Tesourada

E só porque eu disse que meus filhotes, hoje adolescentes (mas eternamente minhas crianças), já não dão tanto trabalho assim, ainda hoje pela manhã o filhote do meio, inquiridor nato de inutilidades metafísicas, me veio com essa:

– Paiê! Sabe aquele cara daquele filme de terror que tem, assim, umas lâminas, umas tesouras, na mão?

– Qual? Tem um que é do Freddy Krueger que ele usa uma espécie de luvas com lâminas…

– Não. Tesouras mesmo.

– Então somente pode ser o Edward Mãos-de-Tesoura!

– Isso. Acho que é isso mesmo.

– Putz! Sabia que esse foi um dos primeiros filmes que o Johnny Depp fez? Aquele ator que faz o Capitão Jack Sparrow, do Piratas do Caribe… Nesse filme ele é uma espécie de criatura feita em laboratório, bem no estilo Frankenstein, mas o criador morre antes de terminá-lo: ficam faltando suas mãos. É por isso que ele tem aquelas tesouras no lugar das mãos…

Podia ter parado aí. Bastava eu sair da sala, achando que ele gostaria de assistir esse filme ou algo assim. Mas, não. Não eu. Eu TINHA que perguntar.

– Por que, filho? Você tá curioso sobre esse filme?

– Não. É que eu estava aqui, pensando. Se o Edward Mãos-de-Tesoura for jogar pedra-papel-tesoura com o Coisa ele sempre vai perder, né?

Tu-dum, tsssss….

Heróis da resistência

Já que os filhotes estão crescendo, então o jeito é importar causos de quem sabe que Criança dá Trabalho. Essa é uma adaptação do que aconteceu com o amigo virtual João David…

– Pai, o Henrique é tão resistível…

– Não, filho. Já que você acha seu irmão tão bonitinho, então o certo é falar “irresistível”.

– Não, pai. É resistível, mesmo!

– Por que, filho?

– É que ele bateu a cabeça no sofá e resistiu! Ele é muito resistível!!!

Casaquinho preto

Fabrício Carpi Nejar

Toda mulher tem um casaquinho preto, de malha, que custou barato e é uma companhia inseparável.

De aparência simples e discreta, o casaquinho é mais importante do que qualquer roupa de estilista famoso.

O casaquinho é aquele que ela diz para as amigas que deveria ter comprado dois e que jamais encontrará igual. E ela nunca compra dois, apesar de já ter amaldiçoado a avareza antes.

O casaquinho é uma segunda bolsa, tamanho seu valor prático, combate o frio do cinema, da saída de festa e de jantares.

Toda mulher que se admira tem um casaquinho preto, que cavou em uma liquidação como um dos grandes achados de sua vida.

É uma peça invisível que não estraga nenhuma combinação. É um travesseiro para os ombros. É uma vitamina C de pano para prevenir a gripe.

Não se habilite a segurar o casaquinho preto dela, é muito pessoal. Cometerá uma gafe. O máximo que pode fazer é ajudá-la a vesti-lo.

Nenhuma mulher aceita emprestá-lo. Não é gentileza, e sim invasão de privacidade, o equivalente a mexer em suas redes sociais.

O casaquinho é um objeto íntimo, intransferível, lingerie pelo lado de fora.

Não queira assumir a responsabilidade. Se tomar conta e extraviar, ela ficará enlouquecida e não perdoará a distração.

Casamento é bem capaz de terminar quando o homem inventa de proteger o casaquinho e acaba esquecendo em algum lugar.

Não corra riscos. Eu perdi um casaquinho num show. Amarrei na cintura. Ao pular e dançar como um negro gato no show do Luiz Melodia, deixei cair no meio da pista.

Estávamos felizes, radiantes, nos beijando e nos abraçando com furor, um casal antologicamente apaixonado em Porto Alegre, cantando as canções de cor e trocando risos caprichados. Quando, no intervalo de uma música, ela me perguntou “Cadê o casaquinho?”, a noite mudou de feição, ela mudou de feição, eu mudei de feição vendo a noite e ela mudando de feição ao mesmo tempo. Paralisei minha boca em uma careta, porque ele havia sumido sem que percebesse.

Com a lanterna do celular, eu me postei no chão, me agachei como o aspirador dos dedos para reconhecê-lo entre latas e copos de bebida. Pisaram em minhas mãos, me empurraram, e nada de resgatar o pobrezinho.

Ela passou a madrugada lamentando o casaquinho, a manhã seguinte lamentando o casaquinho, o mês seguinte lamentando o casaquinho.

Era viúva do casaquinho. Não se falava em outra coisa.

Procurei corrigir o erro e adquirir um semelhante. E agravei a minha falha: só ela tem o direito de escolher seu casaquinho.

As mulheres não são difíceis, mas fetichistas.

( Crônica publicada no jornal Zero Hora, de 03/05/2015 )

Minha trajetória

Eis um pouco de minha história, de como o tempo passou nestes meus 46 anos, contada em imagens e amigos… Porque cada um de vocês, a seu próprio modo, em maior ou menor grau, por mais ou por menos tempo, fez parte e esteve presente em algum momento de minha vida e certamente teve lá também sua influência para que eu me tornasse o que hoje sou. E se você não apareceu em nenhuma foto – não se preocupe! Tenha certeza que também faz parte deste seleto grupo. No fundo, no fundo, você já sabia disso… Porque a todos, sem exceção, apareçam aqui ou não, independentemente de qual tenha sido nossa história, saibam que lhes devo – e muito!