( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 04, de fevereiro/2003 )
Derneval R. R. Cunha
(O autor esteve em Porto Alegre e assistiu a uma conferência sobre Software Livre, com o Richard Stallman, tendo feito uma tradução consecutiva da palestra, a qual serviu de base para o texto a seguir, juntamente com algum material retirado da Free Software Foundation.)
Para entender essa diferença, o melhor é primeiro pensarmos em termos de COZINHA. É, receita de bolo mesmo. Não as “receitas de bolo” que são os passos para se fazer isso ou aquilo, mas sim uma receita para se fazer doces, seja num fogão ou num forno de microondas. Se você não sabe do que estou falando, pergunte para alguém que realmente faz comida de verdade (comida pré-fabricada não serve). Bom, receita de bolo é a melhor coisa.
A não ser que estejamos falando daquelas receitas onde se adiciona leite e pronto, voilá, a culinária existe e para mim pelo menos consiste na arte de cozinhar (que não tem muito a ver com informática, per si). Então o que é uma receita? É um conjunto de ingredientes, tipo farinha, açúcar, etc, que se mistura de determinada forma, mexe, coloca-se no forno e depois serve para alguma vítima experimentar e falar se está bom. Algumas pessoas fazem ótimos doces e bolos a partir de alguma receita que pegou na internet ou nos jornais. E qual o barato dessa receita? A pessoa pode passar adiante. Se eu faço, mudo alguns ingredientes da receita, posso fazer um bolo diferente. Se meus amigos sobreviverem e gostarem do bolo, posso escrever num papel e passar a receita para eles. Que poderão repetir em casa o que fiz. Sem nenhum problema.
O mesmo não acontece na informática. Se eu configuro meu Windows ou Word para Windows em casa, de um forma X, com um visual super legal, não posso legalmente copiar esse software que modifiquei para meus amigos, presumindo-se que eu tenha pago por ele (claro, imagina se vou fazer pirataria). Tudo bem que a instalação do Windows no meu computador ficou ótima: não posso copiá-la para meu vizinho (mesmo se conhecesse). Tudo bem que meu Windows está totalmente protegido contra invasões. Não posso fazer um CD com ele e distribuir para que meus amigos fiquem protegidos (claro, posso ir na casa deles e colocar as mesmas proteções, talvez até cobrar pelo serviço, mas copiar para o micro deles, LEGALMENTE, não posso).
Então, o que é que está pegando? Com a culinária, sou livre para trocar ou alterar receitas de bolo ou qualquer outra comida. Com a informática, não. Se faço com a informática aquilo que faço com receitas de bolo (não confundir com “receita de bolo” da informática) ou de qualquer comida, posso ser processado por violação de direitos autorais. Ninguém precisa pagar um tostão pela fórmula de se fazer arroz com feijão. Cada pessoa faz comida das mais variadas maneiras, ganha dinheiro como cozinheiro ou não e precisa prestar contas a uma Microsoft da vida? Não.
Pensando nisso é que se iniciaram os trabalhos da Free Software Foundation. O “Free” aí no caso, não significa grátis (apenas). Significa “Livre”, como na palavra liberdade. Qual liberdade?
“A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito (liberdade nr. 0)”
“A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades (liberdade nr. 1). Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade”.
“A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo (liberdade nr. 2)”.
“A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie (liberdade nr. 3). Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade”.
(obs: tudo acima está disponível no URL http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt.html)
O que pesa nisso tudo é que todo e qualquer programa de informática se baseia num ambiente operacional. Quer dizer, não adianta programar em C, Pascal ou Ada. Ainda assim, o programa terá que rodar num sistema operacional. O primeiro passo consiste em projetar um sistema operacional que tenha as características acima. O sistema operacional é a base para outros programas GNU. Qualquer programa desenvolvido terá que ter o código fonte disponível para as pessoas que irão utilizá-lo. Essas pessoas poderão alterar, implementar ou simplesmente usar os programas, como lhes der na telha. Poderão até mesmo comercializar, desde que o código fonte vá junto.
O que que isso tem a ver com o Linux? Bom, Linus Torvalds começou seu projeto de Linux com um pensamento vagamente semelhante, mas a idéia era de que seria algo divertido de se fazer. Difere portanto como opção política. Ao usar GNU, está se dizendo NÃO à Microsoft. É uma opção política de se recusar a entrar no jogo de pagar pelo uso de um software sem quebrar a lei. Já no Linux, tem uma questão de Ego e também de fazer um software para se aprender mais sobre informática. Não há uma questão de não pagamento de royalties e sim de como construir algo que funcione. Não entendeu?
Bom, vejamos de outra forma (minha idéia, não o que foi explicado na palestra): todo mundo usa computadores para fazer serviço sério, em qualquer lugar. Quando se monta uma empresa, precisa-se de software legalizado. E software como o da Microsoft cedo ou tarde necessita de atualização. Não se pode “remendar” um programa velho para continuar funcionando no micro novo. Consequência: Muita gente usa software pirata por achar que nunca sofrerá consequências disso. Convive-se com a idéia de burlar a lei. Mas o que acontece? A pessoa acaba pagando pelo software, cedo ou tarde. Basta precisar legalizar aquilo que faz com o software.
O pessoal que fundou ou ajudou no que seria o GNU estava interessado nesse detalhe: poder usar um software sem se preocupar com os direitos autorais ou a legalização de qualquer espécie. O pessoal que ajudou a construir o Linux estava preocupado com algo mais ou menos parecido como ajudar só para poder dizer “ó, meu nome está lá, eu também fiz isso, é obra minha”. Ou por diversão. Não estou criticando, só demonstrando, eu também gostaria de ser um dos responsáveis pelo Linux, um dia me inscrevo num dos dois grupos.
Bom, como foi a junção? O pessoal do GNU já tinha feito parte do trabalho (um sistema operacional semelhante ao UNIX não é brincadeira de se fazer). O pessoal do Linux já havia feito outro. Mas o Linux foi distribuído a torto e a direito sem se explicitamente divulgar que o chamado Linux era “GNU + Linux”. O que deixa o pessoal da Free Software Foundation meio pê da vida, mas que também não pode reclamar muito, já que está previsto que o “software livre GNU” pode ser distribuído sem essa preocupação de ficar dando nome aos bois. Dura lex, sed lex (Dura lei, mas é a lei). Então, só falar Linux não está errado, mas sem o GNU, talvez o Linux ainda não estivesse pronto, talvez não existisse.
É isso o que entendi da palestra, que foi curta. Os mais interessados, podem acessar a página abaixo, que tem inclusive tradução para o português:
GNU não é UNIX: O projeto GNU e a Fundação do Software Livre: http://www.gnu.org/home.pt.html