E eis que a chuva se instala lá fora assim como a insônia se instala aqui dentro…
Senta do meu lado e, num acalentoso sussurro, com suas mãos lívidas e dedos longos, cutuca meus pensamentos, me descobre por dentro e por fora, expondo toda minha nudez.
A mente irrequieta – ah, tormento de quem tanto pensa! – entra na sua habitual profusão de imagens e caminhos, totalmente à revelia de minha inútil busca de tentar me concentrar no monótono, sonoro e constante desaguar da chuva que jorra lá fora.
Vã tentativa!
De um salto abandono o conforto das cobertas.
A noite é fria, mas o coração pulsa quente.
Pulsa apertado, angustiado, absorto, independente.
Despido tanto de sentimentos quanto de andrajos, as mãos buscam os batentes, o corpo se arqueia no umbral, uma gélida e úmida brisa da fria madrugada abraça a pele desnuda e o olhar se fixa no desbarrancar d’água que o céu teima em despejar.
Os pensamentos revoam ao meu redor, lépidos e faceiros, inconstantes e inconsequentes, ágeis como sempre, irrequietos como nunca. De nada adianta me concentrar. Ou desconcentrar. As taças de vinho já não os sossegam mais. Sequer o peso da idade lhes tem valor. Nada respeitam. Nada os aquieta. E o repouso fugidio teima em desaparecer.
E, torrencial, a chuva cai.
E por entre toda aquela água, o céu escuro silenciosamente grita por mim, desvendando um enigmático sorrir formado de densas nuvens. Irresistível o chamado. Entrego-me à tão sutil convocação, cabeça jogada para trás, mãos estiradas pela amurada, o frio inexistente, e o peito se abre para receber a inebriante chuva que me agasalha.
As gotas caem furiosas, agulhando minha pele em toda sua extensão. O cabelo lentamente começa a se encharcar enquanto os pingos serelepes buscam seus próprios caminhos por minha barba, roçando meus lábios, suavemente enforquilhando a garganta enquanto seguem rumo ao chão por meu dorso exposto.
É um batismo. Um rebatismo. De fogo. Na água. É a noite que, paciente, acolhe o retorno deste seu filho dileto. O ofegar trêmulo e constante não é de frio – jamais seria! – mas sim de alegria, de paz, de comunhão com um universo que jamais me deus as costas, mas sim eu a ele.
E, num sereno caótico, uma oração sem palavras se faz. Desnecessárias! O que se constrói num átimo de momento é uma oração de sentimentos. Inexpressíveis e inigualáveis sentimentos.
E é a mais linda, pura, perfeita e elevada oração que jamais fiz e jamais conseguirei voltar a fazer.
E, por fim, a mente se aquieta.
Os pensamentos se aninham.
O coração relaxa.
E a chuva cai…
Agora entendi o que vi da janela, hoje, rsrs 🙂
Chuva amiga… Sempre!
😀