Gilgamesh foi um lendário rei da Babilônia, cuja saga data de aproximadamente 2.000 a.C., que é para muitos o mais antigo texto literário até hoje encontrado (mais velho que a Bíblia).
Agora Gilgamesh também é o mais novo membro da galeria de personagens cósmicos do grande Jim Starlin editado nos EUA pela DC Comics e que a Editora Globo lançou no Brasil.
É curioso que uma lenda tão famosa como essa, que explora temas como amizade, lealdade e aventura entre outros, só tenha aparecido nos quadrinhos agora. Segundo Starlin, a adaptação deste épico é uma idéia antiga dentro da indústria dos quadrinhos. Contudo, o trampolim editorial para o lançamento dessa série talvez seja a notoriedade que a lenda alcançou em 1988 com sua adaptação para o teatro, The Forest, de Bob Wilson, auxiliado por David Byrne dos Talking Heads (essa peça quase foi encenada no Brasil, mas o projeto foi cancelado devido aos altos custos de produção), e a possibilidade de se tornar um filme sob a direção de Win Wenders. Por coincidência, a Marvel também apresentou uma versão do personagem, criada por Walter Simonson para a revista Avengers (Vingadores). Diferente da Marvel, que o transformou em um personagem de “linha”, Starlin desenvolveu seu projeto como uma adaptação livre da lenda num todo, apresentada na forma de uma minissérie de luxo em 4 edições totalmente desvinculadas do universo DC.
A Lenda
Em linhas gerais, a história original é a seguinte: Gilgamesh, o poderoso tirano da cidade de Erech, na Mesopotâmia, incomodava os deuses com sua opressão sobre o povo. Eles criam, então, um bárbaro chamado Enkidu para ajudar a dar bom senso a Gilgamesh. A princípio, os dois se confrontam, depois tornam-se amigos, e saem pelo mundo atrás de aventuras. Em algumas versões, eles matam um dragão conhecido pelo nome de Humbaba. Impressionada com tais feitos, Ishtar, deusa guardiã de Erech, se apaixona por Gilgamesh, mas é rejeitada por ele. Irritada, ela envia o Touro do Céu para destruir Erech, mas Gilgamesh e Enkidu o matam. Irritados, os deuses sentenciam Enkidu à morte por causa de tamanha afronta. Ver a morte do amigo inspira Gilgamesh a procurar o segredo da imortalidade.
Ele enfrenta inúmeros obstáculos na procura do Utnaphishtim, o único mortal que sobreviveu ao Grande Dilúvio (citação semelhante e contemporânea da Bíblia) e a quem foi assegurada vida eterna. Achando-o, ele obtém o segredo, uma planta que jaz no fundo do mar, mas, logo depois, a perde enquanto tomava banho.
“É uma das histórias mais niilistas já escritas”, comenta Starlin, que preferiu transformá-la numa história de ficção científica bem-humorada. Um dos pontos principais, a busca da vida eterna passa a ser uma busca para trazer alguém de volta à vida. A história básica está mantida, apesar dos vários pontos apresentarem uma nova perspectiva. Tudo começa em 1988, com a chegada à Terra de dois alienígenas recém-nascidos. Gilgamesh é adotado por um casal de hippies e o “Outro” (como Enkidu é chamado na série) cresce sozinho no meio da floresta amazônica. Outros personagens também foram incorporados á série, só que disfarçados por nomes e formas diferentes. Humbaba passa a ser um monstro mutante batizado de Sombra Noturna; o Touro do Céu é apresentado como um ninja cibernético chamado Frank (e é engraçado notar que a fisionomia dele lembra bastante Frank Miller); os deuses são substituídos por uma corporação que agora governa a Terra, e assim por diante.
Mesmo o sucesso de vendas proporcionados pelo nome de Starlin não fará com que GILGAMESH II venha a ser uma série contínua ou tenha uma continuação qualquer. Segundo Starlin, a maneira com que ele fecha a história deixa pouca ou nenhuma margem para tal.
O Criador Mítico
Para quem não sabe, Jim Starlin foi um dos artistas de maior destaque na década de 70. Sua passagem por vários títulos da Marvel conquistou inúmeros fãs. Entre os trabalhos de maior destaque, que o colocaram na vanguarda junto com artistas de calibre como Berni Wrightson, Barry Windsor-Smith, Frank Brunner e Neal Adams, temos sua passagem pelas revistas Captain Marvel e Warlock. Nestas séries ele também se firmou como um dos primeiros artistas/argumentistas e um dos primeiros “exterminadores” de personagens da atualidade. A soma de sua arte vigorosa com argumentos intrincados e recheados de filosofia provaram ser um sucesso, inspirando artistas como Frank Miller e John Byrne. Por falar em filosofia, é curioso lembrar que foi Starlin o primeiro a desenhar um personagem marcado pelo emprego da filosofia oriental: o Mestre do Kung Fu, uma série que acabou durando bem mais do que a moda das artes marciais, e do que seus editores pudessem imaginar. Também são de Starlin algumas das primeiras experiências das grandes companhias com formatos de luxo: a controvertida Morte do Capitão Marvel (lançada pela Editora Abril), em que o antigo personagem morre de câncer e Dreadstar (a primeira Graphic Globo, de outubro de 88).
Perspectivas
Dreadstar, a série (também pela Globo), tem muitos pontos em comum com GILGAMESH II: drama e humor se alternando em meio aos muitos comentários e críticas sociais. Temas que variam entre a ideologia capitalista, política, ecologia, religião, estupro de menores, manipulação de massas, etc… A série que era publicada pela Epic, extensão da Marvel, passou para First Comics devido a um desacordo contratual. Depois que a revista se firmou na nova editora, Starlin depositou os cuidados de seus personagens nas mãos de uma nova equipe de criação.
Ultimamente, Starlin vem se dedicando mais à função de escritor/roteirista. nesta nova fase, já desenvolveu vários projetos para a DC, como The Cult (O Messias) e The Weird, ambos com os desenhos de Berni Wrightson, Cosmic Odissey, com arte de Mike Mignola, e uma sequência de histórias para a revista Batman, dentre as quais as minisséries internas As Dez Noites da Besta e a polêmica Morte de Robin. Atualmente, passou a escrever a série Silver Surfer (Surfista Prateado) para a Marvel e não sabe se voltará a ser o roteirista regular da revista Batman, pois julga que o personagem tornou-se muito instável por causa do sucesso cinematográfico e a excessiva atenção depositada sobre ele. Além desses projetos, existe o contrato com uma editora para a publicação de 2 romances de sua autoria.
Para Starlin, GILGAMESH II é provavelmente o último trabalho que desenha, pois julga o trabalho de arte “longo e solitário”, e escrever “divertido”, além de dar maior vazão às suas idéias.
GILGAMESH II não é apenas uma série para quem gosta de Jim Starlin, por sintetizar bem seu estilo e ser representativo dentro de suas obras, nem apenas para os fãs de quadrinhos, que poderão apreciar um trabalho que harmoniza mutio bem texto e arte de primeira qualidade, GILGAMESH II é uma série para todas as pessoas que admiram uma grande história contada com o talento e a imaginação de um dos melhores artistas dos quadrinhos americanos das últimas décadas.