Ao ler as Palavras Soltas do Renato – em especial este post aqui – por indicação do Copoanheiro, bateu uma nostalgia de minha infância.
Diferente do que vemos hoje, a escola efetivamente começava aos sete anos para a criançada. Até os cinco anos não se cogitava em absoluto nenhuma vida escolar, sendo que aos seis anos, quando muito, havia a figura do “prézinho” (sim, eu sei que a paroxítona tá brigando com o acento da proparoxítona, mas é assim mesmo que chamávamos as pequenas unidades pré-escolares).
Berçários? Infantil 1, 2, 3, o escambau? Nada disso. Tá certo que o mundo era bem outro e numa cidade do interior o comum era que as mães cuidassem da casa e dos filhos enquanto que os pais trabalhavam. E mesmo assim elas ajudavam como podiam. Lá em casa, por exemplo, enquanto meu pai era mecânico de caminhões, minha mãe era costureira. E, enquanto não saía para o mundo, sendo o caçula de três (cujos mais velhos já eram adolescentes à época), tive a sorte de ter um quintal enorme para brincar e criar minhas próprias aventuras. Tá, vendo hoje o quintal nem era tão grande assim. Mas vá explicar isso a uma criança de seis anos…
Mas, de volta à vida escolar, estudei numa única escola da primeira à oitava série – a “E.E.P.G. Dr. Rui Rodrigues Dória” – numa época em que sequer se pensava em “progressão continuada”, ou seja, simplesmente quem não estudava não passava. Isso foi entre 1976 e 1983. A escola ficava a três quarteirões da casa em que eu morava (e onde até hoje meus pais moram) e desde sempre fui a pé para as aulas. Talvez seja por isso que hoje, mesmo com uma escola relativamente perto de minha atual casa, me causa uma certa estranheza toda a logística montada pela Dona Patroa para levar e trazer as crianças. Não sei precisar se efetivamente “os tempos eram outros”, pois vivíamos num regime militar propriamente dito (ainda que em seu final), essa coisa de segurança pública era uma grande piada (alguém aí se lembra das baratinhas e camburões?) e policiamento era uma coisa que não se via. Mesmo hoje, nos bairros, a criançada continua indo a pé para escola e – pasmem! – sobrevivem.
Mas estou divagando.
Não tive pré, mas ainda assim entrei na escola já sabendo ler e escrever, graças a meu irmão mais velho que teve paciência de me ensinar como juntar aquela sopa de letrinhas que até então eu enxergava nos livros. Confesso que só tive problemas com o ponto de exclamação (“!”), pois toda frase que terminava com ele, eu terminava com “i”.
– Mas isso não é a letra “i”.
– É sim.
– Não, isso se chama “ponto de exclamação” e serve para indicar que alguém está, por exemplo, gritando.
– Não, não é.
– E o que é então?
– É um “i”. Mas está de cabeça pra baixo…
Teimoso e turrãozinho desde pequeno.
Assim, aos sete anos de idade, já com alguma vantagem com relação a maioria dos meus colegas, não me foi difícil aprender a ler, escrever, estudar e tomar gosto pela coisa. Confesso que por essa experiência às vezes me assusto com meu caçulinha que, com seus recém completados seis anos, já sabe ler alguma coisinha. Tanto eu quanto a Dona Patroa nos esforçamos para que nossa criançada não perca o momento de brincadeira que, nessa idade, a eles pertence, mas é preocupante a carga de “responsabilidades” que já lhes é despejada desde tão cedo.
E então fui aprendendo a ter um certo senso de organização e de rotina, pois desde sempre ao tocar do sino (sim, um sino mesmo, na mão da Inspetora de Alunos) os alunos se reuniam no pátio, cada classe em fila dupla (meninos e meninas), do menor para o maior (desde então eu já era o mais alto, lá no final da fila). Dali vinha algum recado que eventualmente fosse necessário o Diretor passar e, após, toca todo mundo pra sala de aula.
Toda quarta-feira era dia de hasteamento das bandeiras, quando então cantávamos o Hino Nacional – ritmo quaternário, segundo a Dona Clélia, Professora de Educação Artística (mas, antes disso, lecionava Música). Aliás, o respeito que se tinha com o pavilhão era bem outro. Não que nós, brasileiros, não devamos nos apropriar e até mesmo brincar um pouco com as cores e geometria da bandeira, como hoje fazemos, até porque vejo isso como uma forma de divulgação e orgulho. Mas, naquela época, era uma coisa quase sacrossanta. Ao final do dia tínhamos a cerimônia de arriamento e a bandeira era recolhida e guardada, sendo devidamente dobrada da “forma certa” (não me perguntem qual, não lembro mais). Esses detalhes aprendíamos com o Professor Bosco, de Educação Moral e Cívica.
Aliás, lembro-me pouco das professoras de primário (primeira a quarta série), quando havia uma única por sala de aula para lecionar todas as matérias. Posso citar somente a Dona Maria Antônia e, mais tarde, a Dona Geni – cuja música recém-lançada à época pelo Chico causou uma saia justíssima quando, certa vez, nossa classe inteira começou a cantá-la durante uma ausência temporária da professora (que não foi tão temporária assim).
De vez em quando apareciam alguns professores substitutos, e destes lembro-me de apenas dois. Um deles foi o Professor Aristóbulo – e é só pelo nome que me vem à lembrança. Outra foi a Professora Bete. Um amor de pessoa. Totalmente despirocada e divertida, não tinha quem não gostasse dela. Mais tarde, já formado, encontrei-a por diversas vezes no Fórum, pois hoje ela é advogada. E continua do mesmo jeitinho.
Entretanto tenho um pouco mais de lembranças dos professores do ginásio (quinta a oitava série). Além dos dois que já citei, tínhamos a Dona Ana Lúcia, Professora de Língua Portuguesa (antigamente dava aulas de Francês e era conhecida como “Merci Bocu” – o que mais tarde foi “traduzido” pelos alunos), com quem aprendi regras gramaticais que até hoje tenho na cabeça. O Professor Rotschild, de História, responsável por uma profunda mudança em minha cabeça ao ensinar a história como ela foi e não necessariamente como contavam os livros. O Professor Jaime (mais tarde fiquei sabendo que também foi Diretor da escola), de Ciências – sacana pra caramba em pleno momento de adolescência dos estudantes.
E só.
Lamento profundamente não conseguir me lembrar dos demais professores que, com certeza, ajudaram a influenciar quem hoje sou – e se isso é bom ou ruim, também não sei aquilatar.
E, ainda, minha formação vem da convivência que tive com os demais colegas e amigos com os quais passei esses oito anos, quer tenham estudado comigo ou não. Eis alguns, de cabeça (e desde já peço perdão àqueles que, assim à queima-roupa, deixei de citar): a pequenina Vilma, o também miudinho Jorge, o Fernando Kamezawa – amigo de toda jornada, sua irmã Edna, Marco Antônio, Celsinho, Marcelle (e olhe que não nos dávamos de jeito nenhum), a Alexandra – filha do Cuitelo, do supermercado, Fátima, Regina, Valnice e outras primas, a Ana Lúcia (ah, a Aninha), a Ana Maria, Rosele, Rosália, o Fábio (com quem briguei muito), Paulo César (sempre sacana), Josimara, Rose, Eduardo Rosa, Zezé (que, parece, também se tornou professor), Sílvio Alexandre, Sílvia Helena, João Carlos Dellu – meu mentor baguncístico para a adolescência, Vantuil, Kalil, Alexandre, Lucimara, Sirlei – a ruivinha, Izabel Cristina Coelho, Edlaine, Edvânia, os gêmeos Márcio e Maurício (também sacanas como eles só), Karla (essa mesma, mãe dos meus sobrinhos) e Edilson Roger Pascoaleto, amigo até os dias de hoje de aventuras e desventuras inomináveis.
Acho que a grande vantagem de se estudar numa mesma escola durante um longo tempo é que seu referencial se torna mais sólido. As amizades são mais duradouras. O terreno é mais conhecido. Afinal, creio que havia uma certa segurança em função disso. E essa “segurança” não só norteia minha vida como também tento passá-la aos meus próprios filhos.
Enfim, são apenas reminiscências deste velho contador de causos que vos tecla. Mas, no próximo dia três de outubro, com certeza ainda vou matar algumas saudades. Até hoje não mudei meu título de eleitor e continuo votando na mesma escola que me viu crescer. Já não é mais exatamente a mesma, mas sempre tem algum detalhe, aquele enfeite, aquela rachadura, aquela marca, que acaba me transportando a uma época em que tudo era bem mais fácil e divertido…