O banquete da tecnologia

( Matéria publicada no jornal O Vale, de 27/01/2013 )

Ticiana Schvarcz

Imagine um banquete repleto de pães, massas e das mais variadas bebidas. Se você comer tudo provavelmente passará mal, por isso, é preciso escolher o que de melhor tem ali antes de sair ingerindo tudo que aparece.

Foi essa analogia que o comunicólogo e professor de jornalismo da Universidade de Taubaté, professor mestre Robson Bastos, usou para explicar a forma com que a informação é difundida atualmente. Vivemos em uma sociedade com excesso de notícias, como no banquete. Se armazenarmos toda a nova informação que recebermos, nada será digerido. Mas nem sempre foi assim.

Os livros surgiram há milênios, mas na Idade Média eles já possuíam formato parecido com o que temos hoje. No entanto, a população não sabia e, mesmo que soubesse, era proibida de ler. Só homens do alto clero ou do topo da pirâmide hierárquica podiam.

Há registros de que monges morreram pelo simples fato de manusear livros. A explicação é a seguinte: para produzir a tinta vermelha e brilhante utilizada em algumas páginas, era adicionado mercúrio, um componente muito tóxico que, ao entrar em contato com o organismo, causava a morte.

Foi o alemão J. Gutenberg que causou a primeira revolução da informação. Ao criar a prensa em 1839, equipamento que permitia a reprodução em massa de material impresso, iniciou um processo lento de popularização da informação, oferecendo ferramentas para que fossem criados livros em grande quantidade e os primeiros jornais impressos.

Ainda assim, segundo Robson, o conhecimento não chegava a todos. “Existia carência de informação. Mesmo depois da criação de Gutenbert os livros eram raros e caros”.

Foi apenas no século 20 que o consumo e a produção de livros aumentou progressivamente. E quem viveu na década de 1980 vai se lembrar.

As pesquisas solicitadas na escola eram sinônimo de passar o dia na biblioteca revirando livros de história e Barsas, cheias de pó, que coçavam o nariz. Uma sensação que a nova geração não terá o prazer de conhecer.

Foi em 1990 que a segunda revolução começou a acontecer. O computador já havia se tornado o produto de desejo da população, as Barsas começaram a entrar em extinção porque já era possível comprar um CD-ROM onde todas as informações que ocupavam espaço na biblioteca poderiam ser facilmente encontradas. A internet começou a cair no gosto popular e os sites de busca surgiram. Se perguntar a alguém dessa década o que era o “Cadê?”, sem dúvida essa pessoa vai dizer: “era o Google da minha época”.

Mas o Google Search, site de pesquisa mais acessado do mundo, só seria fundado em 1998. Hoje, de A de “amor” a Z de “zebra”, é só digitar a palavra no www.google.com que o mundo perde as fronteiras e qualquer coisa – relevante ou não – que tenha sido escrita sobre o assunto é apresentada no computador.

“Enquanto antigamente faltava informação, hoje o problema é o contrário, temos um excesso dela. Houve uma perda da credibilidade. Nunca o homem teve tanta informação e esteve tão mal informado”, afirma Robson, que lembra que nem tudo que é postado na internet é verdadeiro. Um exemplo são as informações difundidas nas redes sociais. A maioria das pessoas não verifica a veracidade do conteúdo ao compartilhar.

Portanto, de acordo com o professor, a situação atingiu um novo patamar.

“A nova geração já é chamada de ‘nativos digitais’, pessoas que já nasceram online. Nós, que tivemos que aprender e nos adaptar a essa realidade, somos chamados de ‘imigrantes digitais’. Ou seja, nós nos esforçamos, mas nunca saberemos tanto quanto um nativo, somos estrangeiros em um outro país.”

Sentir saudades de folhear um livro e de buscar no índice de uma enciclopédia o que pretende estudar é permitido, mas voltar no tempo não é uma opção. Para o comunicólogo, o futuro exigirá um acordo entre as gerações em que caberá aos nativos ensinar aos imigrantes a lidar com as novas tecnologias e aos imigrantes ensinar aos nativos a ter critérios para qualificar a informação.

Somente dessa forma será possível evitar a indigestão que esse banquete tecnológico pode causar.

Perdidos pelo caminho

A última semana foi um tanto corrida, não parei em casa um dia sequer! Estava na companhia dos meus queridos avós resolvendo uns assuntos e num desses dias fomos a uma clínica. Lá, diante de tantas pessoas, comecei a pensar sobre as estradas da vida (sim, questionamentos filosóficos em uma sala de espera – a pessoa aqui não é muito normal). Nossas escolhas e “não escolhas”.

– Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
– Isso depende muito de para onde queres ir – respondeu o gato.
– Preocupa-me pouco aonde ir – disse Alice.
– Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas – replicou o gato.

Esse é um dos meus trechos favoritos da obra de Carroll. Alice estava perdida e tudo o que queria era sair daquele lugar estranho. Ela apenas queria ir embora dali, não importa para onde fosse – qualquer coisa era melhor do que aquele lugar. Quantas vezes não nos sentimos como Alice? Perdidos pelo caminho…

A vida corre, a vida segue. Não importa se estamos atarefados entre as pilhas de papéis na empresa ou se estamos de pernas para o ar na praia.

Algumas coisas estão tão profundamente marcadas em nossa alma, que tentar apagá-las seria o mesmo que tentar arrancar um pedaço de nós. O tempo cura tudo – é o que dizem – e talvez cure mesmo. Mas acredito que “cura” não seria o termo adequado. Quando o nosso coração está partido é através do tempo que encontraremos uma solução. Não esqueceremos “aquele momento”, afinal, ele faz parte do que somos! Maturidade não vem necessariamente a cada aniversário; ela vem a cada experiência – seja boa ou ruim.

Conforme o tempo atravessa nossa face, as experiências vão se tornando cada vez mais desafiadoras, e isso nos torna mais “nós” – mais fortes, juntamente com a consciência da fragilidade. Aprendemos a perseguir os nossos sonhos, mesmo que todos à volta nos digam que não vale a pena. Aprendemos que às vezes, perder significa ganhar; e que o amanhã reserva um presente maravilhoso para aqueles que acreditam. Aprendemos a amar, a perdoar, a arriscar, a nos doar. Aprendemos a nos tornar mais humanos, e é exatamente aí que habita o segredo da grandeza – na simplicidade do ser.

Voltando para a solução, certamente não é esquecer. Não gosto muito da palavra que vou usar, mas creio que a solução seria aceitar. Isso mesmo, “a-cei-tar”. Pegar toda essa dor que estamos sentindo e vivê-la de maneira adequada – chorar, gritar, relembrar e então guardá-la numa caixinha. Com o tempo ela irá diminuir e acredite, é possível sobreviver! Depois de toda grande tempestade, por mais terrível que pareça, o sol – sempre o sol – volta a brilhar no céu. Ele vai nos iluminar, nos aquecer e embelezar o nosso dia. E quando no futuro os fios alvos fizerem morada entre nossos cabelos iremos relembrar de tudo com um sorriso nos lábios.

A foto que escolhi para essa crônica traz a seguinte mensagem: “Not all those who wander are lost” (Nem todos que andam por aí estão perdidos). Por mais que as adversidades façam com que nos sintamos perdidos, se escolhermos continuar a caminhar, mesmo que não saibamos exatamente para onde, estaremos no caminho certo. Se você conhece a história de Alice, sabe muito bem que isso é verdade.

Sté Spengler