( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 04, de fevereiro/2003 )
Novo governo quer promover o Software Livre em todo o Brasil. Será que conseguem resistir ao lobby das grandes empresas?
Maurício Martins
Levantai-vos ó geeks, pois podemos estar às vésperas de uma verdadeira revolução. O Brasil está prestes a se tornar o novo bastião de resistência do Software Livre na América Latina. Tudo porque o PT está no poder, e pretende levar para Brasília uma das suas principais bandeiras em governos estaduais e municipais pelo Brasil: a adoção de programas não-proprietários em órgãos governamentais.
O assunto é muito mais importante do que se imagina. Se quiser, o governo federal alavanca de vez o uso do Software Livre no Brasil e pode, com isso, diminuir drasticamente os lucros da Microsoft neste que é um dos maiores mercados de computação do mundo. Não é à toa que a primeira coisa que Mr. Bill Gates fez, depois de saber o resultado das eleições, foi tentar desesperadamente um encontro com Mr. da Silva. Não conseguiu.
As primeiras declarações do novíssimo secretário de Logística e Tecnologia da Informação, Rogério Santanna dos Santos, dão mostras de que o PT não pretende recuar agora. Ele disse que o governo deve diminuir a dependência que o Poder Executivo tem em relação a grandes fornecedores, reduzindo os gastos com tecnologia. Para alcançar o objetivo, segundo o secretário, a SLTI deverá implementar alternativas que incluem uma política mais agressiva que contemple o Software Livre.
Mas, sejamos justos. Não é só o PT que luta por isso no Brasil. Há setores de outros partidos, como o PMDB do Paraná, que também vem apostando no Software Livre, como bem apontou Rodrigo Stulzer, da Conectiva.
Falamos com o secretário, com o novo diretor do Instituto de Tecnologia da Informação e com representantes de grandes empresas interessadas no assunto para tentar prever como será essa briga de gigantes, que promete se desenrolar nos próximos anos.
Afinando o discurso
Como o PT é um partido que acaba de chegar pela primeira vez à presidência, ainda não existe um discurso afinado sobre como será encaminhado o assunto em Brasília. Em fevereiro, Sérgio Amadeu, atual coordenador do Governo Eletrônico em São Paulo, deve assumir o Instituto de Tecnologia da Informação, responsável direto pela questão do certificado digital, uma polêmica abordada nas últimas edições da Geek. Mas, com certeza, ele terá papel importante nas decisões tomadas com relação ao uso de Software Livre pelo governo. Para ele, o software proprietário deve ser totalmente descartado pelo Estado:
“É um absurdo pagar licenças para utilizar editores de textos e planilhas de cálculos. Existem pacotes não-proprietários estáveis e em constante aprimoramento que são desenvolvidos pela comunidade GNU/Linux.”
Mas não é essa a opinião do secretário de TI, Rogério Santanna, que é quem terá a palavra final nesta área. Ele é enfático ao defender a coexistência de softwares proprietários e open source no governo:
“Não há como simplesmente estabelecer uma nova regra e converter todos os sistemas para uma única solução, para que utilizem apenas um tipo de software. Isso seria absurdo, pois custaria uma fortuna e seria extremamente complicado.”
Com isso, ele está mais próximo da ideologia open source, criada por Bruce Perens, do que do Software Livre de Richard Stallman.
Ao analisar a atuação de FHC na área, os dois são bastante críticos, especialmente Amadeu:
“O governo FHC foi muito tímido na adoção do Software Livre. No final, fizeram totens que custavam R$21 mil a unidade, apenas para acessar a Internet. Por que não usaram o GNU/Linux e navegadores como o Mozilla, Galeon ou Netscape? Por que cada estação custou esta fortuna?”
Santanna concorda, mas aponta alguns avanços nas compras eletrônicas, na arrecadação de impostos e no próprio Sistema de Pagamentos Brasileiro, o SPB. Segundo ele, essas iniciativas tiveram reconhecimento internacional. “Deixou a desejar no que diz respeito à universalização do acesso e integração de sistemas”, diz ele.
“O Windows vai continuar sendo usado pelo governo brasileiro. Mas a adoção de soluções baseadas em código fechado, proprietário, evidentemente fragilizam sistemas de informação que requerem elevado nível de segurança. Qualquer projeto sério de segurança e privacidade deve levar isso em consideração”, diz Santanna. Ele aposta nas soluções de criptografia para proteger os dados sigilosos do governo.
A conclusão a que se chega é a seguinte. Apesar de defender com força o uso exclusivo do Software Livre nos Estados e municípios que governa, o PT chega a Brasília com um discurso mais amistoso. Vai tentar conciliar os dois modelos, sem abrir mão de, com os Telecentros, democratizar o acesso à informática e a programas originais no Brasil. Nós ficamos aqui torcendo. Nunca estivemos tão perto de ver o monopólio ruir.
A lição de São Paulo
Ricardo Bimbo é o Coordenador Técnico do Governo Eletrônico do Município de São Paulo. Conversamos com ele para saber como está sendo a experiência do uso de programas open source na maior cidade da América do Sul. O que ouvimos foi surpreendente. Segundo ele, em março deveremos ter um total de 100 Telecentros por toda a cidade, cada um deles capaz de atender até 3 mil pessoas. Isso dá um universo de 300 mil pessoas, ao mesmo tempo, utilizando computador com a distribuição Debian GNU/Linux, com Internet, e programas livres, totalmente de graça.
O resultado pode-se prever facilmente: uma população mais próxima da alta tecnologia que se desenvolve no mundo, menos vítima da divisão digital que ameaça isolar ainda mais o Terceiro Mundo, e uma economia monstruosa para o Estado, que passa a conseguir muito, por muito pouco.
“Todos os Telecentros estão em áreas carentes, da perifieria ou do centro. Por enquanto, são apenas 19 (atendendo 69 mil pessoas), mas a grande revolução deve vir em breve”, diz Bimbo. Até agora, 23 mil pessoas fizeram os cursos ministrados pelos Telecentros. São 23 mil novos linuxers.
Perguntamos sobre o problema do treinamento e da dificuldade em se iniciar em Linux. Ele respondeu que, para quem começa a mexer no computador, não há muita diferença entre abrir um Windows ou aprender noções básicas do sistema livre.
“Temos uma boa estrutura para trabalhar. Mostramos ao usuário como usar a interface gráfica do sistema, e isso é suficiente para o usuário comum. Temos dez instrutores avançados que são responsáveis por treinar os demais instrutores (aqueles que vão atender as pessoas nos Telecentros). Em março, eles já serão 300”. Sobre o custo de cada Telecentro, ele diz: “Uma unidade custa apenas R$80 mil, com seus 3 mil computadores. Com certeza, uma opção muito melhor do que os totens do FHC, que custavam R$21 mil a unidade, com apenas um computador”.
Custos de treinamento
Um dos principais argumentos da Microsoft contra o Software Livre é o de que ele acaba sendo mais caro, devido ao aumento nos custos de treinamento. Claro que isso se deve ao fato de que as pessoas estão acostumadas a usar apenas os programas da empresa monopolista.
Rogério Santanna explica que os custos de treinamento são responsáveis por um terço dos gastos na implementação de um software. Os outros dois terços são referentes a licenças (mais um terço) e hardware (o terço restante). Então, elimina-se o fator licenças com um pequeno aumento no item treinamento. Ele diz que, vendo dessa forma, a tendência é o Software Livre representar menos gastos, especialmente a médio e longo prazo.
E quanto ao lobby das grandes empresas, como a Microsoft, será que o governo terá força contra ele? Os dois são unânimes em dizer que tais pressões são normais numa democracia e que cabe ao governo se manter fiel ao interesse público. Assim esperamos.
Quisemos saber também de nossos novos dirigentes o que eles têm a dizer sobre os problemas de segurança e de ameaça à soberania nacional causados pelo Windows e seu código fechado. A resposta mostra que o governo não quer se ver longe da Microsoft, mas que pretende limitar muito mais sua participação nos sistemas do governo.
O que diz a Microsoft
Para ninguém dizer que a Geek só vê um lado da questão, fomos atrás da única empresa do mundo que vê o Software Livre como um câncer, como costumam dizer os seus executivos. E, talvez pelo fato de tal opinião ser difícil de ser defendida, não obtivemos resposta até o fechamento desta edição. Os leitores tirem suas próprias conclusões.