Perdido entre gerações

Esse mundo de crônicas, definitivamente, é fantástico.

Sempre acabo por descobrir mais sobre mim mesmo lendo as mais distintas crônicas alheias.

E Mário Prata – o cronista da vez – tem ótimas, como essa que segue logo abaixo.

E, talvez, a questão principal e que mais me chamou a atenção foi que acabei descobrindo que não existo. Não nessa concepção, ao menos. Não sou da geração dele, onde simplesmente havia uma clara linha separatória entre o que seria sexo e o que seria amor. Não, mesmo. Mas também não sou dessa geração atual, a de ficantes, onde tudo é permitido e nada há a ser perdoado. Estou entre ambas. Sou das antigas mas com pensamentos modernosos, sim, e daí? Na prática, creio que fiquei perdido entre as gerações…

Sabe o que acontece? Para mim, sexo e amor são elementos indispensáveis um para o outro, principalmente o segundo em relação ao primeiro. Se não houver um, não há que se falar no outro. O que já é uma evolução em relação à distinção da geração anterior. Mas daí a essas ficâncias e alternâncias dignas de Friends, onde a amiga de hoje será a namorada de amanhã, a esposa do amigo de depois de amanhã, e sabe-se mais o quê lá no futuro? Não. Sou daqueles que não sabem ficar. Que querem mais. Desse jeito, simplesmente não consigo.

É informação demais para este velho dinossauro…

Mas, cá entre nós, entre ficar por ficar, então fiquemos com a crônica de Mário Prata, que, garanto, é bem mais interessante que meus costumeiros devaneios.

De como ficar sem culpa

Mário Prata
MAR/1996

– O brasileiro é, antes de tudo, um infiel.

Poderia ter dito Euclides da Cunha, que conheceu na pele o problema. E nas costas.

Mas nem todos, diriam os mais jovens. Correto. Mas eu estou a me referir à minha geração, dos meus pais e meus avós.

Não é preciso deitar em nenhum divã de psicanalista para entender o que aconteceu com a minha turma.

Para nós, no começo dos 60, amor e sexo eram duas coisas completamente distintas. As namoradas não deixavam nada. Não se ficava, naquele tempo, imagine. A gente, depois de uns 15 dias (e de muita conversa), pegava na mão. Beijo na boca, só uns seis meses depois. E ficava nisso. Um ou outro conseguia um bico por cima do banlon. Sexo, jamais, impossível. Todo mundo tinha sua namorada (muitos casaram com elas). Depois do namoro íamos para a zona. Lá não tinha amor, tinha sexo, com descalcificadas prostitutas interioranas. E na capital, acontecia o mesmo.

Sexo com amor não existia. Portanto, para nós a divisão amor/sexo era absolutamente normal. Para nós, até então, uma coisa não tinha nada a ver com a outra.

A primeira vez que fiz amor e sexo junto, foi um desastre. A namorada sentou-se na cama e me disse:

– Não é nada disso.

E começou a falar de coisas que eu nunca havia imaginado. Carinho, por exemplo. Nunca tinha feito carinho numa profissional do amor, é claro. Essa namorada me ensinou a fazer amor com sexo. Foi uma grande descoberta para mim. Sei até o dia: 1º de maio de 68 (eu tinha 22 anos), entre uma barricada e outra lá na USP.

Portanto, para a minha geração, no início, traía-se naturalmente, sem culpa.

Hoje com um pouco de culpa, com um certo remorso.

Se na vida dos meus pais e avós eram normal a infidelidade e as amantes fixas ou eventuais (as esposas sempre sabiam e fingiam que não era com elas), com a nova geração a história é outra.

A maior invenção dos anos 90 foi o ficar. Que inveja! Fica-se com uma hoje, com outra amanhã e ninguém está enganando ninguém, traindo ninguém. Culpa?

Nem pensar. Sábia essa geração.

Ainda não entendi por que não se libera esse negócio de ficar para nós também, mais velhos. Acabaria a infidelidade. Você me traiu? Não, só fiquei. Ou seja, a novíssima geração continua infiel. Só que deram um jeito na jogada. Ficar não é pecado, não está nos mandamentos nem de Deus nem da Igreja. Mas se eu ficar, como fica a minha namorada?

Eu tento entender os limites do ficar, mas sinto que a compreensão foge aos meus limites de infiel salesiano. Eu pergunto aos mais jovens: mas ficar, fica até que ponto? Está me entendendo? Tem ficada completa? Ou, se for completa, não é mais ficar? E eles me dizem que, às vezes, ficar pode ser completo. E não é traição. Pinta, entende? E, se pinta, rola. No dia seguinte, imagino eu, nem contam para o melhor amigo. Onde já se viu?

Só que, com a gente, mais velho, elas não ficam. E não é por causa da idade, não. É que elas sabem que nós não sabemos ficar. Quando um cara da minha idade consegue ficar com uma, quer ficar mais, quer no outro dia de novo. Aí não é mais ficar, já entra compromisso, pai e mãe no meio. Ficar, pode.

Ficar mais de uma vez, não. Tá pensando o quê? Casa da sogra, como se diria no meu tempo? Definitivamente eu não sei ficar. Fico devendo.

Ou seja, esse negócio de ficar pra cá, ficar pra lá, completo ou incompleto, é só entre eles. Há de se entender o espírito da coisa. E a minha geração tá muito mais para a carne que para o espírito em relação à ficagem.

Já namorou fulana? Não, mas fiquei. Que coisa mais normal.

Outro dia encontrei com uma amiga da minha geração e ela me disse com a maior naturalidade que a filha dela tinha ficado com o meu filho. Só que quando eu quis tirar um sarro (que é como a gente ficava) com ela há uns 20 anos, nem pensar. Ficou me devendo. E agora vem pra cima de mim com essa normalidade toda. Será que ela quer ficar comigo? Agora? A gente quase avô?

E o mais doido é que há 30 anos a gente cantava no ouvido das meninas: fica comigo esta noite e não te arrependerás!!! E nenhuma delas entendeu o que eu queria dizer.

Resumindo: quem ficou, ficou. Quem não ficou, não fica mais!

E, como já dizia Zilda Mayo, atriz da pornochanchada, numa célebre entrevista para a revista Homem, amar não é só colocar lá dentro.

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