Pedaços e Pedacinhos

Um livro simplesmente delicioso!

“Pedaços e Pedacinhos”, uma coletânea dos escritos e pensamentos de Brasílio Duarte (1915-1998), que traz a viva lembrança de uma São José dos Campos de outrora, ainda estância climática, de uma vida mais simples e de uma gente mais tranquila. Ou de uma vida mais tranquila e de gente mais simples, como queiram!

Sobre esse livro, disse Altino Bondesan em carta ao autor: “A leitura dos originais de seu livro ‘Pedaços e Pedacinhos’ me empolgou e confortou. Fiquei conhecendo pormenores de sua vida, edificantes, dignos de menção. Vejo que você construiu o edifício de sua existência com muita fé, trabalho, persistência e honestidade. / Seu livro merece ser lido pelas novas gerações, tão carentes de exemplos de religiosidade, de idealismo, de espírito de luta, coisas que se encontram em abundância nas belas páginas de sua obra.”

Bem, para que tenham uma idéia, eis um trechinho:

Um Fato Decisivo e a Primeira Lição

No ano de 1925, com nove anos de idade completos, fui matriculado no Grupo Escolar Olímpio Catão.

Antecedendo a este fato, ocorre uma cena bastante singular e até pitoresca, resultando daí que se tornasse meu protetor, simplesmente o Prefeito Cel. João Cursino. Foi assim:

Sem que alguém soubesse, saí para a rua, determinado a pedir que me pusessem na escola.

Vinha sentindo essa vontade, ao ver, todos os dias, que os outros meninos iam às aulas e voltavam alegres e tagarelas. Grandemente ocupados com os muitos problemas da Santa Casa, meus pais [adotivos] não havia podido, até esse tempo, conseguir uma documentação legal para a minha matrícula escolar, uma vez que eu não tinha nem o registro de nascimento.

E era a primeira vez que eu saía sozinho na rua.

Na primeira esquina (antiga residência do Dr. Nelson), deparo com um roceiro e lhe pergunto: “O sr. sabe quem é o dono da cidade?”

E ele rindo, me diz: – “não é dono da cidade que se diz, é Perfeito. Ele mora perto do Mercado!”

Agradeci e andei para os lados da igreja Matriz.

Bem adiante, pergunto novamente a uma pessoa: “o sr. sabe onde mora o Perfeito?”

Rindo também, ele me ensina: “menino, não diga perfeito, diga Prefeito que é assim que se fala”, “ele mora ali ao lado do Mercado.”

Essa foi a primeira lição que recebi, e caminhei, pensando em como alcançar o que estava procurando.

Finalmente, chego ao lugar que me foram indicando.

Batendo palmas, logo me aparece um senhor gordo, de colete, meio calvo, que me pergunta:

“O que você quer?”

“Eu quero falar com o Perfeito.”

“Pode entrar.

Entrei. Havia um pequeno portão e a seguir, uma escada.

Fiquei olhando.

“Pode falar, eu sou o Prefeito!”

“Vim pedir para o sr. me pôr na escola.”

“Onde você mora?”

“Na Santa Casa.”

“Muito bem. Volte para lá, bem direitinho, eu vou tratar do seu caso.”

Agradeci e fui saindo. Parei, voltando-me para ele, advertindo-o que, se não fosse atendido, sairia de casa.

“Para onde você vai?”

“Não sei, mas creio que vou parar em algum lugar.”

“Vá sossegado. Amanhã mesmo você estará na escola.” E foi assim, mas antes saibam o que aconteceu. Ao chegar em casa, encontro o pessoal apavorado. Todos estavam me procurando.

Fui repreendido pela minha falta, mas não contei nada do que aconteceu. No dia seguinte, bem cedo e para espanto de todos, aparece o Sr. Zeca Bicudo, servente do Grupo Escolar, com ordem expressa do Prefeito para me levar à escola. Foi um corre-corre geral.

Cada um me fazia uma coisa, desde o banho, ao vestir e alimentar. Foi um dia de festa sem que alguém entendesse o porquê de tudo aquilo…

E os tempos foram passando…