A Gênese do Barbarismo
É impossível falar de histórias de espada e feitiçaria sem citar o gênio criador Robert E. Howard, papa do gênero e pai de Conan, Sonja e Kull, entre outros.
No entanto, se Howard foi o maior, não foi o primeiro a criar aventuras do estilo. Ele teve precursores que o inspiraram em sua obra, escritores que se tornaram conhecidos bem antes que ele conseguisse ver sua primeira história publicada na legendária revista americana de contos, a Weird Tales.
Na literatura moderna, nos primeiros anos deste século, começou a destacar-se o trabalho de um soldado irlandês que também era esportista, poeta, dramaturgo e viajante, conhecido como Lord Dunsany e que teve seu primeiro livro publicado – Os Deuses de Pagana – em 1905. Nos dez anos seguintes, Dunsany produziu nada mais nada menos que oito coleções de fantasia, consideradas as progenitoras do estilo de Howard.
Os contos de Dunsany eram inspirados na mitologia greco-romana, mesclada às lendas orientais e ao estilo épico medieval. Um exemplo de sua obra é The Fortress Unvanquishable, save for Sacnoth (A Fortaleza Invencível, exceto por Sacnoth), de 1908, que tem Leothric como o herói que vence o dragão Tharagavverung e que com seus ossos fabrica a espada Sacnoth, com a qual pode enfrentar Gaznak, o feiticeiro do castelo.
Na trilha de Dunsany vieram dois criadores de aventuras que alicerçaram de vez o gênero junto ao público leitor: H. P. Lovecraft e Clark Ashton Smith.
Lovecraft, como grande admirador de Dunsany, utilizava-se de um estilo macabro e bastante parecido com o de seu inspirador. Entre 1919 e 1926, atingiu o auge de sua carreira. Suas histórias envolvendo busca a princesas, maldições implacáveis e aventuras em navios amaldiçoados, abriram ainda mais o leque do gênero difundido por Dunsany.
Em 1922, Lovecraft conheceu o artista e escritor Clark Ashton Smith e, graças à sua influência junto ao editor de Weird Tales, conseguiu fazer com que a criação de seu novo amigo ganhasse espaço e fosse publicada.
Possuidor de texto forte, Smith tinha um estilo completamente diferente dos de Lovecragt e Dunsany. Contudo, a partir do conto The Last Incantation (O Último Encantamento), de junho de 1930, a influência de seus dois grandes mestres começou a aparecer. Esta seria a primeira história de um ciclo localizado em Poseidonis, a última ilha da Atlantis quase submersa. A seguir, Smith criaria o ciclo do continente pré-histórico de Hiperbórea e mais tarde o de Zothique, num futuro remoto.
Mas a característica principal destes três iniciadores da arte da aventura foi a criação de um fantástico cenário, onde seus heróis ganhavam um espaço geográfico próprio. Quando um autor cria a geografia de seus personagens junto com a história, sua liberdade de ação passa a ser muito maior. Smith sempre soube disso e o cenário de sua produção podia ser Atlantis, Hiperbórea ou quaisquer outros países imaginários.
Agindo desta maneira, os autores podem criar nomes, acidentes geográficos, raças e nações à vontade, segundo as necessidades. Esse processo de criação dispensa as exaustivas pesquisas históricas a que os escritores estão presos, quando falam de situações cuja existência é comprovada. Além disso, como são mundos existentes apenas dentro de sua imaginação e desconhecidos do leitor, a possibilidade de erro deixa de existir, pois um fato novo pode resultar numa informação nova, o que não aconteceria se as aventuras tivesse vínculo com a realidade histórica.
A partir daí, a criatividade deságua na produção de mapas, criação de nomes e relatos de situações, colocando heróis e vilões dentro de um mundo que parece tornar-se real na imaginação do autor e, consequentemente, dos leitores apaixonados.
Quando Lovecraft começou a criar reinos fantásticos, o fez mantendo todo o sabor da lenda e do mito. Smith, por sua vez, preferia escrever de forma mais real, e seus personagens, nada fictícios, lidavam com situações absolutamente verdadeiras. Na verdade, Smith tentava ancorar suas histórias em bases reais dentro de uma rigorosa ordem cronológica, ao contrário dos outros dois escritores.
Quando Robert E. Howard (1906-1936) começou a aparecer, trouxe em sua obra um realismo muito maior do que o de qualquer um de seus precursores. Sua visão de pré-história não era romântica, mas amargamente realista. Os personagens de Smith e Lovecraft morrem de forma poética e justa, o que não acontece com os de Howard. Pelo contrário, o sangue parece escorrer de suas histórias. Conan nunca será o modelo de herói, mas sempre um mercenário calculista lutando pela sobrevivência num mundo bárbaro, onde nem sempre os finais são felizes.
A primeira história de Howard publicada em Weird Tales foi escrita quando ele tinha quinze anos e publicada em 1925. Era um conto de homens da caverna. Um ano depois, publicaria uma aventura de um valentão histórico e seu estilo começava a firmar-se e a ganhar contornos próprios.
Com a produção dessas aventuras ele nunca alcançou grande sucesso, e acabou por entregar-se ao gênero do barbarismo, ganhando cada vez mais espaço em Weird Tales, tendo como tema o sobrenatural e a magia negra.
Finalmente, em 1929, a lapidação chegava ao seu final com a publicação do conto The Shadow Kingdom (O Reino das Sombras), onde Howard contava a história de um selvagem atlante chamado Kull. Acabava de nascer o gênero Espada e Feitiçaria e, a partir dali, um novo e fascinante mundo seria dado aos leitores sedentos das mais fantásticas aventuras.
(Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)