Hoje, vindo para o trabalho, como a Viatura estava (pra variar) no latoeiro fazendo uns ajustes, seguia eu próximo de casa – a pé – rumo a uma feérica carona, quando notei algo que jamais havia percebido ao passar diariamente de carro pelo mesmo local. Uma roseira. Com rosas rosas. Numa modesta casinha com ar antigo. Daquelas com cacos formando desenhos no piso da varanda.
Mundo mágico esse nosso real que, além das redes, tem o condão de nos transportar para o virtual. E no curto caminho que me restava veio à mente um sem número de imagens, de casinhas tais quais aquela, que exalavam nostalgia, com gosto de avó, de mãe, de infância, de algo perdido que parece não querer mais ser encontrado. A própria casa dos meus pais, com seu alpendre de caquinhos vermelhos, também eles formando desenhos, como as faixas pretas e as flores amarelas de pétalas negras. As três colunas – uma de cada cor – que ainda hoje adornam as muretas internas, refúgio de uma criança hiperativa que brincava sozinha em casa, inventando estripulias e traquinagens. As paredes grossas – tanto quanto a porta da sala, com sua tradicional janelinha (ainda não existia olho mágico), sua fechadura de punho e lingueta pra abrir. O longo corredor com o comprido carpete ótimo para se escorregar. As janelas de duas folhas que dobravam, com venezianas de madeira e vidros guilhotina. O forro de madeira, assim como os tacos e os rodapés – tudo sempre bem envernizado. O jardim quadrado todo gramado (ah, o cheiro da grama cortada que me inunda a memória!), a gigantesca torre da antena, o pé de erva cidreira num cantinho e, bem no meio, imponente e majestosa, triunfava A Roseira – com suas rosas brancas e rosas.
Grandes e suavemente perfumadas rosas com delicadas e macias pétalas, encimando um portentoso caule espinhoso – que pela espessura fazia denotar a sua própria antiguidade. Rosas tão frondosas e em tal quantidade que preenchiam todo o derredor com seu sempre suave perfume…
E todas essas lembranças me vieram com tanta fartura e velocidade, preenchendo de tal maneira os cantinhos vagos do coração com um nostálgico carinho, que, trôpego, momentaneamente esqueci-me onde estava, quem era, pra onde ia…
Mas o mundo real cobra seu preço e num átimo do segundo seguinte eu já seguia meu caminho.
E passei a pensar um pouco nas casas de hoje, essas de subúrbio, verdadeiras caixas de fósforo com arquitetônicas preocupações com um mítico coeficiente de preenchimento absoluto de todos os espaços possíveis de forma aproveitável. Casas sem corredores, com fórmulas matemágicas de ocupação diretamente proporcionais à quantidade de pessoas que ali vivem. A varanda é a garagem, o jardim é a passagem, o quintal é a lavanderia. O ornamental deu lugar ao prático. O ambiente amplo importa em desperdício. Um jardim, um quintal, uma árvore, um gramado não significam outra coisa senão a necessidade de dedicar atenção e cuidados que não encontram espaço em nossa atribulada agenda diuturna. Melhor o concreto, a impermeabilização, o piso que não dá trabalho.
E percebo o quão realmente distante estamos da qualidade de vida que nós, seres humanos hodiernamente práticos e modernos, teimamos em dizer que procuramos.
As coisas – como sempre – são mais simples do que pensamos. Ou achamos. Ou queremos.
A bem da verdade, simples como rosas.
Como as da roseira que lhes falei.
Cujas pétalas foram carregadas pelo vento da memória.
E é onde carinhosamente permanecem.
A roseira.
As rosas.
O perfume.
Rosa.
“(ah, o cheiro da grama cortada que me inunda a memória!)”
E inunda mesmo…
Mesmo não tendo tanto tempo de vida quanto vc (não podia perder, vá?!)pra nutrir lembranças, tenho as minhas, que tomam conta da minha mente e me fazem sentir muita coisa boa!!!
Realmente, toda a beleza dos jardins ornamentais e as coisas belas das casas foram substitudas pelo prático.
Resolvi então, fazer meu jardim em mim.
Não me dá o trabalho de regar e me traz a alegria de ver coisas belas…
hehe.
Adorei o post! 😉
“Resolvi então fazer meu jardim em mim.” Bonito isso! 🙂
Que lindo!
🙂
Adauto,
Não sei como descobri seu blog… Acho que foi navegando sem rumo em busca de novas idéias.
Gostei muito de tudo e especialmente desse texto, que estou postando no meu blog (espero que não se importe) com os devidos créditos.
Abçs
Berenice, pra mim seria uma honra!
É gostoso compartilhar textos… Gente nova vendo minhas velhas idéias sempre trazem um alento diferente para nosso dia a dia…
E, particularmente, esse é um texto do qual gostei. Não costumo escrever tudo que penso, não tenho por hábito publicar tudo que escrevo, e tampouco necessariamente gosto de tudo que publico. Mas esse texto, em especial, eu realmente gostei. Daí o porquê fico (ainda mais) feliz em compartilhá-lo!
Aliás, ao ver sua última publicação (que também já publiquei por aqui), nessa questão de bulas faço referência a outro texto: A difícil arte de ser pai.
Abração!
Adorei a “A difícil arte de ser pai”.
Quando o escritor é bom, as palavras fluem com uma naturalidade gostosa, tornando a leitura um prazer sem precedentes, seja qual for o tema…
Eu me diverti muito lendo esta crônica.
Pelo jeito vou ser uma visitante constante e terei uma nova fonte para meu blog (e, pelo jeito, inesgotável!!!).
Uma coisa eu posso lhe garantir: Todas as vezes que suas cronicas forem publicadas no “Hora do Recreio”, você estará sempre em boa companhia. 🙂
Abçs
Que mais posso dizer, senão… Tks!!!
😀