Não sei se é a idade chegando – ou que já chegou, afinal de contas quatro-ponto-zero implica, em condições normais, talvez mais que metade do caminho – ou se ando um tanto quanto propenso a perceber um pouco mais os fatos que me rodeiam.
Já comentei antes por aqui que, quando adolescentes, temos a certeza absoluta de nossa imortalidade. O amanhã estava muito longe e qualquer um com mais de vinte (vá lá, trinta) não seria digno de confiança. O mundo era maleável o suficiente para assumir o molde que escolhêssemos e o tempo fluido o necessário para que controlássemos sua passagem.
Mas, em algum momento, isso mudou.
E posso lhes assegurar que não foi quando do(s) casamento(s), pois, por mais que tivéssemos planos para o futuro, ele continuava lá longe, incerto e intangível.
Não foi por nenhum apuro específico – e como houveram! – pois mesmo com todos os perrengues passados o tempo ainda se me parecia tal qual mar, de tão vasto.
Acho que o princípio da mortalidade vem com a certeza da imortalidade. E esta representada por meus filhos. Eu passarei, tudo passará, mas as pequeninas coisas – talvez as que realmente importam – irão prosseguir na pessoa de meus herdeiros. Sua educação. Sua noção de certo e errado. Sua forma de enxergar a vida. Eu mesmo sou o resultado de um sem número de gerações e repositório de outro tanto de costumes, manias e gostos que vêm sendo passado insistentemente de pai para filho (ou de mãe para filha, caso o prefiram) e que resultaram na minha noção de individualidade.
Assim o será com meus filhos.
Sei que meio funesto este meu modo de pensar, mas mesmo com a certeza da imortalidade do espírito, a morte parece ter assumido novas e diferentes facetas ultimamente. Garanto que todos nós sempre tivemos algum caso na família ou nas proximidades sobre este ou aquele parente que faleceu de velhice, alguma doença que tenha levado alguma tia e mesmo um ou outro trágico acidente que tenha ceifado algum amigo cedo demais.
Bem, quero crer, como sempre o fiz, que a missão dessas pessoas estava cumprida neste plano e já era hora de dar prosseguimento em suas existências.
Mas tais situações parecem estar mudando.
Há pouco tempo uma amiga, ainda mais nova que eu, faleceu. De gripe. DE GRIPE, CARAMBA! Gripe deveria ser aquela doencinha chata e xarope que nos deixa indispostos por alguns dias e depois passa. Mas não. Tem gente morrendo de gripe.
Pior.
Passava pouco das cinco da manhã e um grito de puro horror e nítido desespero ecoou na vizinhança. Somente quem já ouviu algo assim pode saber do que estou falando. Frases desconexas, pessoas tentando apaziguar, até que uma palavra se sobressaiu: “morreu”. Fiquei sabendo horas depois. Meus vizinhos. De parede. Seu filho caçula – adolescente, creio eu. Estava internado com intoxicação alimentar. Algo que deveria, quando muito, implicar numa diarréia mais forte. Mas já fazia uma semana. O quadro piorou. Complicações. Falecimento.
Torpor.
Devaneios. Egoísticos, sim. Chavão, até. Mas inevitáveis. Nenhum pai deve sobreviver aos filhos.
Não há conclusão lógica ou mensagem de esperança ou o que quer que seja para este texto. Trata-se simplesmente de um relato com impressões pra lá de pessoais.
Mas, talvez, haja sim, uma sugestão.
Viva. Esteja com sua família. Aproveite os pequenos momentos. Trabalho, estudo, pesquisa, afazeres, obrigações. Tudo isso pode esperar. Converse mais. Participe intensamente. Nada é tão importante que não possa esperar um pouco mais em detrimento de sua convivência com sua mulher, filhos, netos, primos, tios, sei lá. Mesmo os amigos são a parte de nossa família que podemos escolher.
Pois, no final, é só o que importa.