Enquanto os paradoxos teimam em rir da minha cara, e ficam por aí dançando rumba ao som de heavy metal, resolvi rever alguns links perdidos em meu computador e encontrei o Ponto Doc, e, nele, trechos de uma crônica de Veríssimo (como diria o Marcelo, “o de verdade, com “s” e sem acento no “i”) que vai ao encontro não só do sentimento dos últimos dias como também com outra crônica que eu já citei por aqui.
A crônica segue abaixo, na íntegra, cujo título é o mesmo deste post – “Por pouco” – e foi publicada por Luis Fernando Veríssimo no livro Ed Mort e Outras Histórias.
Eu estava a ponto de escrever alguma coisa sobre as pessoas que estão a ponto de tomar uma atitude definitiva e recuam – e recuei. Ia escrever sobre os que um dia, por pouco, quase, ali-ali, estiveram prestes a mudar sua vida mas não deram o passo crucial, mas não vou. Pena e comiseração para os que não deram o passo crucial.
Pena e comiseração para os que preferiram o pássaro na mão. Para os que não foram ser os legionários dos seus primeiros sonhos. Para os que hesitaram na hora de pular. Para os que pensaram duas vezes. Pena e comiseração para os que envelheceram tentando decidir o que iam ser quando crescessem. E para os que decidiram, mas na hora não foram.
Alguns passam a vida acompanhados pelo que podiam ter sido. Por fantasmas do irrealizado. Um cortejo de ressentimentos. Este aqui sou eu se tivesse decidido fazer aquele curso em Paris. Este outro sou eu se tivesse chegado um minuto antes no vestibular…
Olha que bom aspecto eu teria se tivesse aceito aquela nomeação. Veja o bigode. O corte decidido do cabelo. O olhar de quem é firme, mas justo com subalternos. A cintura ajustada. As mãos que não tremem. Elas me seguem por toda a parte, as minhas alternativas.
Você conhece muitos assim. Gente que cultiva suas oportunidades perdidas como outros guardam o próprio apêndice num vidrinho. E não perdem oportunidade de contar como foi a oportunidade perdida.
– Foi num jogo de pôquer. Tinha dois pares e não joguei. Quem ganhou tinha só um. A melhor mesa da noite. Milhões. Eu, hoje, seria outro.
– Fiz uma ponta naquele filme do Tarzã, mas cortaram a minha parte. Se tivessem me visto em Hollywood…
– Se eu tivesse dito sim…
– Se eu tivesse dito não…
– Se mamãe não tivesse interferido…
– Uma vez fui fazer um teste no Fluminense. Abafei. Mas a família foi contra. Insistiu com a contabilidade. Eu, hoje, seria outro.
– Já tive a minha época de escritor, tá sabendo? Uns contos até razoáveis. Mas nunca me mexi. Hoje eles estão numa gaveta, sei lá.
– Você sabe que só não me elegi deputado, porque não quis?
– Eu, hoje, podia ser até primeiro-violino.
– Tudo porque eu não saí daqui quando devia. Pena e comiseração para os que não saíram daqui quando deviam. Há quem diga que o passo crucial só pode ser dado uma vez e nunca mais. Tem a sua hora certa, e ela não volta. Bobagem, claro. Mas não para os que tiveram a sua hora e não aproveitaram. Os mártires do por pouco.
– Sei exatamente quando foi que eu tomei a decisão errada. Foi numa noite de Ano-Bom.
Você já ouviu a história várias vezes. Mas não pode impedi-lo de falar. O único divertimento que lhe resta é o que ele poderia ter sido. Os que não deram o passo crucial quando deviam estão condenados ao condicional. E têm a volúpia da própria frustração.
– Se eu tivesse aproveitado… Ela estava gamada. Gamadona. Filha da segunda fortuna do Brasil.
Da última vez que você ouviu a história, era a terceira fortuna do Brasil, mas tudo bem.
– Bobeei e babaus. Hoje, quando eu penso…
Você tenta ajudar.
– Podia não ter dado certo. O pai dela não ia deixar. Um morto-de-fome como você…
– Morto-de-fome, porque eu não dei o passo crucial na hora que me ofereceram aquele negócio no Mato Grosso. Ia dar um dinheirão.
– Mas se você fosse para o Mato Grosso, não teria conhecido a menina na noite de Ano-Bom.
– Pois é. Agora é tarde. Sei lá.
Agora é tarde. As decisões erradas são irrecorríveis. Você o imagina cercado das suas alternativas. De um lado, casado com a, vá lá, primeira fortuna do Brasil. O último homem do Rio a usar echarpe de seda. Grisalho, mas ainda em forma com aquele tom de pele que só se consegue passando o dia na piscina do Copa, mas na sombra. Do outro lado, o próspero fazendeiro do Mato Grosso que pilota o seu próprio avião e tem rugas em torno dos olhos de tanto procurar o fim das suas terras no horizonte, ou de tanto rir dos pobres. E no meio, ele, a ponto de lhe pedir dinheiro emprestado outra vez. Triste, triste. Eu ia escrever uma boa crônica sobre tudo isso. Mas o assunto me fugiu, perdi a hora certa. Agora é tarde.
Mas… Pensando bem em tudo isso, agora me pergunto: e se o passo decisivo for justamente não dá-lo? Ficar exatamente onde se está para que as coisas possam fluir?
Penso e repenso em tudo isso e minha cabeça dá um nó…
E os paradoxos, ainda dançando, começam a gargalhar enquanto brindam com conhaque em copos de cristal!
Bom dia! Agradeço pela referência e pelo link!
Veríssimo é sem acento no i? Caramba, nunca me atentei a esse detalhe…
Não por isso, Carla! Aliás, para mim seria com acento – mas se o Marcelo disse que é sem, garanto que ele tem muito mais propriedade que eu para essa afirmação!
Um grande abraço procê!
Independente de acento ou não, acredito que nesta vida nunca vamos saber qual caminho devemos tomar, pois sempre pensamos no melhor mas que pode resultar no pior, imagina-se para chegar ao ouro temos dois caminhos um é passar por um rio de águas escuras e outro é passar por uma mata fechada, qual você prefere? Claro que não podemos também faltar com o bom senso, valendo-se do princípio da vida.
Pois é, Miro. É a vida. Já falei um pouco sobre isso por aqui. Dê uma checada e você vai ver que as coisas são bem nessa linha mesmo…