Desde a mais tenra idade somos apresentados – ou, pelo menos, os imaginamos com uma fúria terrível – àqueles que seriam os arquétipos de controle e limitação à nossa falta de explicação para o mundo que nos cerca. Ruídos no escuro, passos atrás da porta, um brilho distante – quaisquer coisas que minimamente se aproximem do inexplicável podem seguramente assumir a figura de “monstros”.
Mas daí começamos a crescer e esses monstros começam a tomar formas mais definidas e intimistas. Sei lá, talvez isso seja apenas uma busca de familiaridade numa vã tentativa de compreensão, de provar para nós mesmos que não há que se ter medo daquilo que conhecemos. Mas ainda assim inspiram terror nas desavisadas mentes infantis. Tão assustadores quanto antes, os monstros outrora sem forma e sem nome passam a ser conhecidos por Bicho-papão, Homem do Saco, Corpo Seco e por aí afora.
Curioso como, apesar do riquíssimo folclore brasileiro, nesses lados mais urbanoides do país nos limitamos a umas poucas figuras. Saci-Pererê, Boitatá, Curupira e todos seus companheiros nos soam mais como espíritos livres dos campos, matas e florestas que “monstros” propriamente ditos. Apenas como exemplo teríamos que eles não seriam páreos para a “Loira do Algodão na Boca”, também conhecida como “Loira do Banheiro”…
Mas falávamos de arquétipos.
Com o passar do tempo essas figuras saem da nossa esfera de mitologia infantil e dão lugar a outras, utilizadas para explicar atitudes e comportamentos – próprios ou de terceiros – já em nossa fase adulta. Em povos e civilizações antigas haviam as figuras dos deuses e demônios, as quais eram criadas e utilizadas para explicar desde um simples fenômeno da natureza até mesmo às mais complicadas sensações da psiquê humana.
Mas isso somente porque eles não tinham televisão!
As figuras da TV (e daí passando também pelo cinema e quadrinhos) passaram a conviver em nosso dia a dia de uma forma insuportavelmente familiar. Nas mais variadas esferas. Em todas as camadas sociais. Em qualquer tipo de evento. E isso já há um bom tempo. Exemplos não nos faltam.
O caboclo está sujo? Rapidamente aparece alguém para chamá-lo de Cascão, tal qual o personagem do Maurício de Souza.
Meio feinho, mas com complexo de beleza? E dá-lhe o apelido de Zé Bonitinho que tá tudo certo.
Fortão e valentão? Rambo já era suficiente.
Bastava alguém falar alguma besteira inominável e pronto. Era taxada de Magda por um booooom tempo. Com direito a “calaboca” e tudo mais…
E se a situação fosse uma reunião com alguém totalmente irascível e despótico presidindo-a? Já era motivo mais que o suficiente para receber a alcunha de Justus (por mais injusto que seja essa figurinha deplorável).
Inventor, fuçador, gambiarreiro, enfim qualquer denominação que pudesse ser dada a alguém que seja um “faz-tudo”, que a partir de um clips, dois elásticos e uma calculadora consegue montar um celular para ligações via satélite (e que ainda tira fotos), pois bem, esse indivíduo passou a ter como sinônimo o nome MacGyver.
Já para crianças impossíveis, a tábua de salvação (quem quer que fosse) certamente passou a ser chamada de Super Nanny.
Mas agora o “herói” da vez é outro. Para todo e qualquer problema, passou a ser um só. Não há nada tão espetacular ou tão pequeno que não seja merecedor de sua atenção. Tudo ele resolve. Do jeito dele, é lógico. Mas resolve. O carro não funciona? Chama ele. A fila tá demorando? Chama ele. O caixa quer te dar balinha de troco? Chama ele. O mais novo arquétipo da sociedade brasileira tem um nome simples: Capitão Nascimento…
Apesar de ser o personagem que atualmente anda na boca do povo, que o vê com bom humor, que concorda com seus métodos, que se diverte ao dizer a já recorrente frase “basta chamar o Capitão Nascimento” – bem, no meu ponto de vista parece-me simplesmente que mais um daqueles monstros que viviam debaixo da cama saiu e passou a ter forma e nome.
E isso me faz sentir novamente aquela já antiga (e quase esquecida) sensação de pânico premente que paira dentro de mim num limbo indefinido, em algum lugar entre o peito e o estômago…