( Publicado originalmente no blog etílico Copoanheiros… )
Zé Luiz Soares
Na falta de tempo pra criar, vou postando clássicos do meu blog pessoal. Espero que gostem. Este é de outubro de 2008, e foi realmente uma cena inesquecível. Grande abraço e parabéns pela qualidade dos textos.
A Dama de Vermelho
Ela chegou sozinha. Parou em frente ao balcão onde eu estava, deu um boa noite discreto como seu sorriso, vistoriou o ambiente e, antes de sentar-se numa mesa bem em frente, pediu um cinzeiro – que imediatamente passei às suas mãos.
Era jovem, na faixa dos 25, mas vestia-se como uma mulher de mais idade. O vestido vermelho, quase bordô, colado ao corpo esguio, revelava suas formas e exalava uma sensualidade que destoava do seu comprimento – abaixo dos joelhos – e do decote – quase na altura do pescoço.
Uma mulher elegante, sem dúvida. Salto alto, pernas lindamente cruzadas. Cabelos presos, maquiagem leve e um rosto juvenil, ainda que o “conjunto da obra” sugerisse um perfil mais maduro.
Pediu o cardápio, e decidiu rapidamente: Black Label ( o mais caro), sem gelo, e água com gás.
Fiquei surpreso. Ali estava alguém que sabia escolher uma bebida. Noite após noite, vejo clientes pedindo as mesmas coisas de sempre: chope, refrigerante, caipirinha, suco. Foi-se o tempo em que pedir whisky era natural. Após a Lei Seca, então, as garrafas de malte só faltam empoeirar na prateleira.
O pedido da moça, no entanto, remetia aos melhores bebedores de épocas passadas. O escocês, 15 anos, sem gelo – para não alterar seu sabor; a água, com gás – para apurar o paladar. Ela sabia das coisas.
Pra me encantar ainda mais, em vez de um cigarro comum, acendeu uma cigarrilha. Um charme. Movimentos de mão suaves, começou a tragar com uma elegância que não se vê mais. Gilda, total.
Como nada é perfeito, de repente sacou o celular – praga dos tempos modernos – e, freneticamente, começou a procurar mensagens, ou quem sabe algum número a discar. Falou com alguém, levantou-se e, sem desligar, perguntou-me o número do bar. 1229? OK.
Pensei: tá esperando o namorado. Normal.
Alguns minutos depois, chegou sua companhia. Era só um casal de amigos, que vieram também pra assistir ao show.
E com eles ficou até o fim. Até a hora em que pagaram suas contas, e ela se foi, sozinha. Pagou em cheque, como se fizesse questão de que seu nome assinasse aquele momento: Renata.
Foi-se, mas deixou no Villaggio uma atmosfera que há muito tempo eu não sentia. Se a boemia legítima não existe mais, o que aconteceu ali foi um instante nostálgico, que valeu a noite.
Dama de Vermelho, obrigado.
Nem precisei ler até o final! Por incrível que pareça, ainda me lembrava do texto original… Muito bom!…