voltaria a usar o anel após a Crise, depois que um Lanterna Verde alienígena morreu, ficando com o seu anel. Nesta Crise, os guardiões resolvem também escalar Guy Gardner. Sua história teve muito a ver com o início de carreira de Hal Jordan.

Guy GardnerGuy Gardner era um professor de Educação Física. Quando Abin Sur estava prestes a morrer, este viu dois candidatos ao seu anel: Guy Gardner e Hal Jordan. Abin Sur escolheu Jordan porque estava mais perto dele. Assim sendo, Gardner continuava a sua vida normalmente até que foi ferido ao salvar uma criança que corria perigo. Gardner foi salvo por Jordan e mais tarde convidado a participar da Tropa. Gardner aceitou e recebeu o anel das mãos de Jordan. Mas Jordan advertiu-o para ir até OA e consertar o anel que recebeu porque segundo ele estava com problemas na hora de carregar. Gardner esqueceu este detalhe no primeiro dia em que teve que carregá-lo. Quando viu, o problema não era no anel, mas na bateria que explodiu e levou ele ao estado de coma.

Guy Gardner ficou assim até o dia em que os guardiões tiraram ele do coma e lhe deram o anel. Mas sua mente foi afetada. Antes, gentil e humilde, virou arrogante e convencido. Eram hilárias as discussões de Gardner com Jordan e Stewart. Mesmo assim, Gardner conciliava suas atividades da Liga da Justiça e da Tropa dos Lanternas Verdes. Até que chegou ao ponto em que Jordan ocupou o lugar de Gardner na Terra. Com isso, houve uma briga entre os dois. Quem perdesse na porrada, perderia o anel. E Gardner perdeu. Ele teve que entregar o seu anel para Jordan.

Guy Gardner ficou pouco tempo sem poderes. Ao lembrar que Sinestro foi morto pelos Lanternas, ele foi atrás do anel amarelo de Sinestro e depois de descer porrada nos guerreiros de Quard, ele roubou o anel do túmulo de Sinestro e passou a usá-lo, salvando OA de uma invasão de Quard. Gardner passou a lutar com este anel por muito tempo.

ParallaxMas a partir daí, as coisas começaram a mudar radicalmente. Primeiro, com a destruição de Coast City, cidade natal de Harold Jordan, vários amigos de infância dele acabaram morrendo. Jordan, então, pede para os Guardiões conferirem a ele mais poderes para desfazer a tragédia e ressuscitar os habitantes. Pedido negado porque um Lanterna jamais pode usar o anel para benefício próprio ou recriar a vida.

Jordan perde a razão e completamente insano, mata numa só tacada TODOS os Lanternas Verdes (cada Lanterna morto tinha seu anel arrancado por ele) e também todos os Guardiões. Também destruiu o anel amarelo de Gardner, arrancou o pescoço do corpo de Sinestro e para deixar o serviço “perfeito”, destruiu a bateria central de OA, absorvendo seu poder e se tornando Parallax, um super vilão. Esta se tornou uma das maiores atrocidades cometidas com um super herói depois da morte de Flash II.

Kyle RainnerNeste mesmo momento, Kyle Rainner, um desenhista de quadrinhos, recebeu o anel de John Stewart e passou a se tornar o quinto Lanterna Verde da cronologia. Jordan e Rainner se enfrentaram, onde Jordan queria os poderes dele de qualquer jeito. Rainner venceu Parallax e a partir daí passou a fazer parte da Liga da Justiça.

Hoje, o que fazem os Lanternas predecessores de Kyle Rainner:

Alan Scott (o precursor) – é aposentado, e tem dois filhos: Jade (uma heroína de pele verde) e Manto Negro, ambos da Corporação Infinito (equipe composta pelos filhos da Sociedade da Justiça). Participou da série “O Reino do Amanhã”, onde se tornou Presidente de New OA, um planeta com tecnologia de ponta dos Guardiões.

Harold Jordan (o eterno) – completamente insano, assumiu uma nova identidade, com o nome de Parallax. Mas o que fica na memória de todos os fãs é o Lanterna Verde que ele sempre foi e não o Parallax.

John Stewart (o substituto) – foi comandante dos Darkstars depois que perdeu a esposa, morta por Safira Estrela (ex-namorada de Jordan) e licenciou-se da Tropa. Hoje voltou a trabalhar como arquiteto e se tornou conselheiro de Kyle Rainner.

Guy Gardner (o anti-herói) – Depois que perdeu o anel de Sinestro, ganhou novos super poderes, virou dono de restaurante temático sobre Lanternas Verdes e hoje atua como Warrior, entrando em casos de emergência.


Vanderson Castilho Munhoz

  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)

Gilgamesh II – A volta da mais antiga das lendas

Gilgamesh foi um lendário rei da Babilônia, cuja saga data de aproximadamente 2.000 a.C., que é para muitos o mais antigo texto literário até hoje encontrado (mais velho que a Bíblia).

Agora Gilgamesh também é o mais novo membro da galeria de personagens cósmicos do grande Jim Starlin editado nos EUA pela DC Comics e que a Editora Globo lançou no Brasil.

É curioso que uma lenda tão famosa como essa, que explora temas como amizade, lealdade e aventura entre outros, só tenha aparecido nos quadrinhos agora. Segundo Starlin, a adaptação deste épico é uma idéia antiga dentro da indústria dos quadrinhos. Contudo, o trampolim editorial para o lançamento dessa série talvez seja a notoriedade que a lenda alcançou em 1988 com sua adaptação para o teatro, The Forest, de Bob Wilson, auxiliado por David Byrne dos Talking Heads (essa peça quase foi encenada no Brasil, mas o projeto foi cancelado devido aos altos custos de produção), e a possibilidade de se tornar um filme sob a direção de Win Wenders. Por coincidência, a Marvel também apresentou uma versão do personagem, criada por Walter Simonson para a revista Avengers (Vingadores). Diferente da Marvel, que o transformou em um personagem de “linha”, Starlin desenvolveu seu projeto como uma adaptação livre da lenda num todo, apresentada na forma de uma minissérie de luxo em 4 edições totalmente desvinculadas do universo DC.

A Lenda

Em linhas gerais, a história original é a seguinte: Gilgamesh, o poderoso tirano da cidade de Erech, na Mesopotâmia, incomodava os deuses com sua opressão sobre o povo. Eles criam, então, um bárbaro chamado Enkidu para ajudar a dar bom senso a Gilgamesh. A princípio, os dois se confrontam, depois tornam-se amigos, e saem pelo mundo atrás de aventuras. Em algumas versões, eles matam um dragão conhecido pelo nome de Humbaba. Impressionada com tais feitos, Ishtar, deusa guardiã de Erech, se apaixona por Gilgamesh, mas é rejeitada por ele. Irritada, ela envia o Touro do Céu para destruir Erech, mas Gilgamesh e Enkidu o matam. Irritados, os deuses sentenciam Enkidu à morte por causa de tamanha afronta. Ver a morte do amigo inspira Gilgamesh a procurar o segredo da imortalidade.

Ele enfrenta inúmeros obstáculos na procura do Utnaphishtim, o único mortal que sobreviveu ao Grande Dilúvio (citação semelhante e contemporânea da Bíblia) e a quem foi assegurada vida eterna. Achando-o, ele obtém o segredo, uma planta que jaz no fundo do mar, mas, logo depois, a perde enquanto tomava banho.

“É uma das histórias mais niilistas já escritas”, comenta Starlin, que preferiu transformá-la numa história de ficção científica bem-humorada. Um dos pontos principais, a busca da vida eterna passa a ser uma busca para trazer alguém de volta à vida. A história básica está mantida, apesar dos vários pontos apresentarem uma nova perspectiva. Tudo começa em 1988, com a chegada à Terra de dois alienígenas recém-nascidos. Gilgamesh é adotado por um casal de hippies e o “Outro” (como Enkidu é chamado na série) cresce sozinho no meio da floresta amazônica. Outros personagens também foram incorporados á série, só que disfarçados por nomes e formas diferentes. Humbaba passa a ser um monstro mutante batizado de Sombra Noturna; o Touro do Céu é apresentado como um ninja cibernético chamado Frank (e é engraçado notar que a fisionomia dele lembra bastante Frank Miller); os deuses são substituídos por uma corporação que agora governa a Terra, e assim por diante.

Mesmo o sucesso de vendas proporcionados pelo nome de Starlin não fará com que GILGAMESH II venha a ser uma série contínua ou tenha uma continuação qualquer. Segundo Starlin, a maneira com que ele fecha a história deixa pouca ou nenhuma margem para tal.

O Criador Mítico

Para quem não sabe, Jim Starlin foi um dos artistas de maior destaque na década de 70. Sua passagem por vários títulos da Marvel conquistou inúmeros fãs. Entre os trabalhos de maior destaque, que o colocaram na vanguarda junto com artistas de calibre como Berni Wrightson, Barry Windsor-Smith, Frank Brunner e Neal Adams, temos sua passagem pelas revistas Captain Marvel e Warlock. Nestas séries ele também se firmou como um dos primeiros artistas/argumentistas e um dos primeiros “exterminadores” de personagens da atualidade. A soma de sua arte vigorosa com argumentos intrincados e recheados de filosofia provaram ser um sucesso, inspirando artistas como Frank Miller e John Byrne. Por falar em filosofia, é curioso lembrar que foi Starlin o primeiro a desenhar um personagem marcado pelo emprego da filosofia oriental: o Mestre do Kung Fu, uma série que acabou durando bem mais do que a moda das artes marciais, e do que seus editores pudessem imaginar. Também são de Starlin algumas das primeiras experiências das grandes companhias com formatos de luxo: a controvertida Morte do Capitão Marvel (lançada pela Editora Abril), em que o antigo personagem morre de câncer e Dreadstar (a primeira Graphic Globo, de outubro de 88).

Perspectivas

Dreadstar, a série (também pela Globo), tem muitos pontos em comum com GILGAMESH II: drama e humor se alternando em meio aos muitos comentários e críticas sociais. Temas que variam entre a ideologia capitalista, política, ecologia, religião, estupro de menores, manipulação de massas, etc… A série que era publicada pela Epic, extensão da Marvel, passou para First Comics devido a um desacordo contratual. Depois que a revista se firmou na nova editora, Starlin depositou os cuidados de seus personagens nas mãos de uma nova equipe de criação.

Ultimamente, Starlin vem se dedicando mais à função de escritor/roteirista. nesta nova fase, já desenvolveu vários projetos para a DC, como The Cult (O Messias) e The Weird, ambos com os desenhos de Berni Wrightson, Cosmic Odissey, com arte de Mike Mignola, e uma sequência de histórias para a revista Batman, dentre as quais as minisséries internas As Dez Noites da Besta e a polêmica Morte de Robin. Atualmente, passou a escrever a série Silver Surfer (Surfista Prateado) para a Marvel e não sabe se voltará a ser o roteirista regular da revista Batman, pois julga que o personagem tornou-se muito instável por causa do sucesso cinematográfico e a excessiva atenção depositada sobre ele. Além desses projetos, existe o contrato com uma editora para a publicação de 2 romances de sua autoria.

Para Starlin, GILGAMESH II é provavelmente o último trabalho que desenha, pois julga o trabalho de arte “longo e solitário”, e escrever “divertido”, além de dar maior vazão às suas idéias.

GILGAMESH II não é apenas uma série para quem gosta de Jim Starlin, por sintetizar bem seu estilo e ser representativo dentro de suas obras, nem apenas para os fãs de quadrinhos, que poderão apreciar um trabalho que harmoniza mutio bem texto e arte de primeira qualidade, GILGAMESH II é uma série para todas as pessoas que admiram uma grande história contada com o talento e a imaginação de um dos melhores artistas dos quadrinhos americanos das últimas décadas.


George Andolfato

  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)

Os sonhos, quadrinho a quadrinho

Sidney Gusman é jornalista especializado em quadrinhos e editor-chefe do site Universo HQ (http://www.universohq.com).

Artigo publicado no exemplar nº 13 da Revista Sandman, pela editora Globo em 1991.

As formas de arte sempre exploraram diversos temas para entreter seu público. Sob as mais variadas óticas e concepções, as pessoas já viram assuntos como violência, terror, ficção, amor e mais dezenas de outros. Nesse rol, um dos preferidos é, sem dúvida, o sonho. Teoricamente, a palavra significa o conjunto de idéias e imagens apresentadas ao espírito durante o sono. Mas não é tão simples assim, pois os sonhos abrigam muitos mistérios, a ponto de atrarir a atenção e a pesquisa de um gênio como Sigmund Freud. É fascinante saber que, ao sonhar, uma pessoa pode realizar seus desejos ou, então, viver temores hediondos.

Os sonhos são frequentadores assíduos do mundo da arte. No cinema, uma das maiores coqueluches do gênero foi Freddy Krueger, um ser que atacava suas vítimas enquanto elas tinham pesadelos, dilacerando-as com suas garras de metal. O personagem fez um sucesso enorme e virou mania nos EUA. No filme “Dream Scape”, o ator Denis Quaid tinha o poder de penetrar nos sonhos dos outros. Graças a isso, impediu que o presidente norte-americano fosse assassinado em seus próprios pesadelos. Em “Veludo Azul”, a referência não é tão explícita, porém fica evidente quando o ótimo Roy Orbison interpreta “In Dreams”. Fato parecido aconteceu na primeira parte de “De Volta para o Futuro”. quando o garoto Marty (Michael J. Fox) volta no tempo para o ano de 1955, ele acha que tudo não passa de um sonho. Para ilustrar a cena, no momento do “desembarque” no passado, a música de fundo é “Mr. Sandman” cantada pelo grupo Four Aces. Nos quadrinhos, as incursões são inúmeras. Começam no início do século e vão até os dias de hoje, sempre contadas dos modos mais diferentes. Afinal, sonhar é preciso.

Os Sonhos invadem as páginas

Os sonhos nas HQs são, algumas vezes, o tema principal de histórias. em outras, servem como “gancho” para o desenrolar das tramas. Em “O Cavaleiro das Trevas”, obra que detonou o “boom” dos quadrinhos, pouca gente pode se lembrar, mas é num pesadelo de Bruce Wayne (ao acordar está na Bat-Caverna e sem bigode) que Frank Miller começa a arquitetar a volta do cinquentão Batman. Em “Gothic”, minissérie de Grant Morrison (Homem-Animal) e Klaus Janson (Cavaleiro das Trevas), o homem-morcego sonha com o pai com a boca costurada e tentando avisá-lo sobre o vilão, o Sr. Whisper. Mas os temores do sono atacaram também o seu falecido parceiro Jason Todd. Na revista Batman 377 aparece uma vilã chamada Nocturna. Ela conhece a identidade secreta do morcegão e, para ameaçá-lo, solicita a tutela de Robin. Essa trama gerou uma belíssima capa, onde o garoto está voando numa cama, entre Batman e Nocturna, numa clara homenagem ao clássico Little Nemo. Os desenhos são de Ed Hannigan e a arte-final de Dick Giordano.

Alan Moore, que ao lado de Miller forma a dupla mais badalada de roteiristas do momento, também já “sonhou” em seus argumentos. Foi na reformulação de Miracleman. Nesse “revival”, Moore encontrou uma forma de adequar a antiga origem à nova fase do personagem: todas as recordações do herói não passavam de sonhos introduzidos, enquanto ele dormia num divã de “indução somática”. E o responsável era o seu suposto inimigo, o Dr. Gargunza.

Um dos mangás mais famosos no mundo inteiro, “O Lobo Solitário”, faz uma pequena, mas significativa citação aos sonhos. Ele recorre ao capítulo que narra a origem da saga do Samurai Itto Ogami. Sua esposa Azami, ainda grávida, lhe conta sobre seus repetidos sonhos, onde vê as almas encaminhadas pelo marido amaldiçoando o filho prestes a nascer. Ogami não lhe dá ouvidos e só depois de vê-la assassinada e ser injustamente acusado de tramar a derrubada do Shogun conseguiu compreender que o sonho era na verdade um aviso.

O quadrinho europeu também aborda com maestria o mundo do onirismo. Em “Os Companheiros do Crepúsculo”, o francês François Bourgeon construiu um dos melhores roteiros já escritos nas HQs. Baseado numa profunda pesquisa, o autor faz o Cavaleiro sem rosto, a ruivinha Mariotte e o atrapalhado escudeiro Anicet compartilharem – sem saber – dos mesmos sonhos. Isso se passa nos dois capítulos iniciais da série, quando eles penetram no Bosque das Brumas e encontram duendes feiosos que falam tudo rimando. Ao acordarem, nunca sabem se tudo foi sonho ou verdade.

“O Incal”, de Alessandro Jodorowski (roteiros) e Moebius (desenhos), tem uma passagem curiosa sobre os sonhos. Quando a história se aproxima do desfecho, no capítulo “A Quinta Essência”, a entidade chamada Incal diz que a única forma de derrotar a Treva é se todos os habitantes da galáxia (mais de 70 bilhões) entrarem em estado de “sonho-teta”. Inclusive esse episódio tem o subtítulo “A Galáxia que sonha”. Para alcançar esse objetivo, a luz conta com o inesperado apoio de um apresentador de TV maluco que cria até um slogan: “Sonhar é sobreviver”. moebius voltaria à carga no álbum “Os Jardins de Edena”, onde mostra sua predileção pelo naturalismo. Ele conta a história de Stell, um rapaz que, para conseguir o amor da bela Atan, enfrenta “a sombra do sonho” e, para vencer o estranho inimigo, liberta “o lado da luz”, acordando dentro do seu próprio sonho e banindo a criatura.

O argumentista Godard e o desenhista Ribeira criaram um aventureiro das estrelas e o batizaram de Axle Munshine. Sua primeira aventura foi “O Vagabundo dos Limbos” (modo como ficou sendo conhecido). Nela, após voltar de mais uma bem-sucedida missão pelo espaço, Axle seria indicado para o cargo de governador no Conselho Superior de Regência, mas cometeu um crime imperdoável: transgrediu o décimo-terceiro mandamento da “Guilda”, em outras palavras, atraveu-se a transpor as portas do sono. Tudo lhe era permitido, exceto sonhar e, por ter desejado conhecer essa outra realidade, foi condenado a viver fugindo, como um cavaleiro errante intergaláctico.

Os quadrinhos eróticos também dão uma grande contribuição. Um dos papas do gênero, o italiano Guido Crepax, deu uma amostra de sua criatividade em “Anita – Uma História Possível”. A personagem-título sempre que adormecia se via envolvida em devaneios repletos de erotismo, onde seu amante tratava-se de uma televisão portátil. Mas Crepax não parou por aí. Sua criação máxima, a sexy fotógrafa Valentina, é constantemente assediada por sonhos. Nessas “viagens”, ela já experimentou de tudo, desde sadomasoquismo até a mais completa loucura, sempre proporcionando aos leitores belos momentos de delírio.

Da Itália vem outro significativo exemplo. Trata-se de “Sonhar Talvez”, de Milo Manara, que é considerado o grande mestre do erotismo na atualidade. No álbum são contadas as aventuras da incansável Francesca Foscari e seu “guarda-costas” Giuseppe Bergman. Num clima de misticismo, o casal vai até a Índia investigar estranhos investigar estranhos acontecimentos ocorridos com uma equipe de filmagens. Daí para frente, o gênio de Manara cria situações em que sonho e realidade mesclam-se a todo momento, tornando a linha que os separa cada vez mais tênue e fazendo jus ao título da obra.

Os personagens Disney não poderiam ficar de fora. Entre as diversas histórias que já citaram os sonhos, duas merecem destaque especial: “A Bela Adormecida” e “Alice no País das Maravilhas”. Na primeira, após dar um beijo apaixonado na Princesa Aurora e livrá-la do sono eterno, no qual foi posta pela bruxa Malévola, o Príncipe Filipe diz: “Foi um final feliz para uma história que começou num sonho”. Já Alice quando retorna do país das maravilhas exclama ao pé de uma árvore: “Foi tudo um sonho!”. A loirinha criada por Lewis Carroll age do mesmo modo em “Alice no Mundo dos Espelhos”, recentemente editada na coleção Clássicos Ilustrated, com desenhos de Kyle BAker (Justiça Ltda).

Alguns não precisam nem dormir para sonhar. É o caso específico do endiabrado Calvin, de Bill Waterson. Esse garotinho loiro de 6 anos vive – literalmente – sonhando acordado. Ele faz de seu tigre de pelúcia, Haroldo, seu melhor amigo; transforma-o em dinossauros; vira o “Homem-Estupendo” e o “Cosmonauta Spiff”; e o mais incrível de tudo, quando vai dormir, não o faz porque seu quarto está cheio de monstros escondidos embaixo de sua cama.

O Universo dos super-heróis é o que tem maior ligação com o mundo dos sonhos. Hulk é uma das vítimas prediletas. Quando Bruce Banner conseguiu controlar o monstro, o vilão Pesadelo ocasionou a quebra desse controle, minando as resistências do cientista enquanto ele dormia. Esse mesmo inimigo voltou a atacar, agora junto com Desespero. Só que, além do Hulk, os dois atormentaram sua esposa Betty. Pra variar, foram vencidos.

O time dos “mocinhos” ainda está recheado de exemplos. Na origem dos Novos Titãs, a empata Ravena incute nos sonhos de Robin, Moça Maravilha, Ciborg, Mutano e Kid Flash, imagens que acarretariam na formação do grupo. Em Secret Wars, a entidade chamada Beyonder oferecia como prêmio aos vencedores da contenda, a realização de todos os seus sonhos. Quando Tempestade, dos X-Men, foi atacada pelo vampiro Drácula, ela sonhava estar sugando seus companheiros. Após a morte de Guardião, o líder da Tropa Alfa, sua esposa Heatler Hudson viu diversas vezes, enquanto dormia, a cena que presenciou. Na onda do “revival” dos superseres, J. M. De Matteis (Moonshadow) revelou aos leitores a nova origem de Ajax e, na história “Sonho Febril”, mostrou que até o Caçador de Marte sente medo. Para salvar sua parceira Danielle Moonstar, os Novos Mutantes enfrentaram um “Urso Místico” dentro dos sonhos da jovem, tudo desenhado por Bill Sienckiewicz (Elektra Assassina). Nem mesmo o Super-Homem escapou. Obrigado a assassinar os três inimigos do Superboy – General Zod, Quexul e Zaora – o Homem de Aço foi perseguido durante um bom tempo por pesadelos com essas recordações.

Existem ainda citações como “Sonho de Água”, uma historieta de Philipe Caza, onde o francês mostra todo o seu talento em quatro páginas só de imagens. No álbum “Mulheres de Sonho em Quadros Sonhados”, o desenhista Alex Varenne mistura onirismo, desejos eróticos, fantasias e situações absurdas. O bárbaro albino Elric e sua espada, “Stormbringer”, transformaram Ymrryr, a cidade dos sonhos, em um autêntico inferno. O Sargento Tainha vive acordando o Quartel Swampy com seus pesadelos ocasionados por refeições noturnas. E há também “Dreamer” (Sonhador), do mestre Will Eisner. Na obra, a palavra, no sentido de realização profissional, mostra a luta de um desenhista para publicar suas tiras. Dizem que o trabalho é uma autobiografia de Eisner. Se for, nesse caso o sonho virou realidade.

O Poder dos Sonhos

Os sonhos não apenas ilustram histórias, há também os personagens que vivem suas aventuras exclusivamente sonhando. Nessa galeria, o mais famoso é Little Nemo, de Winsor McCay. Era um menino de aproximadamente 7 anos, que vestia um camisolão e vivia passeando por paisagens surrealistas e de uma sofisticação incrível. Nemo era convocado pelo Rei Morfeu para ir a Slumberland, mas sempre acordava no último quadrinho de cada página. Criado em 1905, ele presenciava situações absurdas, retratadas pelas cores fantásticas do seu criador. Aliás, McCay era um especialista em lidar com sonhos. No ano de 1904, criou, sob o pseudônimo de Silas, a tira “Dreams of a Rarebit Fiend”, batizada no Brasil como “Sonhos de Um Comilão”, pois mostrava os pesadelos causados pelo excesso de comida. O desenhista ainda fez outras tiras relacionadas ao assunto, como “Midsummer Day Dreams”, “It was a Only Dream”, “Day Dreams” e “Dreams of a Lobster Fiend”. Todos esses trabalhos foram publicados pela Fantagraphics Books sob o título “Daydreams & Nightmares”.

Na onda de Little Nemo, dois autores aproveitaram para criar seus trabalhos. Em 1916, Penny Ross dava vida à “Mama’s Angel Child”, uma garotinha loira que, como Nemo, sempre despertava no último quadrinho. Para diferenciá-la, enquanto dormia, as imagens apareciam como formas retangulares. No mesmo esquema era “Polly and Her Pals”, de Cliff Sterrett (1926-1930). O protagonista era um baixinho carega de bigodes brancos; nos seus sonhos os desenhos ficavam deformados. A diferença é que, nessa tira, todos “viajavam” pelo mundo dos devaneios, até o gato.

A homenagem mais recente ao trabalho de Winsor McCay foi “Little Ego”, do italiano Vittorio Giardino. A história é basicamente a mesma, só que a ninfeta Ego só tem sonhos eróticos e, ao despertar, sempre quer contar tudo ao seu analista. Giardino ainda se deu ao capricho de caracterizar os quadrinhos à la McCay, como se fossem molduras, criando lindos painéis.

Alguns personagens têm seus poderes oriundos dos sonhos. Na relação dos que podem usá-los para prever o futuro, achamos Sonhadora. Nura Nal faz parte da Legião dos Super-Heróis e ajuda os legionários prevenindo-os dos perigos. Quem tem dons parecidos é o pequenino Franlin Richards, filho do Sr. Fantástico e da Mulher Invisível. O menino já avisou com antecedência ao Quarteto Fantástico sobre diversos ataques inimigos.

No ano de 1963 surgia no Universo Marvel, o vilão Pesadelo. Ele vive numa dimensão dos sonhos e tem o costume de visitar os pesadelos das pessoas para estudá-las. Seu maior inimigo é o Dr. Estranho, que já o impediu várias vezes de vir para o plano da realidade. Pesadelo foi o responsável por Hulk ter sobrepujado o controle de Bruce Banner.

Outro que faz parte do time dos bandidos é Morpheus, o Demônio dos Sonhos. Vítima de um experimento, ficou impossibilitado de sonhar, mas adquiriu energias psíquicas capazes de emitir raios e campo de força. Após uma derrota para o Cavaleiro da Lua, ele foi sedado por um bom tempo. A partir daí, obteve o poder de ligar-se a outras mentes, através dos sonhos.

O mestre dos pesadelos nas telas, Freddy Krueger, também pintou em forma de HQ, numa revista própria da Marvel. Seus assassinatos foram escritos por Steve Gerber, desenhados por Tonh de Zuñiga, e arte-finalizados por Alfredo Alcala. A publicação teve apenas duas edições e foi cancelada. Dessa vez, Freddy perdeu!

No início da década de 80, a Marvel criou um “Novo Universo”, que se originou do “Evento Branco”. Numa explosão, em um aeroporto, o jovem Keith Remsen recebeu o estranho dom de entrar nos sonhos das outras pessoas (baseado no filme “Dream Scape”) e adota o nome de Máscara Noturna. Com o passar dos anos ele aprimora seu poder, mas ao assassinar um vilão, enlouquece e termina sua carreira internado num hospício. Ainda nos estúdios de Stan Lee achamos o herói Talismã, um aborígene da Austrália que é capaz de se comunicar com o “Alter Jeringa” – O Mundo dos Sonhos. Ele pode enviar outras pessoas para o “lado de lá”, apenas girando uma boleadeira mágica. Sua primeira aparição foi em 1982 no Cross-Over Contest of Champions.

E o Brasil também tem seus representantes no mundo dos sonhos. Fikon e Sandra foram criados por Fernando Ikoma na falecida Editora Edrel. Em sua identidades secretas, eles são Mukifa e Karla, ambos muito feios e antipáticos entre si. Os dois encontraram medalhões dentro de maçãs, as peças eram encantadas e tinham o poder de materializar seus inconscientes, enquanto dormiam, transformando-os em seres bonitos e poderosos. Fikon e Sandra se apaixonaram, mas não sabem que na realidade se odeiam. Quando um deles acordava, automaticamente fazia sumir os dois heróis.

Alguns personagens têm o sonho apenas no nome. Scarlet Dream, de Claude Moliterni e Robert Gigi, era uma ruiva escultural que viveu aventuras até na selva amazônica. Nessa lista está “The Dream Walker”. O herói veste-se impecavelmente – fraque, gravata-borboleta, chapéu, máscara e capa – e enfrenta um guarda com a cara de Bruce Lee. A curiosidade é o argumentista dessa Graphic Novel. Seu nome é Bill Mummy. Se você não se lembra, na década de 60 muitos garotos sonhavam em ser como ele. Mummy era o Will Robinson do seriado Perdidos no Espaço.

O Mestre dos Sonhos

É certo que muitos obtiveram destaque em hitórias oníricas, porém só um deles recebeu o título de Mestre dos Sonhos. Seu nome, Sandman. Surgido em contos infantis há 155 anos, da cabeça do dinamarquês Hans Christian Andersen, o personagem soprava areia mágica nos olhos das pessoas para elas dormirem ou terem pesadelos.

Nos quadrinhos, sua primeira aparição foi em 1939, na “Adventure Comics 40”, com roteiros de Gardner Fox e desenhos de Bert Christman. Wesley Dodds (sua identidade secreta) não tinha nenhum superpoder, apenas uma pistola de gás, e não era muito elegante para se vestir, pois trajava um terno verde, luvas e chapéus marrons, máscara amarela e capa roxa. No ano de 1942, Jack Kirby e Joe Simon (os pais do Capitão América) dão a ele um uniforme colante e um parceiro: Sandy, o Goldent Boy. Suas características passam a ser mais científicas e ele ganha, inclusive, um apito hipersônico.

Depois de ficar 30 anos esquecido (aparecia apenas como coadjuvante na Sociedade da Justiça), Sandman ganhou outra identidade e uma revista própria, em 1974, novamente pelas mãos de Kirby. Seu nome era Garret Sanford e, em sua nova origem, tratava-se de um cientista que trabalhava numa máquina de monitorar sonhos. Recebeu um chamado da Casa Branca, pois o presidente estava em coma e ele teria que entrar nos seus sonhos. Após cumprir a missão, Sanford constatou uma coisa. Não podia viver mais de 60 minutos no mundo real. Resolveu então assumir a identidade de Sandman, contando com a ajuda dos monstros Brute e Glob e do garoto Jed Paulsen. Ele vivia no Domo dos Sonhos e utilizava uma espécie de tubo ejetor para vir à realidade.

Garret Sanford não aguentou os poderes e suicidou-se. No seu lugar, assumiu o posto Hector Hall. Esse novo sandman era filho do Falcão Negro e da Mulher-Gavião, da Terra Paralela, e fazia parte da Corporação Infinito como Escaravelho de Prata. Numa aventura do grupo, Hall é possuído pelo espírito que assassinou a primeira encarnação de seus pais e volta-se para o mal. Seu fim é triste: morre virando pó. Mas isso durou pouco, pois Rhoy Thomas o ressuscita como Sandman. A explicação? Após a morte, ele passou pelo mundo dos sonhos e Brute e Glob lhe deram os novos poderes. Todavia, seu reinado durou pouco. O verdadeiro Sandman o fez retornar a pó, para desesepero de sua esposa Hipólita (filha da Mulher-Maravilha), que esperava um filho do falecido.

Finalmente, em 1988, Sandman ganhou sua versão definitiva, àquela que veio para ficar. Depois do ótimo trabalho em “Orquídea Negra”, Neil Gaiman foi encarregado de reestruturar o personagem. O argumentista não se fez de rogado e reconstruiu totalmente o irmão da morte. Ele lhe deu um visual pós-apocalíptico, com pele pálida e cabelos negros arrepiados. Trabalhou sobre o fato de que um habitante dos sonhos deve, por obrigação, ser misterioso. Mexeu com o lado psicológico dos pesadelos e insistiu num terror escatológico nas páginas da revista. Reuniu nessa versão, pedaços de todas as anteriores, amarrando-as com precisão. Aboliu o escrúpulo e mostrou ao público o verdadeiro significado de “quadrinho adulto”. Definitivamente, Gaiman transformou Sandman num autêntico Mestre dos Sonhos. Por tudo isso, podemos afirmar uma coisa: o genial John Lennon que nos desculpe, mas o sonho não acabou.


Sidney Gusman

  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)

Excommunicamus – A bruxaria nos quadrinhos

Noite de lua cheia. O céu está limpo, sem nuvens ou ameaças de chuva. No meio de uma floresta, em algum lugar, uma modesta cabana dá sinais de vida através das acanhadas luzes amareladas de velas e lampiões. Um pouco de fumaça sai de sua chaminé. É quase meia-noite…

Com hipnóticos olhos cor de mel, uma enorme coruja está atenta a tudo e, entre uma virada e outra do pescoço, crocita ruidosamente. Seu canto grave, entretanto, não intimida o réptil viscoso que rasteja pela folhagem seca. O vento se intensifica e muda sua entonação de voz. De melodioso assovio, torna-se uma lamúria gélida e sem fim. É quase meia-noite…

Na cabana, cochichos se escondem sob risadas apressadas. Ouvidos mais bem treinados certamente escutariam o tique-taque insistente de um relógio. Então, sem avisar, o caótico concerto noturno se cala. A coruja, agora muda, pisca seguidamente e afunda sua cabeça contra o corpo. Dentro da cabana, um cuco faz dueto com o relógio. Doze cantos e doze badaladas. A hora das bruxas. É meia-noite!

Caldeirões fervendo, asa de morcego, perna de sapo, veneno de aranha, pena de corvo… Irc! Que nojo! Bruxaria não! Ou melhor, bruxaria sim! Afinal, os quadrinhos são um grande refúgio de magia, bruxaria e seus derivados. Mas, antes, vamos dar uma olhada no pesadelo real que originou tantas lendas populares sobre as tão temidas bruxas.

Fala-se muito sobre a caça às bruxas e as impiedosas fogueiras inquisidoras, mas quase ninguém cita os responsáveis por essa chacina histórica. Na verdade, não existem culpados que você possa apontar, mas agentes de uma instituição que buscava uma maneira de se fortalecer mais ainda diante das constantes ameaças de perda de poder: a Igreja. Em 1231, o papa Gregório IX, através de sua bula, Excommunicamus, anunciou algumas “regras” para guiar os passos dos inquisidores profissionais no encalço daqueles que eram considerados hereges. Segundo ele, sua bula tornaria os julgamentos de heresia mais racionais, impedindo que a população cometesse atos de selvageria, tais como linchamentos e outras “diversões” do gênero. Apesar de suas intenções serem as “melhores” possíveis, Inocêncio IV autorizou a tortura como parte dos interrogatórios. Método bastante sutil para a época… Perseguições indiscriminadas não tinham mais fim, e até facções dentro da própria Igreja sofreram represálias. Toda a Europa se transformara numa imensa fogueira de ignorância. Acreditava-se que bruxas canibais e adoradoras do Diabo se reuniam para praticar todo tipo de malefícios através da magia. Segundo os religiosos mais fervorosos, as artes mágicas, boas ou más, eram um subterfúgio do demônio para enganar os homens e fazê-los perder a crença em Deus e, principalmente, nos cofres da Igreja… A condenação por heresia e a vinculação da bruxaria ao diabolismo no século XIV foram marcos decisivos para a ascensão do catolicismo na Idade Média.

Quando Inocêncio VIII redigiu a pomposa bula papal Summis desiderantes affectibus, em 1484, desencadeou, intencionalmente ou não, o início de uma Era dominada pelo medo e ignorância sem limites. Em sua onipotente presunção, ele quis instituir uma forma de combater todos os tipos de malefícios constatados pela Igreja até então. Dois anos depois, os inquisidores dominicanos Heinrich Kramer e James Sprenger escreveram o volumoso Malleus Maleficarum, um dos maiores tratados (junto com Formicarius de João Nider, 1435) sobre o assunto. De certa forma, o Malleus foi o livro de cabeceira do inglês Matthew Hopkins, o famoso caçador de bruxas que atuou por volta de 1650, desbravando uma impiedosa trilha de terror em nome de Deus.

Se a Itália, a França e a Alemanha foram os maiores palcos da Inquisição, a Inglaterra manteve-se isolada (por razões claramente religiosas). O manual de caça às bruxas de Kramer & Sprenger, durante muito tempo, só existia num círculo muito elitizado de estudiosos e cultos britânicos. Por outro lado, o Parlamento inglês teve três leis que condenavam a bruxaria como delito previsto na legislação. A última delas, que vigorou de 1604 a 1736, condenava as bruxas à pena de morte nos casos de reincidência de malefícios tais como roubos de tesouro, amor ilícito, destruição de gado ou bens e tentativas de assassinato. Além disso, era crime consultar, alimentar, recompensar ou se aliar a qualquer espírito mau.

Parece brincadeira, mas não é. Milhares e milhares de pessoas (a maioria formada por mulheres) foram condenadas à morte simplesmente por discordarem dos dogmas impostos pela Igreja, que ditava como deveriam viver e em que acreditar. Joana D’Arc (hoje santa), uma verdadeira heroína francesa durante a Guerra dos Cem Anos, chegou a vestir-se como cavaleiro para fortalecer o sentimento patriótico de seu povo e acabou sendo condenada à fogueira em 1431, acusada de heresia e feitiçaria. Vinte e cinco anos depois, uma comissão papal reveu o julgamento e ela foi canonizada. Ironia? Não. Benevolência… Quantas idéias não se perderam nesse período tão negro? Para se ter idéia, o astronônomo italiano Giordano Bruno foi queimado como herege por defender a idéia de que a Terra e outros planetas giravam em torno do Sol (teoria do heliocentrismo lançada por Nicolau Copérnico em 1512). Mais afortunado foi Galileu Galilei, o polêmico cientista de Florença, que tanta dor de cabeça causou à Inquisição. Com Siderus Nuncius (1610), um tratado que descrevia o relevo lunar, desvendava quatro satélites de Saturno e defendia o heliocentrismo, o “pai do telescópio” recebeu apenas um pequeno aviso de que suas afirmações eram contrárias às da Igreja. Depois, com a publicação de Dialogo (1632), que reforçava ainda mais as suas idéias anteriores, Galileu foi julgado como herege e acabou se retratando publicamente para não ter que ir para a cadeia ou sofrer uma penalidade mais drástica. E foi somente agora, no final deste século, que a Igreja deu pleno perdão a ele e retirou seu nome da lista negra. Incrível, hein? O que seria do “mago” Paulo Coelho se ele vivesse em plena Inquisição? É melhor não entrarmos no mérito da questão…

Hoje, felizmente, os tempos são outros e as bruxas e bruxos não amedrontam mais. Muito pelo contrário! Quem é que não se lembra da simpática Samantha, do seriado A Feiticeira, que marcou os anos 60 e 70? É lógico que sua mãe, Endora, fugia à regra e infernizava a vida de seu genro, James. Aquele velho problema com as sogras… Até o antigalã Jack Nicholson, que encarnou o Diabo no filme As Bruxas de Eastwick, de George Miller, sofreu na pele os encantos e feitiços de três lindas bruxas vividas por Michelle Pfeiffer, Cher e Susan Sarandon. Em Coração Satânico, de Alan Parker, o azarado detetive particular vivido por Mickey Rourke se vê atormentado por todo tipo de magia negra e descobre que foi contratado pelo próprio Lúcifer, magnificamente interpretado por Robert De Niro. Mais para o gênero do terror/humor, Warlock, o Demônio, de Seteve Miner, mostra um inquisidor do time dos “mocinhos” no encalço de um feiticeiro com cara de roqueiro que busca o Grimoire (um livro de magia negra). Tudo isso em pleno século XX!

David Lynch, o grande cineasta do obscuro, se enveredou pelos tortuosos caminhos do sobrenatural e criou o assustador pesadelo em capítulos chamado Twin Peaks. Também dirigido por Lynch há o estranhíssimo Coração Selvagem, onde a bruxinha boa e a bruxa má fazem aparições memoráveis. Para os amantes da lenda do Rei Arthur, John Boorman produziu o monumental Excalibur, que reconta toda a saga dos Cavaleiros da Távola Redonda, onde o mago Merlin e a feiticeira Morgana desempenham papéis fundamentais. E é claro que não poderíamos omitir O Nome da Rosa, de Jean-Jacques Annaund, uma citação direta à Inquisição. Embora não seja uma adaptação fiel do romance homônimo de Umberto Eco, este filme traz o sempre espetacular Sean Connery no papel de um monge franciscano que tenta solucionar estranhos assassinatos numa distante abadia.

Levando o tema para uma versão mais infantil, podemos citar Fantasia (produzido pelos estúdios de Walt Disney), um belíssimo desenho animado, de 1940, comandado pelas peripécias mágicas do ratinho Mickey, o aprendiz de Feiticeiro. Além das inovações de animação, Fantasia traz uma trilha sonora composta pelos maiores músicos da história. Ainda sob a batuta do papai Disney, as crianças perderam o sono com Branca de Neve e os Sete Anões (de 1937) e A Bela Adormecida (de 1959). No primeiro, a vaidosa e vingativa bruxa, madrasta da bobinha Branca de Neve (criada pelos Irmãos Grimm), inferniza a vida de sua enteada e da gangue de baixinhos. No outro, adaptação inspirada do conto de Charles Perrault, a feiticeira Malévola enfrenta o valente Príncipe na forma de um imenso dragão. Quem viu sabe que essa é uma das sequências mais incríveis já produzidas para o cinema.

Diretamente da Bélgica, Peyo criou os felizes Schtroumpfs (“Smurfs”, no Brasil), uma versão light de duendes pentelhos que vivem sendo perseguidos pelo azarado feiticeiro Gargamel e seu fiel assistente, o gato Cruel. Ei! Que é que há, velhinho? Pernalonga, o coelho cinquentão mais esperto do cinema, também passou maus bocados com a bruxa Hazel, que queria incluí-lo nos ingredientes de seu fumegante caldeirão.

E no mundo dos balões e onomatopéias, a Santa Inquisição não tem vez mesmo! Cheio de receitas miraculosas, Panoramix, o sábio druida da aldeia gaulesa criada por Goscinny & Uderzo, foi o manipulador da poção mágica que concedia força sobre-humana a Asterix e seu obeso e inseparável companheiro Obelix. Assim, eles podiam enfrentar o avanço dos atrapalhados romanos. Para quem aprecia patos (não para comer, é lógico!) a Maga Patalogika fazia parceria com a Madame Min para roubar a cobiçada moeda número 1 do velho muquirana Tio Patinhas. No Brasil, a simpática bruxinha Medéia, da Turma do Arrepio (criação de César Sandoval), apronta das suas com seus monstruosos amiguinhos. Dando um ar mais adulto ao assunto, o desenhista britânico John Bolton, produziu, em parceria com Chris Claremont (o mentor X-Maníaco), duas obras recheadas de fetiçaria: Marada, a Mulher Lobo e Black Dragon. Ambas retratam com seriedade a época medieval. Na mesma linha, Tim Truman concebeu TOADSWARTH, representante primogênito do movimento gótico em quadrinhos. Inspirado pela Guerra dos Cem Anos, François Bourgeon nos presenteou com os Companheiros do Crepúsculo, uma obra simplesmente magnífica que narra as andanças de um cavaleiro desfigurado e sem destino pelos campos de feitiçaria. Da Marvel, há exemplos famosos. O mais conhecido deles é Conan, o Bárbaro, que passou noites e noites em claro seduzido pelos encantos naturais irresistíveis de bruxas curvilíneas. Seu criador, Robert E. Howard, também concebeu Solomon Kane, um puritano da Idade Média que provou todos os dissabores da feitiçaria. Entre relâmpagos e trovões, o mago Shazam concedeu todos os superpoderes a Billy Batson, transformando-o no Capitão Marvel, o mortal mais poderoso da Terra (e de seu idealizador, C. C. Beck).

Merlin e Morgana, além da lenda saxônica que os mantêm “vivos” até hoje, receberam inúmeras versões nas HQs. A saga futurista Camelot 3000, de Mike Barr e Brian Bolland, talvez seja a mais significativa. Mas o demoníaco par também teve importância no surgimento de Etrigan, o Demônio, que também foi brilhantemente revitalizado por Matt Wagner na minissérie The Demon, um tratado de demonologia em quadrinhos. Ainda no gênero de super-heróis, o Dr. Estranho continua travando intermináveis batalhas astrais, enquanto, na Latvéria, o tirano enlatado Dr. Destino faz uso de magia e tecnologia para infernizar a vida de seus adversários. Tex Willer, o ranger mais famoso do Velho Oeste, ganhou alguns cabelos brancos quando enfrentou as bruxarias de seu arquiinimigo Mefisto. O mal-encarado feiticeiro Mordru fez jus às suas qualidades e tornou-se um dos mairoes inimigos da Legião dos Super-Heróis, no século XXX.

Nos chamados quadrinhos adultos seria sacrilégio deixarmos de citar a minissérie Livros de Magia, escrita por Neil Gaiman, onde praticamente todos os personagens mágicos da DC Comics são retomados, e Dylan Dog, de Tiziano Sclavi, que, além de solucionar os casos mais escabrosos, provou ser mais um sucesso absoluto do grande editor e aventureiro Sergio Bonelli, da Itália.

Apesar de tudo o que foi dito nesta pretensa matéria sobre Inquisição e bruxaria, nunca haverá espaço suficiente para explorarmos o assunto com o merecido respeito. Para se ter uma idéia, Sandman, John Constantine, e o Monstro do Pântano, personagens considerados como a elite dos quadrinhos de horror, têm envolvimentos tão fortes no reino do sobrenatural que seriam argumento mais do que suficiente para receberem matérias próprias, tamanha a riqueza de citações em suas histórias. Por essa razão, encerramos nossa breve incursão mística com a obrigação de retomarmos o tema em breve. Um brinde aos bruxos e bruxas de todas as épocas. Que os tempos negros da Inquisição não voltem jamais.


Leandro Luigi Del Manto

  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)