Domínios homônimos com conteúdos distintos. 1. Empresas que utilizam o mesmo domínio na Internet. Possibilidade, desde que utilizem DPNs distintas e não se trate de marca notória. 2. Empresa com domínio homônimo a outra cuja única intenção é desacreditar publicamente a original. Conforme o caso particular, pode ser caracterizado crime contra o registro de marca ou crime cometido por meio de marca, e, ainda, o de difamação.
Consulta do sr. D. T. R., estudante de Engenharia de Computadores em Porto Alegre, RS. Ele informa que foi registrado em um provedor de hospedagem gratuita (de funcionamento idêntico ao Geocities) um endereço muito parecido com o de uma determinada empresa. Cita, a título de exemplo, o nome “www.empresa.cjb” enquanto que o domínio do site oficial da empresa é “www.empresa.com.br”. Deduz que o intuito do autor, provavelmente, foi o de atrair o público da empresa para sua homepage, que na realidade tem como escopo difamar a citada empresa, revelando situações e expondo funcionários da mesma ao ridículo. Conclui questionando acerca de casos similares, bem como da possibilidade de imputar conduta criminosa ao autor dessa homepage.
Num primeiro momento entendo ser necessário definir o que é um “domínio” na Internet, como se dá o registro do mesmo e alguns outros comentários pertinentes.
“Domínio” vem a ser o nome que serve para localizar e identificar conjuntos de computadores na Internet. O nome de domínio foi concebido com o objetivo de facilitar a memorização dos endereços de computadores, haja vista que são constituídos especificamente de grandes sequências numéricas.
No Brasil o órgão responsável pela coordenação, atribuição, manutenção e registro de domínios “.br” na Internet é o Comitê Gestor Internet do Brasil, criado pela Portaria Interministerial MC/MCT 147 de 31/05/95. Entretanto delegou essa competência à FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, através da Resolução 001 de 21/05/98. O setor da FAPESP envolvido na realização desses serviços se autodenomina “Registro.br”, e pode ser consultado em http://registro.br.
Para registrar um domínio, é necessário ser uma entidade legalmente estabelecida no Brasil, quer seja como pessoa jurídica (instituições que possuam CGC/CNPJ), quer seja como pessoa física (CIC/CPF), e, ainda, deve possuir um contato em território nacional.
Juridicamente falando existe uma diferença sutil entre as figuras de “nome” e “marca” de uma empresa. Entretanto, na Internet o nome de um domínio por si só já reflete tanto a idéia do nome da empresa como também o da marca pertinente. Portanto, para melhor compreensão do presente parecer, sempre que se fizer alguma referência a marca de determinada empresa, o entendimento deve se dar num contexto mais amplo, o qual abrange também o nome da mesma.
Ainda que não seja idêntico, o caso em tela assemelha-se aos de “cibergrilagem”, que valem ser citados para efeito de compreensão do assunto. Cibergrilagem é uma violação de direitos de propriedade intelectual baseada em má-fé, onde geralmente o nome de domínio relacionado a uma marca famosa é reservado (registrado por terceiros) com o intuito de venda posterior aos proprietários de direito por valores astronômicos.
Na recente história da Internet no Brasil, dentre muitos outros, vieram a público os casos das sandálias de marca Raider e o próprio America On Line. Essas empresas não tiveram a cautela necessária e, quando tentaram registrar os respectivos domínios (“raider.com.br” e “aol.com.br”), descobriram que terceiros já o haviam feito. A título de curiosidade, até mesmo o domínio “padremarcelo.com.br” foi registrado por um indivíduo que sugeriu vultuosa quantia para cedê-lo a quem de direito.
Outro caso a ser citado, esse sim mais de acordo com o que originou a presente consulta, é o que envolveu a Telefônica e o provedor de acesso Greco Internet, em meados de 1999. O domínio “telefonica.com.br” foi registrado pelo proprietário da Greco Internet, que criou uma homepage visando reunir reclamações de usuários contra os serviços telefônicos prestados pela operadora espanhola. Seu principal argumento para manter o site seria o de que não há direito de marcas e patentes na Internet.
A Telefônica reagiu, através de um processo judicial, alegando em sua defesa que trata-se de marca notória, registrada no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), estando amparada pelo artigo 6º da Convenção da União de Paris. Não obstante, em função do ocorrido, a empresa teve que inaugurar seus serviços na Internet sob o domínio “telefonica.net.br”.
Isso nos leva ao tópico seguinte: as Categorias de Registro e o fato de que um domínio registrado em uma categoria pode ser registrado em outras.
Essas Categorias de Registro são, na realidade, os chamados DPNs – Domínios de Primeiro Nível. São as “extensões” logo após o nome principal do domínio e antes da partícula “.br”, e que servem justamente para identificar a natureza do site. Assim, temos que os sites com DPNs “.com” referem-se às empresas comerciais, “.org” às organizações não governamentais, “.gov” aos órgãos do governo, e assim por diante.
Desse modo, a exemplo do que acontece quando se registra o nome de uma empresa na Junta Comercial, na Internet uma vez que as empresas estejam atuando em áreas distintas nada obsta a existência de nomes idênticos, mas com DPNs diferentes. Graças a essa regra é que a Telefônica, apesar de não deter o domínio “telefonica.com.br”, pôde registrar o domínio “telefonica.net.br”.
Ainda assim, há de se ressaltar que o caso ora discutido envolve um provedor de hospedagem gratuita, que tem por característica permitir a criação de qualquer nome de domínio sem que haja necessidade de registro junto ao Registro.br. Necessário faz-se esclarecer que os nomes criados sempre deverão estar relacionados com o do próprio provedor de hospedagem, de modo a não suscitar dúvidas de que não se trata de “página oficial” de nenhuma empresa. Como exemplo podemos citar a existência fictícia de um site que poderia ser acessado através do domínio “www.geocities.com/telefonica”. Percebe-se a existência de elemento identificador no nome que nos remete ao provedor de hospedagem gratuita Geocities.
Nesse ponto a consulta é obscura, pois parece citar um exemplo de domínio registrado e não de domínio ligado a um provedor de hospedagem gratuita, o que dificulta a análise.
O fato de registrar um domínio na Internet utilizando o nome de uma marca registrada não necessariamente significa uma violação dos direitos autorais, desde que não se trate de marca notória. Como visto, a própria regulamentação do Registro.br traz essa previsão legal.
A legislação brasileira prevê o registro de marca notória (Lei 5772/71). Dentro dos conceitos estabelecidos, a marca que adquire notoriedade popular, ou seja, imediato reconhecimento em todo o território nacional, por todas as camadas sociais, como referência a uma produção industrial, a uma faixa de comercialização ou prestação de serviços, pode ser considerada como notória.
A marca notória, devidamente registrada, tem assegurada proteção especial em todas as classes, impedindo-se sua reprodução ou imitação por outra que prejudique sua reputação ou que dê causa a confusão por parte do consumidor. Assim, a marca declarada notória não pode ser aplicada a nenhum produto, ramo comercial ou serviço, qualquer que seja a classe.
De modo a esclarecer e corroborar tais assertivas, vejamos o que nos traz a jurisprudência:
MARCA E NOME COMERCIAL – COLIDÊNCIA – PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE – NÃO-APLICAÇÃO – MARCA NOTÓRIA – OMISSÃO EXISTENTE – EMBARGOS ACOLHIDOS – I. Não há que confundir-se marca e nome comercial; este, elemento individualizador da empresa; aquela, meio de identificação de produtos, mercadorias e serviços. Eventual conflito entre eles deve ser resolvido pelo princípio da especificidade, sendo fundamental a determinação dos ramos de atividade das empresas litigantes, porque, se distintos, de molde a importar confusão, não haveria impossibilidade de convivência. II. Sendo notória a marca, porém, tem a empresa titular o direito de impor-lhe respeito, porque pode, em regra, a razão social ser utilizada em qualquer documento da sociedade, a colidir com o propósito de evitar-se o uso indiscriminado da referida marca que guarda característica diferenciada. (STJ – ED-REsp 50.609 – MG – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 02.02.1998)
Não se tratando de marca notória, entendo que o direito de uso de um determinado domínio já existente está diretamente vinculado ao fato do site possuir um conteúdo próprio que o distinga do original, conteúdo este que deve condizer com próprio nome do domínio sob o qual está registrado. E, ainda, caso exista semelhança de conteúdo entre domínios de prefixo idênticos, cabe àquele que não detém a homepage “oficial” informar de modo inequívoco tal situação aos navegantes.
Caso não seja prestada a informação retro citada, e o autor do site de conteúdo não-oficial esteja reproduzindo ou imitando a marca oficial, visando obter vantagens financeiras diretas ou indiretas para si, pode ser caracterizado crime contra o registro de marca ou crime cometido por meio de marca, conforme seja o caso (Lei de Patentes – Lei 9279/96, artigos 189 a 191).
Já no tocante à alegação de difamação e ofensas à empresa e seus funcionários: “difamar” significa atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação. Esse crime encontra-se claramente tipificado no Código Penal, em seu artigo 139, não tendo ligação com os detalhes técnicos de utilização de domínio semelhante. Assim, comprovado de forma inequívoca o envolvimento do indivíduo na elaboração e manutenção dos dizeres difamatórios inseridos em sua homepage, torna-se possível denunciar às autoridades competentes o cometimento de crime de difamação.
Ante todo o exposto, face às ponderações supra, conclui-se que existem apenas duas atitudes, as quais podem ser consideradas cumulativa ou isoladamente, que caracterizariam conduta criminosa do autor do site “não-oficial”. Em primeiro lugar, se estiver tirando vantagem pecuniária direta ou indiretamente para si tendo em vista a utilização de um domínio que reproduz ou imita marca oficial, verifica-se a existência de crime contra o registro de marca ou crime cometido por meio de marca. E, em segundo lugar, se for comprovado que o autor da homepage seja o responsável pelo seu conteúdo, que contenha afirmações que visem desacreditar a citada empresa, revelando situações e expondo funcionários da mesma ao ridículo, afirmações estas vindas a público por intermédio da Internet, verifica-se o crime de difamação.
Este é, salvo melhor juízo, meu parecer.
São José dos Campos, 21 de abril de 2000.