Em primeiríssimo lugar: esteja limpo.
Aquela história de mens sana in corpore sano é verdadeira. É humanamente impossível tentar qualquer técnica de relaxamento se você não estiver total e completamente à vontade. E limpeza é o item número um nesse quesito.
Já com seu banhinho tomado, deite-se em sua confortável cama. Suponho que por ser sua cama ela deva ser confortável, não é?
De costas, pernas esticadas, braços estirados, mãos espalmadas e olhos fechados. São três os estados pelos quais vamos passar: sólido, líquido e etéreo(1).
Na primeira fase sinta cada músculo de seu corpo. Contraia e estique todos aqueles que puder se lembrar (ou controlar). Sem sair do lugar, sem se mexer muito, espreguice-se total e completamente, desde a sola do pé até a nuca: batatas das pernas, glúteos, coxas, abdômen, costas, braços, pescoço, etc. Enrijeça-se e, ato contínuo, solte-se. Relaxe.
Na segunda fase, algo que serve para tentar focar o cérebro, deixando o corpo preparado para a fase seguinte: imagine-se num ambiente líquido. O que melhor lhe aprouver. Numa banheira, no mar, num lago, numa represa, não importa – desde que seja um ambiente calmo. Imagine a água ao seu redor. Todo seu corpo mergulhado nela. Imagine até mesmo aquele som surdo que ouvimos quando estamos mergulhados. Concentre-se nisso até que seu corpo realmente se convença de que está sob a água.
Na terceira fase imagine que está se desfazendo. Tornando-se etéreo. Comece a relaxar total e completamente, procurando deixar de sentir cada membro de seu corpo – um por vez. Concentre-se nisso. Comece pelos pés, como uma onda de energia que vai muito, mas muito mesmo, lentamente subindo e se apossando de cada partícula de todo seu corpo. Azul é uma boa cor para tentar focar. Lenta e inexoravelmente(2) subindo por cada milímetro e a cada milímetro passado nada mais se sente. Não se mexe mais. Não contrai. Não existe. Caso venha a se mexer, comece novamente do princípio. Insista. Essa onda sobe, passando pelas pernas latejantes, pelas coxas cansadas, cobrindo toda a virilha, subindo pelo tronco paralelamente às mãos e braços, chegando ao peito. Nesse momento ela, que já é lenta, torna-se ainda mais vagarosa. Ouça sua respiração. Sinta seu coração. Cada arfar. Cada batida. Cada expiração. Cada contração. Deixe a onda tomar conta de tudo isso sem interferir nisso tudo. Subindo pelo pescoço. Cobrindo sua cabeça. Cobrindo totalmente seu corpo.
E agora? Que fazer com essa mente irrequieta que, aina assim, não sossega?
Para resolver isso resolvi aliar a essa técnica uma outra, que pode ser chamada de “Técnica do Cavalo Selvagem”(3). Agora que o corpo efetivamente está relaxado, solte a mente. Deixe os pensamentos fluírem, tal qual uma manada de cavalos selvagens que correm numa pradaria qualquer. Cada pensamento, um cavalo. Mas você apenas os observa, não os monta. Não os doma. Não se prenda a nenhuma linha de pensamento. Não permita que seu raciocínio desenvolva nada mais elaborado a partir de nada. Se perceber que começou a se concentrar em algo, não o faça! Solte-os. Deixe-os livres. No começo é difícil (muito difícil), mas com o tempo a gente pega o jeito.
Com isso, quando menos perceber, já estará passando diretamente para os estágios três e quatro do sono, permitindo ao corpo recuperar plenamente as energias.
Particularmente, não importa o quão acordado, pilhado ou eufórico eu esteja. Pra mim funciona. Com essa “técnica” aí de cima no máximo em pouquíssimos minutos já estou dormindo. Profundamente. Aliás isso me permite uma noite de sono de aproximadamente umas quatro horas, pois, ao “pular etapas”, recarrego mais rapidamente as baterias…
Eu a aprendi com uma riponga, amiga de meu irmão, que conheci quando tinha uns treze anos. Ela devia ter uns dezessete, dezoito no máximo. Juntamente com uma outra amiga (que, se bem me lembro, arrastava a asa para o brother-san) passaram uns dias em casa, creio que antes de partirem para uma comunidade alternativa no Rio de Janeiro. Eu me deitava e ela ficava ao meu lado falando, passo a passo, muito calmamente, cada parte do corpo que eu deveria relaxar. Naquela época levava séculos. Não sei se porque ainda não sabia me concentrar, se porque era adolescente ou, provavelmente, ambos…
E antes que alguém pergunte, não, isso não é meditação.
É relaxamento.
É a busca de levar tanto o corpo quanto a mente para um estado que permita relaxar profundamente. É desligar. É apertar o botão off.
Diferente da meditação, na qual o corpo relaxa e a mente aquieta – mas mantém-se alerta. Expande-se. Transcende.
E não é esse meu propósito.
Ah, e é lógico: isso não funciona caso você esteja propenso a ataques de sono!
😀
(1) Sim, “etéreo”. Você achou que fosse o quê? Gasoso? A esta hora da noite? Sem saber o que você comeu? Num quarto fechado? Tá louco, é?
(2) “Inexoravelmente”… Sempre quis usar essa palavra desde que assisti Vincent Price interpretando o Dr. Phibes. A bem da verdade acho que já usei antes, mas não perco a oportunidade!
(3) Se não me falha a memória, creio que li isso em algum dos livros do Paulo Coelho, resolvi colocar em prática e realmente funcionou…
Comigo é como o Garfield: ataques de sono…